Um dia eu conheci um cidadão que tinha cara de mau. Ele barbudo, meio hippie, usava calça balão, bolsa tiracolo e andava de sandália de dedo. Era sábio e tinha um sentimento de igualdade. Ele era temente a Deus e discretamente lutava por justiça social.
Ele era branco, mas não era alemão. Ele frequentava a igreja, mas não era padre. Ele escrevia bem, mas não era um bom orador. Ele falava de política, mas não ocupava nenhum cargo público.
Era um cidadão comum que aqui chegou e adotou o Acre como a sua terra Natal. Indiscutivelmente foi um dos caras mais incríveis que eu conheci. E, eu menino ainda, tive a sorte de dividir bons momentos da sua vida.
E quem o conhece na intimidade sabe que pouca coisa do que ele sonhava mudou. Claro que as circunstâncias são outras, mas dentro daquele homem existe uma vontade incrível de gritar e de promover a justiça social e a igualdade que ele tanto sonha.
Como todo bom homem jamais se preocupou com a vida alheia. Viveu e ainda vive olhando para o futuro. Construiu sonhos e nunca abriu um milímetro de defender as suas ideias e conceitos, embora, os negócios tenham atrapalhado bastante.
Nas noites frias e escuras do nosso Acre, durante o período invernoso costumávamos ouvir Renato Teixeira. A sua música preferida era “Amora”. Fazia ele lembrar de alguma coisa que o deixava feliz. De tanto ouvir eu acabei gostando também daquela melodia.
Após ler os jornais que eu sempre ia comprar na banca do Aristo, ele sempre me chamava para contar algo de sua vida. Do tempo que viveu em São Paulo e ainda jovem era mensageiro de grupos de resistência a Ditadura Militar. Contava-me que usava um guarda-chuva como senha. E assim levava os procurados para os esconderijos que quase sempre eram nas igrejas católicas.
Apesar de visivelmente apaixonado jamais me falou de amor. Procurava falar de cultura, de vida e da importância do conhecimento. Ele nunca me deu um mal exemplo. E nunca o vi gritar com ninguém.
Certo dia resolveu me ensinar os primeiros passos da escrita. Fez questão de me mostrar sua competência quando sentava na velha máquina Olivetti. Os dedos deslizavam por aquele teclado cheios de buracos e dali saiam histórias maravilhosas que encantavam os leitores do jornal que ele ousou montar e chamar de seu.
De tanto insistir na verdade foi chamado de comunista e sua cabeça foi colocada a prêmio por desafiar o poder e os mafiosos. Mas nunca arredou o pé da velha mesa de madeira que suportava toda a sua carga diária de trabalho.
Simplicidade nunca lhe faltou e, o medo dos holofotes, lhe apavorava. Preferia o escurinho da última mesa do bar quando resolvia sair para tomar uma cerveja.
Era e, ainda é, temido pela forma elegante de escrever. Consegue desenvolver seu ofício com a mais absoluta tranquilidade, mesmo que em sua direção estejam direcionado todos os canhões.
Ainda hoje me pergunto porque fui escolhido para fazer parte de vida dele por um período e porque nos separamos depois de anos de convivência salutar.
Sim, depois de 12 anos juntos, cada um foi para o seu lado. Ele ficou e continua no trono e eu fui carregar meus sonhos sozinhos. Mas nunca fui esquecido por ele.
Nos separamos de presença física e jamais em espírito.
Não concordo com o Rei Roberto Carlos quando diz que o cara é ele. Se engana o Rei. O Cara é Silvio Martinello, este cidadão a quem devo a minha formação de caráter e profissional.
Meu amigo não quero lhe desejar feliz aniversário hoje. Quero lhe abraçar. Da um beijo no seu coração e dizer: estamos em trincheiras diferentes, mas lutando pelos mesmos objetivos.
A única coisa ruim de fazer aniversário é saber que estamos ficando mais velhos.
Te admiro muito e quero que tenha toda a felicidade do mundo, ao lado de sua Ivete, seus filhos (que já nem sabem quem eu sou) e dos seus netos.
Eu nem quero saber quantos anos você está fazendo hoje, o que eu quero, Silvio, é que Deus te abençoe, sempre!
Ah, antes de me despedir, desculpe-me, meu Mestre, por não ter aprendido a escrever como você me ensinou…