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Em água barrenta, Narciso não se vê

Foto: Pedro Devani

A chuva é redentora. Ela revela como o Acre está e, em boa medida, quem o Acre é, de fato. Os números da Capital não são precisos. No vídeo que gravou para as redes sociais, o coordenador da Defesa Civil de Rio Branco, Cláudio Falcão, informou que a chuva de sexta-feira foi de 170 milímetros. No informativo oficial por WhatsApp, registrou 125,70 milímetros.


A Defesa Civil do Estado informa que na quinta e na sexta o acumulado foi de 160 milímetros, na Capital, e de 237 milímetros em Brasileia e Epitaciolândia. Choveu menos em Assis Brasil no mesmo período (94 milímetros).


Sem dúvida alguma, é preciso reconhecer que qualquer que seja o dado real, 170, 160 ou 125 milímetros, é muita água. Qualquer análise que se fizer, é preciso ter essa referência: é um volume acima do normal.


No entanto, o fato de ter sido uma chuva acima da média não descarta os alertas necessários sobre as falhas na execução de política pública por aqui antes de o inverno chegar. Seja no âmbito do maior Município, seja na esfera estadual.


Tanto a Defesa Civil do Estado quanto a Defesa Civil de Rio Branco usam uma base comum. Os dados integram o Sistema de Monitoramento e Alerta para Enchentes no Estado do Acre que tem o Ministério Público como parceiro.


Portanto, chuvas não são novidade nesta época do ano por aqui. Ninguém é surpreendido com elevação do nível dos rios. Todos estão muito bem informados, acompanham de perto as probabilidades. Se assim está a cena estrutural da gestão pública, por que não se toma as devidas providências antes?


Por exemplo: em Feijó, o hospital da cidade, com uma reforma que não se acaba nunca, gerou cenas lamentáveis, com ambientes internos completamente vulneráveis à chuva.


Em Rio Branco, dezenas de pontos de alagamento revelaram como anda baixo o nível da gestão. Alguns desses pontos já são clássicos. Mesmo onde os gargalos são permanentes, a prefeitura não consegue solucionar. Para quem está no Governo ou nas prefeituras, agarrar-se ao fato de ter sido um volume de chuvas acima do normal é o argumento mais fácil e apressado. Tentativa de “dar um caldo” na própria inoperância.


Outra linha de raciocínio tenta blindar as críticas: a despolitização. “É preciso despolitizar o tema”, pedem os gestores. Uma estratégia quase desonesta porque tergiversa sobre o que deveria ter sido feito e não foi ao longo do ano.


Não se trata de defender que as alagações façam parte dos estatutos partidários. Não é isso. Mas se furtar a se explicar sobre o que não foi feito de estruturante vendendo uma postura de falsa isenção não é honesto.


Por fim, é preciso chamar atenção de uma personagem que tem passado despercebida no processo: o Movimento Popular. Aonde foram parar os líderes comunitários? As assembleias nos bairros, discutindo as prioridades? A Câmara de Vereadores de Rio Branco se acovardou. Ensaiou discussões com as comunidades em sessões itinerantes, mas não sustentou a boa iniciativa.


O Movimento Popular que se deixou capitanear por interesses políticos tem como resultado as cenas que se renovam a cada inverno. Em cada casa atingida pelas águas de igarapés e rio, há um prefeito que se negou a discutir com a comunidade o que deveria ser prioritário; existe um presidente de associação de bairro que não está servindo de mediador daquilo que, de fato, é necessário ao bem coletivo; em síntese, não há participação popular na construção de uma cidade mais inclusiva. Se o editorialista escrever a expressão “Umarb”, muitos leitores terão dificuldades de entender o que significou um dia a União das Associações de Moradores de Rio Branco. Pelas imagens, vê-se que o Movimento Popular saiu da agenda pública.


Essa é uma maneira de fortalecer a ideia de que as cenas de bairros e casas alagados não são consequências apenas da vaidade e ingerência sobre gastos públicos do prefeito, exclusivamente. É uma falha coletiva. Bocalom, talvez, simbolize uma postura extremada deste erro.


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