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Acre escolhe 125 conselheiros tutelares enquanto indicadores sociais ligados à infância pioram, segundo dados da Abrinq

Eleição dos 125 conselheiros tutelares do Acre retoma debate sobre valorização do Estatuto da Criança e Adolescente e expõe a qualidade da gestão pública. Na prática, o Acre precisa mudar urgentemente todos os indicadores relacionados à Infância e Adolescência. O vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, professor João Lima, é taxativo. “O Acre tem um norte”, sentencia o professor. “Há diagnóstico preciso, há o Plano Estadual Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. O que não há é gestão. O que existe é uma baixíssima capacidade de executar política pública”


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Neste domingo (1º), o Brasil volta às urnas. Em todos os municípios do país, será feita escolha dos conselheiros tutelares, os profissionais que têm como missão fazer com que o poder público cumpra o que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, uma conquista formalizada há 33 anos. No Acre, serão eleitos 125 conselheiros: 15 em Rio Branco, divididos em três unidades do Conselho Tutelar e 10 em Cruzeiro do Sul, divididos em duas unidades. Nos demais municípios, há apenas uma unidade do CT com cinco conselheiros em cada.


O pleito assemelha-se a uma eleição como outra qualquer. O Tribunal Regional Eleitoral oferece as urnas eletrônicas com todo o rigor no quesito segurança usado nas demais eleições. Na Capital, serão disponibilizadas 66 urnas, divididas em 14 locais de votação. Foram realizados treinamentos de 300 mesários na sede da Associação dos Municípios do Acre durante a semana. Todo o processo é coordenado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de cada cidade. Em Rio Branco, 200 colaboradores auxiliam os mesários. O Ministério Público também fiscaliza todo o processo. A votação acontece das 8 às 17 horas.


Os 88 candidatos da Capital, assim como os das demais cidades, precisam comprovar documentalmente que desempenham trabalhos com relação direta à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes pelo tempo mínimo de três anos. Feita essa comprovação, é realizada uma prova teórica para saber se a pessoa tem domínio mínimo dos fundamentos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Somente a partir da aprovação nesse exame é que a pessoa está formalmente apta a ser candidata.


“Todo cidadão maior de 16 anos pode votar nessa eleição”, convida Iana Sarquis, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. “Não é uma votação obrigatória, mas é importante a participação para que toda sociedade escolha aqueles que devem zelar pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes previstos no ECA”.


Os Conselhos Tutelares estão vinculados aos municípios. Cada conselheiro tutelar tem mandato de quatro anos e podem ser reeleitos por mais quatro.


Indicadores sociais apontam desafios para conselheiros tutelares

A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente é uma fundação de direito privado sem fins lucrativos. É mantida por doações de pessoas comuns e empresas. Desde 1990, tem se comprometido em qualificar não apenas a agenda pública, mas também a atuação das empresas nas causas da juventude por meio da ideia de “Responsabilidade Social”.


Essas referências são importantes para lembrar que um dos trabalhos da Abrinq é a sistematização de dados para que sirvam de ferramenta aos governos das três esferas administrativas. Os dados da Abrinq são, de fato, referenciais. E por meio deles é possível afirmar que o Acre não respeita a sua infância e os seus adolescentes.


Não seria possível avaliar tudo o que a Abrinq disponibiliza em uma única reportagem. O ac24horas recortou alguns dados representativos que abarcam uma parte significativa do problema.


O clássico indicador Taxa de Mortalidade Infantil avalia o problema para cada grupo de mil crianças nascidas vivas. O Acre acompanha o que acontece no Brasil. É o que mostra o gráfico.


Acre acompanha tendências do país, com destaque para o ano de 2017, ano de maior redução. Desde 2018, situação volta a preocupar

Em 2017, o Acre teve a menor taxa de mortalidade infantil já registrada, desde o início da série histórica, em 1990. Embora ainda com taxa maior do que a nacional, o problema era menos grave do que na região Norte, à época.


O problema apresentou tendência de alta a partir de 2018, quando o Acre superou a taxa do Norte. Em 2021, durante a pandemia, ficou ainda pior. Hoje, enquanto o Brasil tem taxa de mortalidade infantil de 12,6 para cada grupo de mil crianças nascidas vivas e o Norte apresenta 15,1, o Acre registra taxa de 17,2. Não há dados sobre Rio Branco.


Outro dado que demonstra descompromisso das políticas públicas para a Primeira Infância guarda relação com a Educação. Ano passado, a Taxa Líquida de Matrícula em Pré-escolas no Brasil foi de 74,6%; no Norte foi de 64,5%; no Acre foi de 62,2% e em Rio Branco foi de 44,1%. A taxa líquida de cobertura em pré-escola é a razão entre o número de matrículas de crianças de 4 e 5 anos de idade em estabelecimentos públicos ou privados da Educação Infantil e a população correspondente à faixa etária entre 4 e 5 anos.


Na Educação Básica (formada pelo conjunto da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), a Abrinq aponta que o Brasil registrou cobertura de 95,8% no ano passado. O Norte teve 84,2%. O Acre teve assustadora queda para 66,6%. O destaque ficou por conta de Rio Branco que alcançou 94,8%.


Outro elemento básico que surpreende quem lê os dados da Fundação Abrinq tem relação com o acesso da comunidade escolar à energia elétrica. Na Proporção de Estabelecimentos de Educação Básica que não têm qualquer forma de acesso à energia elétrica, o Acre vai muito mal. Enquanto no Brasil, 1,7% dos estabelecimentos ainda estão na base da lamparina para promover educação, no Norte, a escuridão faz parte da rotina de professores e alunos em 12,6% das escolas. No Acre, surpreendentes 34,8% das escolas, segundo a Abrinq, não têm acesso à energia elétrica. Em Rio Branco, o problema atinge 2,6% das escolas. Os dados são relativos a 2022.


Segundo a Abrinq, 34,8% das escolas da Educação Básica no Acre não têm acesso à energia elétrica

Taxa de homicídios de crianças e adolescentes no Acre é maior que na Região Norte

A Fundação Abrinq também registrou o cenário de violência a que estão submetidoscrianças e adolescentes. É preciso destacar que os dados são referentes às cidades com mais de 100 mil habitantes menores de 19 anos de idade. Isso significa que, na prática, no Acre, apenas Rio Branco é analisada. Ou seja: um jovem de 17 anos assassinado em Feijó, por exemplo, não está nas estatísticas que seguem.


A Taxa de Homicídios de Crianças e Adolescentes (para cada grupo de 100 mil habitantes) no Brasil é de 8,1. No Norte, sobe para 10,7. No Acre, 11,5 e em Rio Branco 9,2. Os dados referem-se ao ano de 2022 e são, de acordo com a Abrinq, preliminares (podem sofrer alterações).


EXCLUSÃO E MISÉRIA

Caso da Rua Cumaru e parto na calçada da maternidade: infância no contexto da exclusão econômica e social

Rua Cumaru, Nº 66, Portal da Amazônia, região do Calafate. O que aconteceu neste endereço de um bairro da periferia de Rio Branco, na noite do dia 19 de dezembro de 2020, chocou o Acre: três crianças, Diogo Evangelista Monteiro, 4; Caio Evangelista Monteiro, 2 e Vitória Sofia, com apenas oito meses, se apertavam na pequena casa de madeira. Estavam sozinhos naquela noite, como em tantas outras.


Antes de sair de casa para um bar nas proximidades, a mãe delas, Jociane Evangelista Monteiro, trancou as crianças no quarto. A porta estava fechada com uma corrente e cadeado. Jociane tinha à época 23 anos apenas.


VEJA AQUI: Tragédia: três crianças morrem carbonizadas em Rio Branco


Por uma causa desconhecida, a pequena casa de madeira pegou fogo. As três crianças foram encontradas pelos bombeiros militares carbonizadas, embaixo da cama. Elas estavam abraçadas. Jociane foi presa no dia seguinte, ainda em flagrante, e solta em uma audiência de custódia. Argumentou que tinha ido ao bar “comprar uns espetinhos”.


Até hoje, esse caso de abandono de incapaz não foi julgado. No decorrer do processo, em abril do ano passado, a Justiça determinou que os corpos das crianças fossem exumados para certificação da identificação. O Estado ofereceu apoio psicológico a Jociane.


O ac24horas tentou conversar com Jociane, hoje com 26 anos. Mas no número de contato disponível ninguém atende. “Essa mulher não está mais morando no Portal da Amazônia”, alertou um conselheiro tutelar. “Ela está no Cidade do Povo”.


O conselheiro falou sob condição de anonimato. Disse que ela “se juntou” com outro homem. Teve outra filha. Há um outro processo por maus tratos. “Mas ela não está envolvida. Parece que foi o atual companheiro que quis incriminá-la”.


Jociane nunca concluiu o Ensino Médio. Em declaração à Polícia Civil, disse que nunca consumiu drogas. Nunca esteve presa. À época da tragédia, estava desempregada.


Cinzas da casa onde foram encontrados os três irmãos abraçados embaixo da cama – Arquivo/ac24horas

Calçada como primeiro berço

Outro caso que aponta o cenário em que a infância acreana está inserida aconteceu em janeiro do ano passado. Uma jovem em situação de rua descia a avenida Getúlio Vargas, no cruzamento com a Avenida Ceará, região central de Rio Branco. Estava com dores e se contorcia. A cena chamou atenção de um grupo de taxistas que trabalha nas imediações.


Quando estava próximo à entrada que dá acesso à Maternidade Bárbara Heliodora, a jovem vai ao chão. Um dos taxistas começa a registrar aquele momento. Instantes após, percebeu-se do que se tratava: as dores que a jovem sentia eram contrações uterinas e ela estava em trabalho de parto.


A jovem se levanta e olha aparentemente com indiferença para a criança que chorava na calçada. Mas a suposta indiferença do olhar não era por maldade. É a postura de quem não sabe direito o que está acontecendo; de quem não sabe de quem é aquela criança que se retorce de frio naquele chão também indiferente.


A jovem que pariu na calçada da Maternidade Bárbara Heliodora é Leiliane Cruz. Ela possui o espectro da esquizofrenia. Hoje, tem entre 27 e 30 anos. O pai era policial civil e morreu assassinado, talvez por um desafeto. A mãe também fora assassinada, bêbada, em um bar no bairro Taquari. Morreu esfaqueada.


VEJA AQUI: Sem atendimento, moradora de rua dá à luz em calçada na frente de maternidade no Acre


Uma das irmãs de Leiliane era dependente química. Foi morta com um tiro na cabeça no bairro Cidade do Povo. A segunda irmã, Michele, ficou muitos anos presa por roubo. Leiliane Cruz chegou a ser casada. Separou. O espectro da esquizofrenia começou a apresentar sintomas graves, somados à dependência química por uso de álcool. Envolveu-se com outro homem também em situação de rua. Teve uma filha fruto desse relacionamento.


O bebê que foi parido na calçada da única maternidade pública da Capital é o segundo filho de Leiliane. O Conselho Tutelar interveio. A criança foi encaminhada ao Educandário Santa Margarida. Foi adotada rapidamente. É uma menina. Saudável.


Jovem pare na calçada da Maternidade Bárbara Heliodora: olhar não é indiferença. É esquizofrenia – Arquivo/ac24horas

“O Estado tem um norte; o que falta é gestão”

Doutor em Filosofia, o professor da Universidade Federal do Acre e vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, João Lima, faz um diagnóstico das políticas públicas acreanas que têm a missão de defender o Estatuto da Criança e do Adolescente, criado há 33 anos.


João Lima: “O Acre tem um plano. O Acre tem um norte. O problema é a gestão” – Foto: Sérgio Vale

“Nunca um governo colocou tanto dinheiro no Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente”, reconhece Lima, referindo-se ao atual Governo do Acre. “O problema é a baixíssima capacidade de execução de política pública na administração de Gladson Cameli”.


Quando o assunto é defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, o Acre tem jeito?

João Lima: Tem jeito e tem plano. O Acre tem um norte. O Acre tem o Plano Estadual Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Esse documento foi concluído no fim de 2021 e foi elaborado por uma gama de profissionais compromissados, qualificados, que fizeram um diagnóstico preciso dos problemas estruturantes e que aponta caminhos.


Quais caminhos?

João Lima: Os caminhos para reverter essa situação da exclusão a que boa parte da população jovem do Acre está submetida. São situações de toda ordem, como trabalho infantil, criança fora da escola (ainda temos isso aqui), violência sexual em crianças e adolescentes…


Mas como trilhar caminhos que combatam isso? Como custear isso, por exemplo?

João Lima: Primeiro é preciso reconhecer que nunca nenhum governo colocou tanto dinheiro no Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.


Qual governo?

João Lima: O governo de Gladson Cameli. Foram mais de um milhão de reais em um ano que se repetiu no ano seguinte…


Então, onde está o problema?

João Lima: O problema está na baixíssima capacidade de execução desse governo. Veja: o Plano Estadual Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes prevê 132 grandes ações a serem executadas pelo Estado do Acre nos próximos 10 anos. São medidas que precisam ser implementadas agora e, obviamente, não terão impactos imediatos algumas delas, mas são medidas estratégicas que podem mudar a estrutura das ações de Estado diante de um problema que o poder público sempre foi ineficaz.


O plano está só no papel, então?

João Lima: Vou te exemplificar. Um problema como esse de que nós estamos tratando não se resolve se não for pela busca de soluções coletivas, dialogadas, compartilhadas. Um dos espaços em que isso é construído são as conferências. Nos dias 4 e 5 de outubro, acontece a Conferência Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. E veja o paradoxo: o mesmo governo que valorizou o Fundo é o mesmo que tenta argumentar que não será possível realizar a conferência por falta de recursos e usa pra isso o argumento da diminuição dos repasses do FPE. A conferência sendo virtual enfraquece muito. Não é ideal. Dos 22 municípios, 10 fizeram as conferências municipais.


E as instituições? Que avaliação o senhor faz das instituições na defesa do ECA?

João Lima: Na Secretaria de Estado de Assistência Social e Defesa dos Direitos Humanos, por exemplo, percebo que o comando da estrutura fica ao sabor de interesses particulares, voltado para defesa de interesses religiosos terríveis. E pior: interesse religioso vinculado à política partidária.


E o MP?

João Lima: O MP avança muito em ações que não são obrigações dele. E acaba não cobrando do Governo ações que são inerentes ao Executivo, como a realização das conferências, por exemplo. O Judiciário é outro exemplo: outro dia, um menino roubou uma bicicleta. Qual foi a primeira medida que a Justiça tomou? Internou o menino. Decidiu por uma internação provisória de 45 dias. Lá dentro o garoto se envolveu em um conflito, isolaram o rapaz e ali, sob a custódia do Estado, o menino encontrou o ambiente ideal para se suicidar. E o fez. Precisamos encontrar, coletivamente, outras referências para tratar da punição. A primeira que vem à mente é restringir a liberdade sem dar a mínima condição de o indivíduo refletir sobre a própria condição.


E os Conselhos Tutelares?

João Lima: Os conselhos tutelares são instâncias importantes na defesa do ECA. Mas o processo de seleção precisa ser revisto.


De que forma?

João Lima: Há uma contaminação de elementos, de fatores políticos partidários, permeando o processo que não qualifica o debate.


Mas o debate não é político?

João Lima: Claro que é político. Mas não se restringe às esferas dos partidos. Ela transcende aos partidos. Quer ver outros fatores que contaminam o processo de seleção de conselheiros? As igrejas, sejam elas protestantes ou não. Elas contaminam o processo. Outro fator: as facções. No próximo domingo, eu não me admiro se tivermos conselheiros eleitos com apoio de uma ou outra facção.


Um conselheiro desses não contribui…

João Lima: Não há sentido. Não adianta saber o ECA ‘de cor e salteado’. É preciso compromisso integral com toda a política.


Como prevenir, blindar o processo de seleção desses problemas?

João Lima: No Plano Decenal há previsão da Escola de Conselheiros. Será um centro de formação, de Educação. Respondendo tua pergunta: emancipar é educar. A resposta é educação.


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