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Indígenas do Acre vão lançar primeiro perfume nativo do mundo com apoio de iniciativa privada

Localizado no extremo oeste do estado do Acre, o Vale do Juruá – região que agrega cinco municípios – reserva uma variedade ímpar do bioma amazônico, com potencial para atingir inúmeros setores, inclusive a indústria da beleza, que deve passar gerar riqueza e proteger a floresta e seus povos tradicionais.


 


Com a proposta de concretizar o sonho da bioeconomia sustentável, nasce a Green Juruá Valley, que em parceria com a JL Paula Jr. Design e quatro comunidades indígenas, quer difundir os conhecimentos e saberes dos povos tradicionais do Acre, expandindo-os para o Brasil e para o mundo em forma de perfumes.


 


A estratégia comercial que está sendo implantada nesse projeto inclui parceria com os principais players do varejo global da perfumaria, principalmente da França, Itália, e dos países que compõem o Fundo Amazônia – Alemanha e Noruega -, que seguem a regulamentação estabelecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelos órgãos oficiais brasileiros do setor.


 


“Os não índios e a cultura, saberes e tradição dos povos indígenas, juntos, podem potencializar a bioeconomia, para ampliar a renda e preservar o meio ambiente no bioma amazônico”, afirma Ilderlei Cordeiro, empresário local e sócio da Green Juruá Valley.


 


Essências e saberes – Concebido e sendo desenvolvido há quatro anos, o projeto começou com reuniões nas Terras Indígenas, pesquisas e escolha das fragrâncias, confecção das embalagens e elaboração dos perfumes. Em janeiro de 2022, cada etnia recebeu de volta a suas comunidades as essências das quais têm conhecimento secular em forma de perfumes, que vão estar em breve nas melhores prateleiras do ramo.


 


As fragrâncias foram criadas a partir de plantas escolhidas pelos indígenas, cheiros que fazem parte do conhecimento ancestral dos povos originários, como tucundi, copaíba, aroeira, bálsamo, breu-branco. A previsão é que os perfumes sejam lançados ainda no primeiro semestre de 2022.


 


Neste primeiro momento, serão produzidas 500 unidades de perfume de cada etnia, 250 masculinos e 250 femininos. Cada um deverá ser comercializado por cerca de 100 a 120 euros, em diferentes países. Também serão vendidos nas comunidades envolvidas no projeto, como: os Ashaninka do Rio Amônia, em Marechal Thumaturgo; os Puyanawa do Barão, em Mâncio Lima; os Shawandawa, do rio Cruzeiro do Vale, em Porto Walter; e os Yawanawa do rio Gregório, em Tarauacá.


 



“Os contatos com os distribuidores no exterior já estão adiantados. E como há muito turismo de vivência nas terras indígenas, também será um sucesso a venda nas terras de cada etnia”, conta KIiliane Cordeiro.


 


Geração de renda em comunidades indígenas


Para os indígenas, a parceria no desenvolvimento e na venda do produto com partilha dos lucros resultará na execução de projetos que fortaleçam sua cultura, garantam segurança alimentar e condições adequadas de sustentabilidade das Terras Indígenas.


 


Francisco Pyãnko, líder dos Ashaninka do rio Gregório, resume este conceito: “não somos só fornecedores de matéria-prima e conhecimento. Estamos trabalhando para colocar os produtos junto com a empresa no mercado e ter uma distribuição nos lucros de maneira justa. Então, nosso projeto leva em conta não a quantidade em escalas grandes para o mercado. Vamos focar no mercado mais especial, o mercado que esteja comprando conservação ambiental, esteja comprando o fortalecimento do povo Ashaninka aqui na região”.


 


Os idealizadores do projeto, Keiliane e Ilderlei Cordeiro, assim como os indígenas, acreditam no potencial produtivo da floresta em pé. A elaboração e venda dos perfumes traz a possibilidade de ganhos financeiros, ambientais e culturais para todo os envolvidos.


 



“A proposta é oportunizar a todos a possibilidade de lucrar de forma sustentável. No início de 2021 iniciamos a composição das essências e no início de 2022 a industrialização dos perfumes. Acreditamos que até abril já estaremos com os primeiros lotes disponíveis para o lançamento do produto”, projeta Keiliane.


 


O empresário Ilderlei Cordeiro conta que conhece os indígenas com os quais firmou esta parceria desde a adolescência, amizade herdada do pai, Idelfonso Cordeiro, com os pais de algumas dessas novas lideranças, entre eles Antônio Pyãnko, Ubyraci Brasil e Mário  Puyanawa.


 


“Meu pai deixou esse laço de amizade e automaticamente eu dei sequência. A gente foi crescendo sempre sonhando em como poderíamos desenvolver a região. Deus nos deu a direção de algo que nunca tinha acontecido, que cada etnia tivesse sua essência da floresta”, conta Cordeiro, revelando que as essências foram construídas a partir de diálogos, vivências sobre os costumes desses povos, o que usam, o que gostam de passar nas roupas e em si mesmos.


 


O objetivo é despertar o interesse das pessoas de todo o mundo para a preservação desse bioma, gerar trabalho e, consequentemente, renda para os povos indígenas e ribeirinhos inseridos em áreas onde seja possível a produção de insumos botânicos, com grande potencial econômico. “São eles que cuidam, preservam e moram na floresta”, argumenta Keiliane.


 


Relevância perfumista – Há mais de 40 anos no mercado, José Luiz de PauIa Júnior é designer e pesquisador, referência em perfumaria e cosmética. Conheceu o Vale do Juruá por convite do empresário Ilderlei Cordeiro e diz ter se apaixonado pela região, não só pelas belezas naturais, mas especialmente pelas etnias indígenas, que classifica como “o ponto alto do local”.


 


“Descobri um mundo novo, que me inspirou na criação de perfumes e harmonizadores de ambiente e que estabelecem uma conexão sensorial com os povos indígenas. Para isso trabalhei intensamente com todos os conhecimentos adquiridos na minha carreira”, descreve José de Paula Jr, acrescentando que, logo, os perfumes genuínos dos povos indígenas da Amazônia têm padrão internacional e relevância perfumista.


 


Além da força natural dos ingredientes da região, a empresa investiu em parcerias importantes e decisivas como a IFF (Internationale Flavors & Fragrances), Wheaton e Premier Pack. “Contamos com o apoio dos jovens perfumistas da IFF: Gabriela Maldonado e Christian Alori, que mergulharam de cabeça nesse projeto comigo”, conta o pesquisador para quem a riqueza do Brasil está em seus biomas, que precisam ser mapeados com esse olhar da perfumaria, para prospectar conceitos culturais, capazes de gerar potência social, econômica e comercial. “Está na hora e há mercado e capacidade para seguir em um caminho próprio. Não adianta ficar lamentando as políticas vigentes, temos que dar soluções”, defende.


 


Uma dessas soluções, segundo o pesquisador, é desenvolver perfumes com características olfativas e conceitos culturais brasileiros que representem o modo, as festas, as manifestações sincréticas, sem perder as características intrínsecas e naturais de um perfume premium, tendo como foco na Amazônia.


 



Indústria de perfumes e embalagens no Juruá – Os primeiros perfumes foram elaborados em São Paulo, no entanto, o  objetivo do casal de empresários e dos indígenas é produzir os perfumes em Cruzeiro do Sul, gerando emprego e renda para índios e não índios. As embalagens também serão feitas no município.


 


Um grupo do Pará confecciona as caixas deste primeiro lote de perfumes com talos de buriti, fatiados e colados, trazendo detalhes das tradições de cada uma das tribos. ” A ideia é trazer artesãos paraenses a Cruzeiro do Sul para que ensinem indígenas e não indígenas a confeccionarem as embalagens para gerar emprego na região e valorizar a cultura local”, relata Keiliane.  Segundo ela, o propósito vem sendo conversando com algumas pessoas que conhecem dessa parte de artesanato, que sabem fazer acabamento.


 


Nas embalagens, além do nome da planta que dá origem ao perfume, há o formato do cocar de cada etnia. A marca da embalagem dos Yawanawa é o cocar do  cacique Biraci Brasil.  Para os Puyanawas, o signo foi inspirado na coroa do cacique Joel Puyanawa. Os Ashaninkas também ganharam seu signo peculiar, bem como os Shawandawa.


 


Veja o que dizem alguns representantes indígenas do Acre sobre o negócio:


Francisco Pyãnko, liderança dos Ashaninka Apiwtxa e coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj)  – “Nós vamos focar no mercado mais especial, o mercado que esteja comprando conservação ambiental, esteja comprando o fortalecimento do povo, além do monitoramento do território. Esse é um momento importante para os povos, que poderão executar projetos que resultem em renda para garantir sustentabilidade. No nosso caso aqui, na Apiwtxa, temos já essa história para trabalhar com essência, com produtos, com sementes florestais, com essa visão de que nós precisamos aproveitar os nossos recursos da floresta. Temos uma relação com a empresa do Ilderlei de parceria. A gente tem a matéria-prima, a gente tem o interesse, a gente é comunidade e jamais vamos permitir que a nossa relação seja uma relação só de mão de obra ou de fornecedor, de matéria-prima para as indústrias se fortalecer. Então nós estamos investindo para que a gente comece a mostrar a importância e o valor que tem essa floresta de pé. Tudo que nós for fazer aqui nem passa por perto uma relação de exploração do povo Ashaninka, nós temos muita clareza disso. Acho que a iniciativa do Ilderlei como uma empresa que está focada em trabalhar esse potencial que temos na região, é uma empresa também diferenciada. A gente está satisfeito em iniciar um processo, que esse processo, um dia, a própria comunidade Ashaninka aqui do Amônia, e outras comunidades também,  eu acredito que pensa na mesma direção: de ter essa relação comercial direta e tirando o intermediário”.


 


Joel Puyanawa – liderança Puyanawa


“A gente quer avançar, criar lojas dentro da comunidade, ter pontos na cidade, ter ponto no Acre e outros Estados.  Fazer parte desse projeto dos perfumes foi uma decisão tomada junto com a  comunidade. A gente já vinha trabalhando há muito tempo, juntos às nossas lideranças em reuniões, com a Funai e a gente viu que poderia dar muito certo essa parceria da gente com a empresa do casal que a gente já conhece há tempos. Nós chamamos esse projeto de uma repartição de benefício do trabalho que eles também tão fazendo e do que vai ser feito aqui na comunidade nos próximos passos, que são os produtos que a gente vai coletar e plantar dentro da floresta e também a sabedoria que vamos adquirir. Então tudo isso leva a um nível de conhecimentos, de repartição de benefício que isso vai trazer para a comunidade, os implementos necessários daquilo que vai ser trabalhado na comunidade de uma fiscalização do seu território, de implementar alguns outros equipamentos na comunidade”.



José Luís Puyanawa- liderança Puyanawa – “Esses perfumes vão possibilitar que a gente também impulsione a  venda da farinha, da embalagem, das camisetas, da essência,  dos incensos que vamos  produzir  também. Eu acho que os primeiros objetivos que a gente precisa adquirir é fazer uma capacitação do grupo que vai estar trabalhando nessa linhagem da questão das essências. Capacitar jovens, né? Capacitar pessoas da comunidade e também outras pessoas que não são da comunidade, porque hoje a gente vive numa troca de intercâmbio e também da troca de conhecimento. Nossa ideia é ter aqui uma casa com uma vitrine, uma casa que venha representar o nível da altura desse conhecimento e depois a gente pensa nos próximos passos, como o reflorestamento dessas plantas, da gente ter quantidade, da gente ter compromisso de plantar, porque você está tirando e você também vai colocar na floresta aquilo que você vai estar tirando. Eu acredito que quem vai ganhar é a comunidade, quem vai ganhar vai ser o município, quem vai ganhar vai ser o estado e quem vai ganhar é o nome de todos os indígenas do Brasil. Quem vai ganhar é o povo que vai usar as essências  produzidas junto do povo Puyanawa”, pontua.


 



Biracy Yawanawa Júnior – liderança Yawanawa – “É uma honra poder ver esse sonho se realizando, que vai trazer uma sustentabilidade, trazer autonomia para nossa comunidade, para o nosso povo. É um primeiro passo de uma longa caminhada que a gente está começando. Há mais de três anos eu tive uma primeira reunião  com nossa  família, falando desse projeto do perfume e eu disse que, sempre falo isso, tenho isso no meu coração, que não quero falar algo que não possa cumprir. Então disse para nossa família: eu vou fazer acontecer essa história e graças a essa parceria com nosso amigo, irmão, empresário Ilderlei Cordeiro e sua esposa Keiliane, estamos  já recebendo o perfume  pronto, em uma embalagem especial. O perfume se  chama Niwa, que é o cheiro mesmo da flor da floresta. Agradeço aqui em nome da minha família. Nós somos o Povo da Queixada e  Queixada tem um cheiro forte, por isso é  um perfume bem poderoso”, relata.


 


Anchieta Shawandawa- membro  do corpo de liderança do povo Shanenawa, representante e articulador político fora da terra indígena


“Essa  parceria com o Ilderlei e a esposa dele é  exatamente a primeira parceria que tem o objetivo de levar renda para o povo sem nenhuma agressão ao meio ambiente e à floresta, por isso nós abraçamos esse projeto. Elaboramos um projeto de vida do povo, que inclui o resgate e revitalização da cultura Shawandawa em todos os aspectos, a fiscalização e proteção do nosso território, a extração de produtos florestais de forma consciente e sustentável e a garantia da segurança alimentar do nosso povo. Hoje está claro pra nós indígenas, e para o mundo, que o desafio é fazer a gestão em nosso território, ou seja, como viver em nossas florestas tirando dela o sustento, pensando hoje e nas futuras gerações sem destruir. O povo através de suas lideranças de organização, vem buscando parceria pra desenvolver projetos sustentáveis. A empresa entra com toda a estrutura de produção e o povo entra com a marca, o nome Shawandawa e, no final, após a venda do produto, se tira as despesas e divide o lucro em partes iguais de forma justa entre a empresa e o povo. Nós estamos bastante satisfeitos e honrados por eles terem se sensibilizado com a nossa causa e por terem incluído a gente nesse projeto junto com os parentes Yawanawa, os parentes Ashaninka, os parentes Puyanawa”, concluiu.


 



Texto – Sandra Assunção
Fotos – Bruno Paulo