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O que Rondônia “não tem”?

Valterlucio Bessa Campelo


Lendo o artigo recente do meu amigo Luiz Calixto, lembrei-me que há alguns anos, indagado pelo Deputado Flaviano Melo sobre a viabilidade econômica do Acre, respondi que, considerando as peculiaridades do nosso território em termos de localização, infraestrutura, formação econômica, capital humano, estágio tecnológico, disponibilidade de capital, aparelho institucional, pressão ecológica, legislação ambiental etc., apostaria num processo de clusterização que identificasse com rigor as fontes de vantagens comparativas e vantagens competitivas, fazendo incidir sobre elas um programa de apoio ostensivo, focado e resolutivo.


Por estes dias, em um diálogo com um colega sobre a funesta tentativa de transformação do Acre em um modelo de desenvolvimento sustentável de base ecológica, centrado em produtos determinados por uma “vocação florestal”, fui provocado com a mesma pergunta e respondi da mesma forma. Dada a exiguidade deste espaço, tentarei explicar sucintamente.


Desde que David Ricardo lançou a teoria das vantagens comparativas em 1817 em “The Principles of Political Economy and Taxation”, superando a teoria das vantagens absolutas de Adam Smith na análise do comércio internacional, o termo está presente nos planos de desenvolvimento, mesmo quando aplicados regionalmente. Sua lógica é simples. Uma dada região se beneficia no mercado quando seu custo interno para produção de um determinado bem é mais reduzido se comparado a outros produtores, o que implica maior produtividade relativa. Então, em termos de custo e produtividade, aquela região se especializa na produção de bens cuja eficiência seja relativamente maior que outras.


Mais recentemente, em 1985, Michael Porter lançou em “The Competitive Advantage of Nations” o conceito de vantagem competitiva, que amplia a abordagem além dos fatores e insumos para alcançar aspectos como conhecimento, inovação, relacionamento, motivação. Para ele, a vantagem competitiva advém do valor que a empresa cria para seus clientes em oposição ao custo que tem para criá-la.


Resumindo, pode-se dizer, grosso modo, que as vantagens comparativas tem a ver com a eficiência, enquanto as vantagens competitivas tem a ver com a eficácia do processo produtivo.


Pois bem. No caso do Acre precisamos identificar os produtos e condições que dispomos que apresentem vantagens comparativas e competitivas. Dadas as condições gerais e específicas em que estou inserido, o que posso produzir com mais vantagem que meu vizinho concorrente? Lembrando o Luiz Calixto, é como perguntar o que Rondônia “não tem”, esclarecendo que não se trata de interpretação literal, pois, a rigor, Rondônia tem com sobras tudo que o Acre tem. Corretamente identificada a resposta – os produtos vantajosos, é viável a especialização, o aumento de produtividade e a geração de um ciclo virtuoso na economia local.


No Acre, justiça seja feita, houve tentativas nesta perspectiva. De álcool “verde” a peixes, de tacos a bambu, de preservativos a suínos, vários projetos foram criados e impulsionados, às vezes artificialmente. Infelizmente, a julgar pelos resultados alcançados, pouco progresso se pode contabilizar, o que autoriza especular sobre as causas do baixo dinamismo gerado nessas tentativas. Teriam sido implantados sem os necessários estudos prévios? Se sim, que interesses motivaram tal decisão? Se não, que fatores escaparam ou interviram na gestão a ponto de determinar a ineficiência e inviabilidade dos projetos?


Voltemos à clusterização. Um cluster é basicamente um aglomerado de empreendimentos e instituições voltadas para uma mesma atividade econômica ou envolvendo atividades complementares. Este conceito, difundido nos EUA e Europa, foi no Brasil alterado para Arranjo Produtivo Local – APL, visando absorver um conteúdo relacionado ao desenvolvimento local e a formação de capital social.


Tratando-se de uma região de baixo desenvolvimento econômico, não basta que o processo produtivo seja economicamente eficiente, é preciso que gerem impactos não financeiros, o que nos leva a considerar a dimensão APL mais apropriada, cuidando para que não se confunda com mero conjunto de atividades afins. A coexistência de várias empresas de um setor não faz um APL se não houver entre elas algum grau ou perspectiva de interdependência, cooperação, competição, difusão do conhecimento, inovação, confiança, diferenciação de porte (médias, pequenas), concentração espacial, governança. São muito conhecidos os APL’s dos calçados em Franca/SP, do vinho em Bento Gonçalves, de confecções em Jaraguá/GO, do gesso no sertão do Araripe/CE etc. Em Rondônia, destaca-se o de leite em Ji-Paraná, que produz cerca de 900 milhões de litros anualmente, incorpora 32 mil propriedades, mais de 3 milhões de animais e gera no setor agroindustrial mais de 4 mil empregos.


Entre dezenas de experiências no Brasil, tomo como exemplo de alto impacto na economia local, o APL da fruticultura irrigada no Vale do submédio São Francisco, que engloba oito municípios, sendo principais Petrolina/PE e Juazeiro/BA, e atinge uma população superior a 700 mil habitantes. Ali, com basicamente dois produtos (uva e manga) iniciou-se um processo extraordinário de desenvolvimento regional, gerando oportunidades e modernizando o agro no semi-árido nordestino, de tal modo que em 2017 foram responsáveis por exportações da ordem de 300 milhões de dólares. Compare-se com as exportações acreanas que no total foram de 33 milhões de dólares, basicamente castanha e madeira.


Destaco a fruticultura, especificamente a fruticultura tropical, porque a considero uma das possibilidades a serem avaliadas neste momento. Sobre quais produtos o Acre poderia usufruir de vantagens comparativas e competitivas neste cenário de pressão ecológica? Quais produtos poderiam incorporar pequenas áreas, contemplando o maior número possível de produtores? Que produtos seriam capazes de gerar maior quantidade de empregos? Que produtos poderiam ostentar no mercado o selo sustentável, atendendo assim requisitos mercadológicos cada vez mais incisivos em termos ecológicos? Que produtos, em tese seriam mais adaptados às condições edafoclimáticas da Amazônia?


Enfim, não são poucos os indicativos no sentido da viabilidade da constituição verdadeira de um APL de fruticultura tropical como resposta. Some-se a isto o fato de que já está em curso, implementado pela SEPA/EMATER-AC no âmbito do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre – PDSA, o fomento dos cultivos de Graviola, Maracujá, Açai, Açerola, no qual estão inseridos aproximadamente 1.700 pequenos produtores em cerca de 3.500 hectares já plantados. Vale dizer, está em formação um APL estruturado a partir de aptidão agrícola consolidada, sistema de produção conhecido, tecnologia acessível, uso intensivo de mão-de-obra, baixo impacto ambiental e diferencial de mercado, o que, no conjunto e, sob correta gestão, poderá no médio prazo se somar a outras iniciativas na resposta à questão anteriormente colocada – o que Rondônia “não tem”.



Valterlucio Bessa Campelo é Engenheiro Agrônomo, Mestre em Economia Rural.