A PGR (Procuradoria-Geral da República) trava há praticamente três meses o acesso da Polícia Federal a dados da CPI da Covid nos autos de uma investigação que tem o presidente Jair Bolsonaro (PL) como um dos alvos.
Os responsáveis pela apuração já pediram o compartilhamento do material por duas vezes. A solicitação foi feita em 19 de agosto, reiterada em 4 de outubro. O caso tramita na PGR sob a responsabilidade da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo.
À Folha, a Procuradoria afirmou que, por se tratar de diligência no curso de uma investigação, não seria possível fornecer informações a respeito.
Disse ainda que há manifestação pelo arquivamento dos autos, enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) no início do mês. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso.
Em novembro do ano passado, de posse do relatório final da CPI da Covid, o procurador-geral da República, Augusto Aras, encaminhou dez procedimentos ao Supremo para aprofundar as conclusões da comissão relacionadas a autoridades com prerrogativa de foro.
Entre as propostas de indiciamento incluídas no documento, os senadores atribuíram a Bolsonaro o delito de incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal).
O relatório sugeriu que o presidente teria cometido a prática criminosa ao estimular a população “a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar”.
Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), Bolsonaro incentivou que pessoas desobedecessem regras editadas pelo poder público para inibir a propagação de doença contagiosa.
A comissão sugeriu enquadrar outros políticos sob a mesma acusação, incluindo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli Salgado (PL-SP).
De acordo com as conclusões da CPI, “de forma mal-intencionada e visando interesses próprios e escusos”, o grupo provocou “grande confusão na população, levando as pessoas a adotarem comportamentos inadequados para o combate à pandemia de Covid-19”.
Em maio, para levar adiante as diligências, a PF pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acesso ao acervo digital probatório da CPI para análise pelos peritos. Dois meses depois, os investigadores reforçaram o pedido via ministro Roberto Barroso.
Informada pelo Senado de que o material está de posse da PGR, a polícia pediu ao órgão o acesso à documentação em meados de agosto, por intermédio de ofício endereçado à vice-procuradora-geral da República. E reiterou a solicitação no dia 4 de outubro.
Barroso foi alertado pelos investigadores de que não ocorreu ainda “o necessário acesso aos 10 terabytes de dados produzidos pela CPI do Senado de forma a ser possível se realizar o correlacionamento dos documentos juntados com cada fato típico supostamente praticado pelos envolvidos”.
No último dia 7, no entanto, a PF foi surpreendida com um pedido de arquivamento da apuração enviado ao Supremo pela representante da PGR.
A representante da PGR argumentou que a norma que impõe o uso de máscara protetiva “somente prevê sanção de multa como mecanismo de coerção ao cumprimento da obrigação, não ressalvando a aplicação cumulativa da sanção penal”.
Lindôra afirmou que, diante de uma “sociedade polarizada e com o exercício caótico da liberdade de expressão”, potencializado pelas redes sociais, a penalidade administrativa é suficiente contra aqueles que desobedecem a norma que impõe o uso de máscara.
Sobre a acusação da CPI de que Bolsonaro incentivou populares a entrarem em hospitais e realizarem filmagens a fim de demonstrar se seus leitos estavam ocupados ou não, a vice-PGR afirmou que não se configura crime “o incentivo à participação e fiscalização popular acerca do devido uso das significativas verbas públicas federais”.
Na visão dela, Bolsonaro demonstrou preocupação com os gastos relacionados ao combate à pandemia e ressaltou a importância do controle social dos atos das autoridades diretamente envolvidas com as respectivas ações.
“Não se observa, na fala do presidente da República, qualquer incentivo à ‘invasão’ de hospitais ou à prática de condutas que colocassem pessoas em perigo de vida”, mas, prosseguiu, um estímulo “para a população verificar ‘se os gastos são compatíveis ou não’, ou seja, cuida-se de incentivo a uma fiscalização pública de recursos”.
Em junho de 2020, o presidente pediu aos seus seguidores nas redes sociais que filmem o interior de hospitais públicos e de campanha para averiguar se os leitos de emergência estão livres ou ocupados.
Em live nas redes sociais, o presidente defendeu que, caso as imagens demonstrem alguma anormalidade, elas sejam enviadas ao governo federal, que o repassará para a Polícia Federal ou para a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para que sejam investigadas.
“[Se] Tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda”, disse o presidente.
Ainda não há decisão do relator quanto ao pedido de arquivamento apresentado pela PGR.
Em julho, às vésperas do início da campanha eleitoral, Lindôra já havia pedido o arquivamento de 7 das 10 apurações preliminares abertas após a conclusão da CPI da Covid.
Em cinco dessas apurações, Bolsonaro foi acusado pela comissão de crimes de charlatanismo, prevaricação, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, epidemia com resultado de morte e infração de medida sanitária preventiva.