Uma das características mais nocivas da política brasileira é, sem dúvida, a fluidez das opiniões e compromissos partidários. Os nossos mandatários, ou seja, aqueles em quem votamos conforme sua agenda política e vínculos a pautas que, para nós, são importantes, em pouco tempo se dispõem, de acordo com as conveniências, a mudarem de postura. Eles chamam isso de independência, como se os mandatos lhes pertencessem como a própria cueca. Não pertencem.
Todo governante ou parlamentar precisa ser constantemente lembrado de que o mandato é uma carta de representação, uma procuração para que ele, em sua atividade específica, tome decisões em nome do eleitor nos termos do posicionamento que apresentou em campanha, isto significa que o afastamento do político em relação ao campo ideológico ou programático no qual obteve o mandato é incoerência, ou mesmo traição, dependendo da intensidade da mudança. Não me refiro a siglas porque muitos mudam de sigla e permanecem os mesmos e, outros, mudam de lado e permanecem no mesmo partido que, em sua maioria, depois do fundo partidário e fundão eleitoral, viraram zona ideológica. Neste sentido, as siglas não valem nada.
Tivemos recentemente alguns casos bem evidentes, quando alguns políticos foram eleitos na “onda bolsonarista” e, em pouco tempo, sem razão decente a apresentar, se bandearam para o outro lado, coincidentemente o lado do poder, dos cargos e da grana fácil. Políticos desse naipe não traíram apenas o Bolsonaro, mas também o eleitor do Bolsonaro, a pauta conservadora, a agenda liberal da economia, os princípios e valores que são seguramente majoritários na sociedade brasileira.
Eles, os políticos, sabem muito bem disso, não são tolos. Então, por que o fazem? Respondo. O fazem porque contam com a ignorância geral a respeito de sua ação. Se o eleitor não está sabendo que no parlamento o mandatário votou em sentido contrário ao que prometeu em campanha, o parlamentar fica livre para mercanciar seu voto. Em suas bases, apresenta a liberação de alguma emenda e espera o aplauso e reconhecimento.
Normalmente, o político ideologicamente raso, aquele desprovido de conteúdo político consistente, que muda de lado ou de discurso conforme a conveniência, acha que a população não está vendo ou que não se lembrará quando for às urnas. Não se fiem nisso. A tática funcionou bem até que surgiram a internet, as mídias sociais, os sites de notícias, o jornalismo colaborativo etc., que romperam o teto da comunicação tradicional e expõem ao vivo, em tempo real, os fatos, a repercussão dos fatos e as várias interpretações a respeito dos fatos. Está ficando cada vez mais difícil para o político esconder-se atrás de máscaras de ocasião. O tempo também está deixando de jogar a favor do político farsante, porque com um ou dois cliques se pode recuperar as suas falas e promessas e, com isso, confrontá-lo com sua ação contraditória. Em suma, embora lutem contra isso, os políticos estão cada vez mais expostos e serão cobrados.
Tenho a expectativa de que no decorrer da campanha eleitoral que se inicia, aspectos como este, da coerência política, da fidelidade a compromissos assumidos, da firmeza em relação a princípios e valores defendidos em praça pública estarão na agenda da sociedade. Aqueles políticos que fraquejarem diante da dificuldade momentânea, e se aliançarem com o inimigo olhando para o próprio umbigo, desprezando seu eleitorado, estarão contratando o próprio funeral político para 2026.
Não duvidem, o povo brasileiro, sabe-se lá por quê, perdoa até o roubo sabido e provado (basta ver o cenário nacional), mas dificilmente perdoa a incoerência. Vejam o caso da Joyce Hasselman, do Alexandre Frota e mais uma penca, enxotados miseravelmente da vida pública depois de serem extremamente bem votados. Aqui mesmo, no Acre, temos alguns exemplos. Um magistrado pode dar por descondenado um corrupto, mas não justificará a incoerência e a traição política porque, neste caso, o juiz é o povo.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site ac24horas e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor Percival Puggina e outros sites. Quem desejar adquirir seu livro “Desaforos e Desaforismos (politicamente incorretos)” pode fazê-lo por este LINK.