Entendo que a possível sanção a ser imposta pelo governo dos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes não deve ser vista como um ato isolado, tampouco como mera ingerência externa. Na minha opinião, trata-se de uma consequência direta da subversão do princípio da separação dos poderes, formulado por Montesquieu e incorporado à Constituição Federal de 1988. Esta, como sabemos, estabelece a existência de três poderes independentes e harmônicos entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário.
O que vemos hoje, no entanto, é uma grave distorção desse modelo. Com a desfiguração do sistema de freios e contrapesos, criou-se um ambiente institucional no qual o Legislativo se tornou um poder esvaziado — um “poder anão” diante da hipertrofia do Judiciário. Tal desbalanceamento compromete o próprio funcionamento da democracia, tornando-a refém da vontade de poucos.
Essa realidade é agravada pela omissão do Senado Federal, casa responsável por fiscalizar o Judiciário e por avaliar a conduta de seus membros. Grande parte de seus senadores, no entanto, encontra-se envolvida em processos que tramitam no próprio Supremo Tribunal Federal (STF), o que compromete sua independência e o transforma, na prática, em um órgão inerte.
Sem controle externo, o Judiciário brasileiro passou a extrapolar suas funções constitucionais, assumindo papéis que seriam próprios do Legislativo e do Executivo. É fato que, quando um magistrado decide legislar ou governar, rompe-se o pacto democrático. Surge então o que muitos juristas passaram a chamar de “ditadura da toga”: um regime em que a vontade individual de ministros se sobrepõe à legalidade, e a interpretação da Constituição se afasta dos princípios que fundaram o Estado de Direito.
Princípios fundamentais como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, o juiz natural, o duplo grau de jurisdição e a imparcialidade do julgador — que constituem a espinha dorsal do sistema jurídico — são frequentemente ignorados. O resultado disso é a corrosão silenciosa da Justiça e o enfraquecimento da segurança jurídica.
Nesse contexto, o próprio presidente Lula cunhou o termo “democracia relativa” — uma ideia perigosa que, na prática, justifica um sistema em que o Judiciário subjuga o Parlamento e exerce protagonismo político. Essa inversão institucional encontra respaldo em declarações públicas de ministros do STF, que violam abertamente os princípios de neutralidade e discrição (aprendi no curso de Direito que um juiz só se pronuncia nos autos), esperados de um poder técnico.
Não são raras as manifestações que evidenciam a partidarização da Suprema Corte. Em evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), o ministro Luís Roberto Barroso afirmou: “Nós derrotamos o bolsonarismo.” Já o ministro Gilmar Mendes declarou: “Se hoje temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo.” Essas falas violam frontalmente o artigo 95 da Constituição Federal, que veda expressamente manifestações político-partidárias por parte de magistrados.
Quando os próprios guardiões da Constituição relativizam suas obrigações, perde-se qualquer noção de imparcialidade e isonomia — pilares essenciais da Justiça. O Judiciário deixa de ser um árbitro e passa a ser um ator político, comprometendo a credibilidade do sistema democrático como um todo.
É nesse cenário de abusos que se insere a possibilidade de sanções internacionais. Quando um magistrado tenta impor decisões a cidadãos e empresas estrangeiras, mesmo fora da jurisdição brasileira, ultrapassa todos os limites do razoável. Tal conduta não apenas compromete a imagem do país no exterior, como também expõe a fragilidade de nossas instituições.
Cabe aqui um questionamento sério e incômodo: o eleitor tem responsabilidade direta nesse processo? Minha resposta é sim. Ao eleger senadores que respondem a processos criminais — especialmente por corrupção — contribui, ainda que indiretamente, para a perpetuação dessa dinâmica perversa. Ao enfraquecer o controle sobre o Judiciário, abre-se espaço para que o poder se concentre nas mãos de poucos, levando à necessidade de intervenção ou reação externa.
Portanto, se hoje assistimos à ascensão de uma elite togada que governa sem ter sido eleita, é porque permitimos que o sistema se tornasse disfuncional. A democracia exige vigilância, participação e responsabilidade. Ignorar esses deveres é abrir mão da liberdade em troca de uma falsa estabilidade, que, cedo ou tarde, nos será cobrada — seja nas urnas, seja pelas mãos de atores internacionais.
‘Wherles Rocha – Policial Militar, Jornalista e Bacharel em Direito