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Morte de Chico Mendes completa 35 anos sem que o discurso da “floresta em pé” tenha se consolidado no Brasil

FOTO: REPRODUÇÃO/INTERNET
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Nesta sexta-feira, 22 de dezembro de 2023, completam-se três décadas e meia do crime de maior repercussão no mundo, quando se refere às lutas de cunho agrário e de defesa do meio ambiente. Há exatos 35 anos, no anoitecer de uma quinta-feira que ficou marcada na história, o líder sindical Chico Mendes foi totalmente baleado logo após deixar os policiais que lhe faziam segurança, com quem jogava dominó, para ir ao banheiro que ficava do lado externo da casa que hoje é o principal ponto turístico da cidade.


Antes de receber o disparo fatal, Mendes comentou com a esposa, Ilzamar, sobre a necessidade de instalar uma lâmpada no quintal. Era tarde para isso. À espreita, na escuridão, um homem que a justiça apontou como sendo Darci Alves, filho do fazendeiro Darly Alves alvejou o peito do líder seringueiro com uma escopeta. Pai e filho foram acusados, denunciados e condenados como autor e mandante do assassinato cujo barulho do tiro ainda hoje ecoa no mundo, especialmente na semana entre 15 e 22 de dezembro, todos os anos.

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15 de dezembro, que marca a abertura da Semana Chico Mendes, é a data de nascimento de Chico, no ano de 1944. Ele nasceu no seringal Porto Rico em Xapuri, filho do migrante cearense Francisco Alves Mendes e de Maria Rita Mendes. Ainda criança começou no ofício de seringueiro acompanhando o pai. Aprendeu a ler aos 19 anos, já que nos seringais, salvo raríssimas exceções, não havia escolas, uma dura realidade daqueles tempos.


O próprio Chico Mendes costumava contar que foi o militante comunista Euclides Távora, participante no levante comunista de 1935 em Fortaleza e na Revolução de 1952 na Bolívia, que o ensinou a ler e a escrever, mas também a trilhar o caminho que o levaria a se interessar pelos destinos do planeta e da humanidade. Após retornar ao Brasil, Távora fixou residência em Xapuri, onde se tornou o alfabetizador do futuro ativista ambiental. Com Távora, Chico também pegou o costume de ouvir rádios internacionais, em ondas curtas, com programação em português.


A morte do ambientalista causou grande repercussão no mundo, mobilizando entidades e personalidades no exterior voltadas para os temas que Chico defendia. Ele acabara de fazer uma maratona por vários países, participando de fóruns internacionais para denunciar que o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) financiavam o desmatamento na Amazônia diante de um cenário aterrador de ameaças concretas contra os seringueiros que já viviam uma situação extremamente difícil, sendo pressionados a abandonar os seringais.


O grande legado da luta de Chico Mendes foi a criação da Reserva Extrativista que leva o seu nome e se espalha pelos territórios de sete municípios acreanos. A unidade de conservação representou a concretização, pelo menos em tese, do modelo de reforma agrária pensado pelo ativista para a Amazônia. A área foi consolidada sob o discurso da manutenção da maior importância da floresta em pé, para ser explorada de maneira sustentável pelos seus beneficiários, segundo as normas que foram estabelecidas para isso.


No entanto, 35 anos passados da morte do cofundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, é visível que o discurso da floresta em pé não se consolidou no país, que continua a ter no desmatamento uma de suas maiores discussões e preocupações do ponto de vista ambiental. Os próprios moradores da Resex começaram a secundarizar o extrativismo para aderir à criação de gado na unidade de conservação, alguns passando a lotear ilegalmente suas colocações, abrindo espaço para o avanço do desmatamento.


Em razão da situação é que o tema da Semana Chico Mendes deste ano é: “O empate de retomada”, que segundo a jornalista Camila Araújo, formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), e estudante de História na Universidade de Brasília (UnB), que está fazendo uma cobertura colaborativa do evento neste ano, significa retomar os princípios para os quais as reservas foram criadas.


O “empate” é o método de luta pacífica criado por seringueiros acreanos entre 1970 e 1990 para impedir que latifundiários desmatassem áreas de floresta. A estratégia consistia em montar uma barreira humana com pessoas que viviam nos seringais nas áreas de maior avanço do desmatamento, que frequentemente se expandiam até as colocações.


Em publicação do Estadão nesta quinta-feira, 21, o colunista Leonencio Nossa diz que da morte de Chico Mendes para cá, o Brasil testemunhou o surgimento de uma série de lideranças que se apresentavam como herdeiros da luta da preservação ambiental e que muitas se constituíram em projetos políticos de frágil vinculação com o tema.


Ele cita os irmãos Jorge e Tião Viana, que divulgaram seus mandatos como governos da “floresta”, mas que em 20 anos em que estiveram no poder, incluindo quatro anos do apadrinhado Binho Marques, a boiada avançou pela mata. “Só no governo de Jorge, de 1999 a 2007, o rebanho passou de um milhão de cabeças para 1,8 milhão”, diz.


Nossa também destaca que entre 2008 e 2018, período também dominado pelos Viana, o estado perdeu 13,8 milhão de floresta, segundo monitoramento do MapBiomas. Até 1985, o Acre mantinha 97% de sua cobertura nativa. No ano passado, o percentual havia reduzido para 86% — um dado que pode ser considerado alto, mas é veloz o avanço do fogo. Em Xapuri, o índice de desmatamento ultrapassa 22% das terras.


Marina Silva também é lembrada pelo colunista. Segundo ele, a Rede Sustentabilidade, criada por Marina há dez anos, não se transformou numa legenda influente. Por sua vez, o PV tem seis deputados federais. Há tempo, o verde só está no nome. Na votação do marco temporal, nem todos os parlamentares da legenda se posicionaram pela causa indígena. O pecuarista Luciano Amaral (AL), por exemplo, votou pela derrubada do veto.


Leonencio também cita a falta de liga com a questão ambiental marca a atuação de lideranças e partidos da direita. Segundo ele, o PL, de Bolsonaro e Valdemar Costa Neto, o União, o PP e o Novo e parlamentares de grupos como o MBL se superam numa visão ultrapassada de país.


“O último estrago provocado pelo grupo foi a aprovação, na noite de terça-feira passada, por 311 votos contra 103, de um projeto de lei que afrouxou as regras de licenciamento ambiental na pavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, área de uma frente dramática de destruição da floresta. O relator do projeto foi Alberto Neto, do PL, do Amazonas”, afirma.

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Chico Mendes sempre defendeu – e lutou por isso a ponto de dar a vida pela causa – que o Brasil não precisa desmatar para garantir o seu desenvolvimento, como defende uma forte corrente na política do país. Para Chico, a mata em pé também representava desenvolvimento, com a manutenção dos povos tradicionais em suas áreas.


O parlamento brasileiro, no entanto, vai de encontro a esse pensamento e lidera uma ofensiva para derrubar uma legislação construída ao longo das últimas três décadas, como ocorre com a tentativa de desafetar parte do território da Resex Chico Mendes e alterar a categoria do Parque Nacional da Serra do Divisor.


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