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Sobre rios e igarapés: quando o Acre fará as perguntas necessárias?

Foto: Jardy Lopes

É preciso partir de premissas verdadeiras. Caso contrário, a síntese se construirá falsa. Importante ressaltar essa referência para tratar do regime de cheias dos rios amazônicos, as mudanças climáticas e a relação com o irracional crescimento da mancha urbana. É bem verdade que o problema é de ordem global. E no Acre, a situação não é diferente.


Os dramas criados pela ação humana nos municípios de Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri, Rio Branco, Jordão, Marechal Thaumaturgo entristecem pelas imagens geradas, mas poucos são os que se preocupam em avaliar o problema erguendo em torno de si uma parede de espelhos na busca do responsável pelo cenário.


Há quem olhe as imagens aéreas das cidades com regiões vulneráveis aos trajetos dos rios em período de cheia e tenha a tendência a querer responsabilizar o rio; a criminalizar o rio; a evocar “Deus” ou lembrar do livro de Apocalipse para tentar explicar a cena. A própria imprensa ajuda a responsabilizar o rio pela tragédia, por exemplo, quando afirma sem parar: “… tantas mil pessoas já foram atingidas pela cheia do Rio Acre”. Ou ainda, em tom nervoso dos repórteres de televisão: “… a água invadiu a casa e não deu tempo de salvar quase nada”. Quem é “atingido” dificilmente figura como algoz. Quem tem a “casa invadida” sempre será a vítima da narração.


Isso ajuda a consolidar a ideia de que o correto é quem usa combustível fóssil para movimentar usinas, indústrias e veículos; o correto é quem destrói mata ciliar (para plantar, criar animais ou para construir); o correto é quem despeja esgoto sem tratamento em mananciais; o correto é quem não exita em jogar geladeira, fogões, garrafas e sacolas plásticas em rios e igarapés: a pessoa está quieta no canto dela e eis que vem a água assassina, invasora, criminosa. Isso muito longe está de ser retórica de militante empolgado, recém chegado a uma ONG da moda.


Essa falta de zelo com os rios e igarapés é a crônica rotineira das cidades da floresta na Amazônia brasileira. No Acre, inclusive. A falta de cuidado com a preservação da vida é uma marca humana. Sobretudo, humana.


São necessárias decisões graves e urgentes. Tome-se como exemplo a cidade de Brasileia. Essa comunidade precisa imediatamente discutir o que deve ser feito para estancar a sangria de dinheiro público; dinheiro privado, gerando ansiedades e depressões de toda ordem. Ano após ano, as pessoas e governos contabilizam prejuízos. Mal terminam de pagar os boletos da enchente anterior, eis que novas águas rolam e com elas novas frustrações e tristezas seguem correnteza abaixo.


Em Brasileia, o centro administrativo, órgãos públicos, aparelhos de Estado, como escolas, delegacias, hospitais precisam mudar de lugar. Simplesmente, isso. É preciso que seja instalado um novo centro administrativo em um lugar que respeite o curso e os melindres do rio em determinadas épocas do ano. As empresas também precisam acompanhar essa necessidade de mudança. Esse tipo de decisão exige um pacto coletivo. É um processo impopular e traumático. Mas que já pode apresentar resultados até mesmo no médio prazo.


Rio Branco não é diferente. Com a ressalva de que, na Capital, a maior parte dos problemas relacionados à cheia do Rio Acre e dos igarapés guarda relação com questões de moradia em área vulnerável ao curso do Rio ou à falta de planejamento urbano.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, a mais refinada reunião de cientistas de todo mundo que pensam sobre os efeitos do aquecimento global, já contabilizou: dos 28 milhões de habitantes da região amazônica (12% da população brasileira), 11,8 milhões vivem em extrema pobreza. São 8 milhões de desempregados, incluindo jovens. Isso, por si, já é uma ameaça a tudo, inclusive ao meio em que se vive. É a reação para superar o problema da pobreza extrema que não pode ser feita de forma insustentável. Outro dado que pode esboçar uma explicação do que ocorre no Acre: dos 28 milhões de habitantes da região amazônica, 19 milhões vivem nas cidades da floresta. Na Amazônia, “as cidades são florestas urbanizadas”, diz o painel do IPCC.
Não é preciso muita imaginação para perceber que no lugar que acolhe a maior bacia hidrográfica do mundo com 6,1 milhões de quilômetros quadrados não há uma solução padrão. Não há uma fórmula “coringa”. Uma floresta heterogênea, multiétnica, multicultural exige ações também diversas, seja por parte dos agentes públicos ou privados.


A questão das cheias dos rios e os impactos influenciados pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas que ocorrem em Brasileia, por exemplo, podem exigir reação diferente em Marechal Thaumaturgo. Solução esta, por sua vez, que deve ser totalmente diferente do que tem que ser feito em Rio Branco. Em cada lugar, uma medida.
Quem está disposto a discutir isto? Quem está disposto a planejar isso? Quem tem ousadia de fazer as perguntas incômodas e necessárias para ensaiar ouvir respostas verdadeiras e sem medo?


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