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A morte do Flamengo

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Meu pai é torcedor do PMDB. Um saudosista nato. Para ele, esse partido é a expressão máxima de repúdio à Ditadura, negação de uma época contaminada por sujeitos políticos opressores e escrotos. Uma partida para ser esquecida, com um ataque truculento e grosso: coronéis de dez estrelas… na camisa.


Atento ao canto da torcida. Sabia muito bem que não eram apenas os seguidores de Ulysses Guimarães que tinham se rebelado contra o Regime Militar. Mas o time dele, o PMDB, o flamengo da política, era, segundo ele, o mais romântico, o que mais entendeu as características do Brasil. Entre erros e acertos, tolices e sensibilidades, o PMDB era o que melhor visualizou um plano de destruição do autoritarismo instalado desde 1964.

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Quando buscou a via democrática, em sua opinião, fez da democracia o maior pilar de suas aspirações. O resto eram reservas pernas de pau que não deveriam nunca ser usados.


Com a luta armada não concordava. Assaltos, sequestros, ateísmo ou outros adjetivos que lhe chegavam aos tímpanos pelos programas tendenciosos de rádio, faziam-no crer que o bando vermelho, embriagado com vodca Stoli, era algo parecido com os que tentam e se irritam em não poder morder as próprias costas. Bando de malucos! Pensava ele. Deveriam jogar beisebol. Podem cair do alambrado.


A década de 80 foi um marco para meu pai. Assistiu à vitória esmagadora dessa oposição legalista (era assim que chamava). Chegara a hora de mostrar para a sociedade brasileira que nem só de discursos inflamados vivia o homem. Era preciso sair dos esquemas táticos e desenvolver no campo as suas habilidades. A torcida estava ansiosa.


A euforia inicial esgotou-se nos primeiros desafios encontrados. O campo estava molhado, escorregadio e perigoso. A desorganização administrativa, a falta de recursos e o descompromisso com a coisa pública mostravam os grandes problemas a serem encarados. Tornavam-se maiores porque se evidenciou, com o passar dos dias, o próprio despreparo dos políticos que agora se localizavam no universo da gestão, na arte do executar, do fazer propriamente dito. Os novos jogadores não tinham experiência. Iniciavam errado o derbi. Perdiam-se em noite e baladas. Eram jogadores viciados. A equipe não estava unida. Não seria um bom resultado.


Salvo alguns parcos exemplos, quem antes estava do lado de fora, ao fazer ninho na casa pública, reproduziu atitudes muito próximas dos que a habitavam outrora. Questão de permuta que não alterou significativamente os resultados. Saia o Juquinha e entrava o Joãozinho. O placar continuava dez a zero. O povo brasileiro perdia o jogo.


Aos poucos, meu pai foi tendo dificuldades em defender seu time. Os escândalos, a demagogia a pouca seriedade de personagens desorientados eticamente foi dando a meu pai certeza de que as coisas no campeonato iam mal. Quantas rodadas faltam para acabar?


A década de 90 foi um momento bem particular. Cansado com as ditas “direitas” no poder, o povo, em certos sítios brasileiros, deu uma chance para os que tinham se alojado no grupo dos eternos vice-campeões, os chorões que sempre colocavam a culpa no juiz. Era preciso enxugar as lágrimas e mostrar que possuíam novas rotas, novas formas de fazer política. Era hora se se mostrar. Convencer a torcida de que o técnico estava errado!


A única coisa que um torcedor tem receio de usar em demasia é a razão. O certo é ter ficado triste, ao ver a dita esquerda cometer os mesmos equívocos de outrora, perdendo a bola facilmente. Era o país quem saía prejudicado. Era o povo que mergulhava mais uma vez na desilusão. No compasso desse drible melancólico, todos nós perdíamos com o placar.


Mas não!


Era fácil perceber que ele tirava um fardo de suas costas, toda vez que via a reprodução do que antes ocorria. Aperfeiçoou em repetir que políticos são todos iguais. Não aceitava mais salientarem os erros do seu time. Da defesa partiu para o ataque, sem saber que, nesse jogo de avaliação de quem é pior, ninguém podia fazer o gol.


Hoje, aposentado, guardado por Deus contando vil metais, gasta seu tempo com coisas mais importantes. Assiste a programa de como fazer deliciosos pratos, teima com os amigos que Zico foi melhor do que Neymar, ler dicas para uma boa saúde e, à noite, quando começa os jornais locais, na primeira notícia de política, desliga a televisão e respira. Levanta-se, vai até a cozinha e depois me responde sem eu ter perguntado nada: “Leônidas inventou o Gol de Bicicleta em 1932. O futebol está muito igual e repetitivo. Debaixo do sol não há nada novo. Até esse Barcelona aí imita a nossa seleção de 70, o Ajax de Johan Cruijff ou o meu flamengo de 80”.


Com um riso um tanto quanto jocoso, sabendo que somos dois os desiludidos, como torcedores de volta para casa com bandeiras enroladas, após uma grande goleada, separados apenas por épocas, times e por cores ideológicas diferentes, olho para ele e digo: “o imperador voltou”.


Por FRANCISCO RODRIGUESf-r-p@bol.com.br

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