Menu

Pesquisar
Close this search box.

Novos documentos encontrados pelo ac24horas dão detalhes do dia em que o governo do Acre sofreu um golpe militar

Receba notícias do Acre gratuitamente no WhatsApp do ac24horas.​

Em 1 de março de 1963, José Augusto de Araújo, aos 34 anos, era o primeiro homem eleito a sentar na cadeira de chefe de executivo depois que o Acre passou a ser considerado estado. Eleito pelos mais ricos — já que analfabetos não tinham direito ao voto – num pleito em que apenas 9% da população do estado votou, conseguiu ser conhecido como “o pai dos pobres”, mas no ano seguinte teve seu palácio cercado por forças militares sendo obrigado a renunciar.


Depois que deixou o governo com fama de comunista e subversivo, propagada por seus adversários políticos, a história dá conta de um homem convicto de seus ideais, que fora forçado a dar o comando do estado a golpistas que depuseram também seu amigo, o presidente João Goulart, em 1 de abril de 1964.

Anúncios


“Naquele tempo tínhamos a guarda territorial, eram poucos homens e que não podiam nunca confrontar o pessoal do exército com metralhadoras, quando o estado não tinha nem arma para revidar.  Ele disse: ‘vai correr sangue, então, para quê lutar?’. Aí resolveu renunciar”, disse em março de 2014 ao G1, a ex-primeira-dama do estado, Maria Lúcia de Araújo.


No entanto, num documento datado de 10 de maio de 1964, dirigido ao alto escalão do regime militar, José Augusto afirma que, por duas vezes, tentou se afastar do governo antes mesmo de ser forçado a fazê-lo, para “ir de encontro aos firmes propósitos da ação moralizadora da Revolução”, de forma que assumisse o estado um candidato eleito “pelo próprio Alto Comando Revolucionário”.


A carta

A carta é dirigida ao Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (Presidente da República), General Arthur da Costa e Silva (Ministro da Guerra), e demais membros do Alto Comando Revolucionários e do Conselho de Segurança Nacional. O documento narra o clima de instabilidade entre os poderes no Acre, as tentativas de solucionar o problema e é, supostamente, escrita pelo próprio José Augusto, já no Rio de Janeiro, dois dias após ser forçado a renunciar ao cargo, embora se refira nela, às vezes, em terceira pessoa.


José Augusto diz ter dispendido esforços para harmonizar as forças políticas e proporcionar um “clima de paz”, mas quando precisou ir ao Rio de Janeiro para tratar um infarto, em fevereiro de 1963, viu de lá a “vitória do Movimento Revolucionário”, em 1 de abril. Contrariando as prescrições médicas – e provavelmente temendo que “a Revolução” chegasse rápido ao Acre -, voltou ao estado. Aqui, a casa estava desarrumada.


“Lutas e disputas partidárias internas não me permitiram de pronto uma ação. Antigos adversários políticos e alguns elementos ambiciosos que dantes participaram de meu governo e do Partido pelo qual fui eleito, uniram-se em um trabalho para a destituição de meu governo”, escreveu Augusto. Como não bastassem os problemas daqui, chegava à Rio Branco o Capitão Edgard Cerqueira, para comandar a 4° Companhia de Fronteira, fato que era desconhecido pelo governador, o que nele gerou desconforto: “fiquei inteiramente alheio”, disse.


VEJA AQUI:


DOC. quedra de José Augusto

A primeira tentativa de deixar o governo

Sentindo-se cada vez mais desrespeitado e vendo militares atropelarem leis, além de ter à pouco tempo passado por um infarto, o governador diz que passou a pensar em como se afastar do governo.


“Pensei a princípio viajar para o Rio de Janeiro e aqui entregar meu cargo de governador ao alto Comando Revolucionário, mas não encontrei apoio legal na Constituição de Estado para assim proceder”, justifica Augusto.


A segunda tentativa de deixar o governo

Diante da suposta falta de amparo legal para entregar o comando do executivo diretamente aos militares, o governador pensou em renunciar ao cargo.


“Por intermédio da Assembleia Legislativa, mediante minha renúncia e com o espírito de harmonizar as facções e, ao mesmo tempo, ir de encontro aos firmes propósitos da ação moralizadora da Revolução, obter uma modificação da Constituição do Estado e imediata eleição de um candidato indicado pelo próprio Alto Comando Revolucionário”, diz o ex-governador.


Para isso, José Augusto telegrafou ao General Francisco Torres, amigo e então governador do Rio de Janeiro, pedindo indicação de um militar de confiança que seria apresentado à Assembleia Legislativa do Acre como novo governador. Francisco Torres respondeu a José Augusto que este deveria se dirigir ao general Arthur da Costa e Silva, Ministro da Guerra. Mas era tarde.


O cerco ao Palácio do Governo

“Preparava-me para adaptar esta medida [se dirigir ao Ministro de Guerra], quando por volta das 21:00 deste dia, 8 de maio, sexta-feira, recebi a visita do Capitão Raimundo Nonato Gomes Filho que vinha da parte do Capitão Edgard Cerqueira e que me declarou textualmente:


‘Se V. Excia. não apresentar seu pedido de renúncia neste momento, será o Palácio tomado de assalto, cercada a Assembleia Legislativa do Estado e os deputados, obrigados, votarão o impedimento de V. Excia.’

Anúncios


Neste mesmo dia pela manhã, o referido oficial, Capitão Edgard Cerqueira, havia propagado pela cidade, sem nenhum sigilo em respeito às normas militares, que recebera um telegrama que ele assim agisse. Convém observar que se houve tal telegrama, não fui notificado do mesmo, nem de outra ordem nesse sentido. Este são os fatos.”


Pelo que se pode ler, além da mágoa, José Augusto guardava dúvidas sobre as intenções do Capitão Edgard Cerqueira em assumir o governo. Tanto, que pede que seja enviado um observador verificar a conduta do Capitão “sob o ponto de vista de chefe de Executivo e cidadão”, e pede também que seja acompanhado o recebimento de gado, máquinas, motores e outros materiais em quatro navios fretados, que foram adquiridos antes do golpe.


Saída do Acre não aliviou a pressão sobre José Augusto

Chegando ao Rio de Janeiro, cabia agora a José Augusto tentar aliviar a fama de “comuna” para evitar a prisão e a morte.


Uma série de papéis encontrados pela reportagem do ac24horas dava conta da comunicação entre o alto comando e um oficial identificado como Coronel Ariel, provavelmente ligado à inteligência, que deveria receber José Augusto no aeroporto, no Rio de Janeiro.


“1 oficial deverá receber o governador do Acre (José Augusto de Araújo) no aeroporto Santos Dumont às 14:00 (hora a confirmar). Deverá ser tratado com toda consideração, como se governador fosse. Obter do mesmo uma informação sumária que dê sua impressão sobre a situação (uma declaração em conversa) que será transmitida imediatamente para Brasília. O governador permanecerá em liberdade, mas é conveniente [que] mantenha ligação com a SG/CSN [Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional] – verificar o endereço e telefone, e dar o da secretaria.


Pedir-lhe, em nome do presidente Castelo Branco, um relatório sobre os acontecimentos – de modo a ficar o governo informado sobre a situação no Acre. Ele redigirá o relatório ou mesmo fará em conversa de modo que o oficial possa redigir. De posse do relatório, ligar-se com Brasília lendo os principais tópicos e providenciar a remessa, se for o caso.”


Foi neste contexto, que José Augusto teria escrito a carta mencionada neste artigo, ou a escreveram por ele.


Consultamos os historiadores Marcos Vinícios e Francisco Bento. Eles não tinham conhecimento desdet documentos e disseram que, provavelmente, as descrições de que o autor queria ir de encontro às “ações moralizadoras da Revolução”, e de que já havia tentado deixar o governo em duas oportunidades, são tentativas de se proteger da ação repressiva e punitiva do regime militar. Em unanimidade, apontaram que o fato da assinatura do relatório ter sido rubricada pode indicar que José Augusto não acreditava na íntegra do documento, já que em outros documentos da época, o governador assinava por extenso.


“Eu não conhecia o documento, mas é interessante. Fica claro que ele foi quase obrigado a escrever o relatório. Estes termos, como “revolução”, devemos entender como termos exigidos, porque não era o que ele pensava do golpe. Não se sabe se ele redigiu, ou se só assinou. É interessante também notar as instruções para que o militar que fosse recebê-lo mantivesse as aparências, mas ele sai do Acre vigiado. Devemos fazer uma leitura disso também pelo contra-apelo, o não dito”, disse o historiador Francisco Bento.


“Minha opinião é que essa posição que ele coloca no relatório é uma maneira de ele tirar o corpo fora, porque ele não renunciou porque quis, foi obrigado. Segundo a dona Maria Lúcia (viúva de José Augusto), o exército já tinha ocupado os pontos de comunicação através dos quais ele poderia tentar falar com o comando militar. Efetivamente, continuo com minha opinião de que José Augusto foi obrigado a renunciar. Ele ter dito depois, no relatório, que tinha pensado em renunciar, foi uma maneira de tentar se resguardar de futuras perseguições, o que acabou não acontecendo. Na sequência, foi preso, passou anos em Belém, Pará, respondendo inquéritos. Aprontaram tanto com esse homem que sete anos depois, em razão dos problemas de saúde e da perseguição, acabou morrendo”, disse Marcos Vinícios.


INSCREVER-SE

Quero receber por e-mail as últimas notícias mais importantes do ac24horas.com.

* Campo requerido