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Chico Mendes foi esquecido ou realmente nunca foi lembrado?

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Lembro bem. Dezembro de 1988. Eu tinha 13 anos. Os tiros foram ouvidos em toda pequena Xapuri. “Mataram o Chico Mendes”, começaram a falar.


Naqueles tempos não era nenhuma novidade a morte de alguém na “briga” por terras em Xapuri. Claro que o assassinato de Chico Mendes chocou. Mas a verdade é que o impacto de seu assassinato só aconteceu no outro dia. O povo xapuriense se assustou com o mundo dentro da pequena cidade. Era como se perguntassem: “quem era esse cara que ninguém daqui ligava para o que ele dizia e agora tem repórteres de televisão do mundo inteiro, gente de tudo que é lugar do planeta cobrando uma explicação para sua morte?”. Creio que foi a primeira vez que Xapuri se deu conta que Chico Mendes não era qualquer um.

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Passados 32 anos de sua morte, a triste impressão que tenho é que também foi a primeira e última. Digo desde já que não tenho a mínima pretensão de responder tal questionamento. O que busco é propor uma reflexão sobre a seguinte pergunta: Por que Xapuri e o Acre nunca se apropriaram verdadeiramente da história de Chico Mendes? Quando falo, me refiro ao povo, à população, ao cidadão comum.


Começamos por tentar, de forma bastante superficial, mostrar quem foi Chico Mendes. É impossível negar que o homem que foi um verdadeiro ambientalista mesmo antes de conhecer essa expressão ou da palavra virar moda era, no mínimo, diferenciado. O cidadão que não conhecia outra vida, a não ser a dura labuta, quase escrava, dos seringais, que aprendeu a ler aos 19 anos, levou ao mundo a luta pela preservação do modo de vida do povo seringueiro.


Do que podemos chamar de “oco do mundo”, Chico ganhou a admiração do mundo. Entre 1987 e 1988 Chico Mendes recebeu o Global 500, prêmio da ONU, na Inglaterra, e a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society, nos Estados Unidos e deu entrevistas aos principais jornais do mundo. Jornalistas e pesquisadores o visitaram nos seringais e difundiram suas ideias pelo planeta. Passados 32 anos de sua morte, continua sendo uma referência na defesa dos direitos dos povos da floresta em todo o mundo.


E nós, porque nós acreanos não conseguimos sentir orgulho pela história desse homem tão admirado? Se não tenho respostas, como disse no início do texto, aponto algumas prováveis e discutíveis razões.


Ouso dizer que Chico Mendes foi pioneiro em outra coisa. Acredito que o líder sindical e ambientalista tenha sido a primeira vítima de fake news, antes de existir a internet para nós. Sejamos francos, quantas vezes você já ouviu a seguinte frase: “Chico Mendes era um preguiçoso, que não gostava de trabalhar”. Ora bolas, quem diz isso, o faz por dois motivos. Ou apenas reproduz algo que se espalhou e se tornou uma “verdade” mentirosa ou não conhece a realidade de um seringal à época da luta de Chico. Estamos falando das décadas de 1970 e 1980. Chico Mendes cortou seringa, mas é óbvio que precisou largar o ofício quando decidiu lutar pela permanência dos seringueiros em suas terras. Estamos falando de mobilizar pessoas, que mesmo morando em um mesmo seringal estão há horas de viagem de uma colocação para outra. Falamos de um tempo onde para chegar na maioria das localidades o trajeto tinha que ser na pernada ou no lombo de animais. Falamos de um tempo que o rádio era o único modo de se comunicar com alguém embrenhado no meio da floresta. Sabe o encontro marcado pelo seu whatsapp, pode parecer incrível, mas não existia.


Muito se fala da falta de uma liderança que o substituísse após sua morte. Não teve por um motivo simples. Chico Mendes era diferenciado exatamente pelo seu poder de mobilização. Era capaz de convencer de que era preciso se colocar na linha dos jagunços para impedir a destruição da floresta. Os famosos “empates” tinham crianças e mulheres na frente exatamente para mostrar que era uma questão de sobrevivência. Mas também era capaz de se reunir com banqueiros dos bancos internacionais e convencê-los de que seus financiamentos estavam colaborando com a destruição da floresta.


O pouco cuidado com a memória de Chico Mendes é o reflexo do quanto o homem admirado em todo mundo é distante de seus conterrâneos. Não me cabe neste momento, ponderar sobre o que levou familiares a vender a Fundação Chico Mendes. Mas, uma coisa é certa, o local nunca foi atrativo para os moradores de Xapuri. Quando abertos, tanto a fundação, quanto a casa em que foi morto, hoje também abandonada, as visitas eram de turistas que passaram por Xapuri.


Os 32 anos de sua morte em 2020 parecem ser um símbolo de que para a maioria dos acreanos a história de Chico Mendes está relegada a um papel secundário. Programação praticamente inexistente por parte do governo do estado e prefeitura de Xapuri, que deveriam zelar pela história que fez o Acre ser conhecido em todo o mundo. Não culpem a pandemia.


Aliás, nem carece procurar culpados. Acompanho a programação do dia 22 de dezembro desde sempre, e a triste verdade é que a data nunca tocou o coração do acreano como deveria.


Por que? Não tenho as respostas, mas creio ser importante para a história acreana falar sobre isso.


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