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A democracia sequestrada

O fato mais relevante dos últimos dias foi, sem dúvida, a realização no último dia 08/01 da cerimônia “em defesa da democracia”, no Senado Federal, com cerca de 500 convidados, promovida pelo Supremo Tribunal Federal, Governo Federal e Congresso Nacional. Sob o título “A Democracia Inabalada”, o evento a portas fechadas, sem povo, pretendeu afirmar aquela data como um marco da defesa da democracia e erigir um altar ao STF, mais precisamente, ao Ministro Alexandre de Moraes, como se fora ele o agente público que impediu um golpe de estado tentado por manifestantes na praça dos três poderes.


Os discursos dos donos da festa não deixaram dúvidas quanto ao desejo de consagrar como indiscutível a “tentativa de golpe”, e a si mesmos como bastiões da democracia. Mais ainda, eles rejeitam a paz, a anistia, querem manter a faca nos dentes contra os idosos e senhoras de 08/01 e gerar um ameaçador efeito “pedagógico”. O problema é que quase ninguém acredita. Apesar de um ano inteiro de governo, STF, partidos, imprensa, artistas, sindicatos e academia batendo bumbo diariamente para a versão do golpe, o povo percebe o engodo e dá de ombros, pois, obviamente, tal não poderia ser executado sem armas, sem apoio político, sem organização, sem bandeiras, sem nada. Segundo pesquisas recentes, apenas 18% dos brasileiros acreditam na potoca de golpe, ou seja, tem muito mais brasileiros acreditando em disco voador (42%) do que no golpe narniano. 


O ex-Deputado, ex-Presidente da Câmara e ex-Ministro quatro vezes, incluindo da Defesa, Aldo Rebelo, é categórico – trata-se de uma versão fantasiosa de que se aproveita o governo. O atual Ministro da Defesa, José Múcio, afirma que se tratou de uma balbúrdia. O ex-Deputado, ex-Senador e ex-Ministro, Arthur Virgílio Neto, considera que não passou de vandalismo. O maior jurista brasileiro vivo, Ives Gandra Martins, vai na mesma linha – não poderia ser, não havia as mínimas condições, seria um crime impossível. Os jornalistas independentes da estirpe de Augusto Nunes e Fernão Lara Mesquita refutam firmemente a hermenêutica do “golpe”. O ex-Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, atribui a culpa pela depredação ao Estado brasileiro.


Ora, se ninguém seriamente acredita na versão do “golpe” e apenas a repetem aqueles que por militância ou ignorância dela se beneficiam, por que cargas d’água todo o andar de cima insiste na lorota? A resposta mais simples e objetiva é que sua afirmação pelas autoridades e imprensa sustenta a operação de inúmeras perseguições aos adversários, e enseja a instalação do medo e do silêncio como forma de dominação, abrindo espaço para a implantação de um regime autoritário e perverso.


Notaram que os discursos foram todos no sentido da regulamentação da mídia como “forma de impedir novas tentativas”? Este é o passo rigorosamente necessário para que as autoridades persigam, calem e punam quem ofereça resistência às “verdades” fabricadas por eles mesmos. Se o cidadão não pode falar o que pensa, ou, só pode falar aquilo que seja agradável aos ouvidos dos donos do poder, a democracia falece na sua principal base – a liberdade, embora os seus algozes digam que a defendem. Tratar-se-ia, portanto, de uma “democracia” tutelada pelo concerto Executivo-STF, com o parlamento (representantes do povo) submisso, ajoelhado.


Ao mesmo tempo, em que forçam de cima para baixo diretrizes autoritárias visando o silenciamento da oposição e da sociedade, cuidam também de estabelecer as condições para um ataque à representação popular por meio da compra de consciências no parlamento. O mensalão voltou disfarçado. Nada menos que 25 bilhões de reais foram destinados a emendas, agora, sim, secretas. Além disso, a máquina eleitoral que privilegia os atuais mandatários foi azeitada com quase 5 bilhões no fundão. É dinheiro para dedéu, todo ele à mão do presidente para que convença deputados e senadores às vésperas de votações importantes.


Enquanto o poder, de modo articulado, sequestra a democracia almejando a sua tutela definitiva, portanto descaracterizando-a na essência, os escândalos são o prato do dia a dia, ainda que acobertados pela grande imprensa. Curiosamente, índios Ianomamis morrendo a granel deixaram de ser objeto de genocídio, greve no IBAMA e ICMBIO por abandono ninguém liga, recorde de mortes de dengue por falta de vacina idem, o gabinete do ódio através da MYND8 em ação coordenada de cancelamento dos opositores políticos passa batido, a destinação pela Ministra da Saúde de verbas milionárias especialmente para um município (Cabo Frio) onde seu próprio filho vira secretário é normalíssimo, o filho do Ministro “missão dada é missão cumprida” no exterior exibindo relógio de mais de 2 milhões de reais não passa no JN, o alinhamento formal com terroristas contra o Estado de Israel é vendido como boa diplomacia, a nomeação do Lewandowski para a Justiça depois de ter sido advogado da J&F é muito ética… a lista cresce a toda hora. 


Como se vê, o troço vai muito mal, e nem me referi ao aumento desmesurado de impostos, déficit alarmante, inflação crescendo, empresas quebrando, saúde na UTI, educação atolada nas últimas posições, insegurança aterradora e PAC empacado. Vislumbra um verdadeiro cenário de sofrimento quem enxerga além do consórcio da mídia amestrada.


Estamos, pois, os brasileiros, em palpos de aranha. A moldura da democracia foi quebrada e muitos dos que poderiam nos defender se submetem, preferem a servidão. Resistamos porque resistir é preciso e, seguramente, o povo não participa desse farisaísmo. Façamos como fazem o deputado mineiro Nikolas Ferreira (AQUI) e a jornalista Cristina Graeml  (AQUI), que resolveram trazer a público, um a um, os dramas pessoais daqueles que, defendendo a democracia em 08/01, foram injustamente condenados numa inversão total da verdade factual. Os verdadeiramente democratas, não temos direito ao silêncio.


A propósito, me avisaram um dia desses que agora é necessário ter cuidado com a língua (ou com os dedos). Escrever um mero artigo de opinião em meio jornalístico passou a ser atividade de risco, as palavras passaram a ser vigiadas e uma delas pode ser considerada mais ofensiva que o tráfico de drogas, um assassinato ou a lista de crimes do Vaccari e tantos outros corruptos petistas identificados, provados, julgados e condenados na Lava-jato, porém libertados em sequência por decisão monocrática do mesmo ministro que por causa de um CEP deu um cavalo de pau na Lei, e soltou o Chefe para “derrotarem o bolsonarismo”. 


Assim mesmo, sigamos, porque embora haja quem ingenuamente espere um “discurso de Lenin” ou um paredon para se situar, a democracia, incluindo a liberdade de expressão e manifestação, está sob ameaça de tutela por um grupo posicionado no poder cujo objetivo final é o mergulho, com roupa e tudo, no poço escuro do progressismo globalista e sua agenda nefasta.



Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no site ac24horas e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor Percival Puggina e outros sites. Quem desejar adquirir seu livro “Desaforos e Desaforismos (politicamente incorretos)” pode fazê-lo por este LINK.