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No agro, um Acre em transição

Com a abertura da janela partidária, na prática foi dado início ao período eleitoral, pois as mudanças ocorrem basicamente em vista das possibilidades de alianças e candidaturas, portanto da perspectiva de vitória nas eleições vindouras. Espera-se um intenso troca-troca partidário. Janelas abertas para entrada e saída é o que não faltam. Se o jogo não começou efetivamente, pode-se com razão dizer que as peças estão sendo arrumadas no tabuleiro.


Toma força, a partir de agora, o debate público. As pautas estão sendo aos poucos filtradas e impulsionadas a depender do gosto e das condições de cada sigla ou ajuntamento previsto. Pesquisas se sucedem dando suporte a discursos variados e espelhando a preferência atual do eleitorado. Os discursos tendem a ser mais vigiados, cada lado buscará nos outros um motivo para ataque e desgaste. Parafraseando o grande Nelson Rodrigues, daqui pra frente “toda nudez será castigada”. 


Há  temas básicos que seguramente estarão na primeira fila do debate. Saúde, saneamento, infraestrutura,  educação, segurança, economia, agropecuária, floresta, indústria, comércio, geração de empregos… enfim, serão visitados os setores mais vitais da sociedade, alvos de políticas públicas em medidas e responsabilidades que variam, mas não dispensam a ação do Estado. Será tenso.


Acompanho mais de perto, por ofício, o chamado setor do agronegócio, sobre o qual foram depositadas muitas esperanças, já que outrora esteve, por assim dizer, em posição secundária nos planos governamentais. A “florestania”, como modelo de desenvolvimento de base florestal vigente por longos 20 anos, guardou para o desenvolvimento rural um lugar apertado por imposições legais e pela vontade política de quem via o setor agropecuário como frente predatória. “Não vamos rondonizar o Acre” era uma espécie de mantra que se repetia em todos os setores. Deu no que deu.


Numa análise ligeira da realidade atual e, como permite o espaço, sem maiores aprofundamentos científicos, pode-se dizer que incumbiu ao Governo Gladson Cameli, no que tange ao setor primário, não apenas redefinir suas bases conceituais, mas operar uma verdadeira mudança técnica e cultural, já que uma geração inteira de servidores públicos foi formada sob a perspectiva de que, como em Canaã, da floresta emanaria “leite e mel”. 


A tarefa, que não permite cavalo de pau, além de árdua era urgente porque a pobreza e o desalento não esperam. Além de árdua e urgente era em sentido contrário aos interesses globais sobre a Amazônia que são de imobilização. Consideremos ainda que, em termos políticos a gestão pública é um exercício permanente de transitar entre cristais, e que alterações seguidas nos arranjos administrativos (é do jogo) sempre repercutem nas instituições, no ritmo e na espacialidade das ações em curso, e temos um cenário de difícil gestão.


Se somarmos a isso a pandemia e seus efeitos na capacidade operacional das instituições, nas horas de trabalho efetivo, na continuidade de programas, na interlocução com organismos federais etc., não é demais dizer que a super-tarefa não poderia ser realizada completamente como se supôs de inicio. É preciso tempo e recursos.


Apesar de tudo, penso, estamos num processo virtuoso de transição. Há sinais consistentes de que é possível combinar no território múltiplas perspectivas de uso da terra. A produção recente de grãos (soja e milho) em grande escala vem atraindo investidores e animando a produção de frangos e suínos com vistas ao mercado externo, o rebanho bovino alcançou status de livre de aftosa sem vacinação, culturas como o café ressurgem na esteira do desenvolvimento rondoniense, enfim, tudo isso repercute no mercado local impactando positivamente desde a revenda de grandes máquinas agrícolas e insumos até a mão-de-obra direta, gerando emprego e renda efetiva.


Aquela “vocação florestal do Acre” continua sendo relevante, porém não exclusiva, pois como motor do desenvolvimento não resiste ao exame da realidade. Há lugar e necessidade de que todos os arranjos tenham impulso e contribuam para a geração de riqueza, desde que sejam organizadas observando-se a sua capacidade de resposta econômica e social. Neste ponto é crucial conhecer e valer-se do cabedal de informações já disponibilizadas pela EMBRAPA e instituições do próprio governo estadual.


Está justo e perfeito? Não, nem poderia. Há muito o que fazer. O bonde não anda sozinho, especialmente aquele ocupado pelos pequenos produtores, a chamada agricultura familiar. Para a transição virtuosa a que me refiro é imprescindível, além da dotação e manutenção da infraestrutura, o aporte de capital e tecnologia entre aqueles que por suas condições mesmas não possuem acesso efetivo e oportuno.


Fui buscar em meus alfarrábios um artigo científico que publiquei na Revista da Sociedade Brasileira de Economia Rural – SOBER, há 29 anos, juntamente com meu orientador, o grande cientista e professor paquistanês Dr. Ahmad Saeed Khan. Obtive como resultado na época, que “os pequenos estratos de área, que pressupõe-se representarem a terra empossada de algum modo pela fronteira camponesa, oferecem uma maior resposta em termos de produção a uma dotação (Ceteris paribus) de capital do que os grandes estabelecimentos que, também, por pressuposição, representam a terra empossada pela fronteira capitalista”.


Ouso repetir hoje, como há quase 30 anos, que a viabilização do pequeno produtor (menor que 100 ha) que ocupa 83% dos estabelecimentos rurais do Acre e quase metade da área total, passa necessariamente por um trabalho persistente de dotação e manutenção de infraestrutura, estradas, armazéns, fomento e uma mudança tecnológica arrojada, o que está sendo agora realizado pelo governo através da Secretaria de Produção e Agronegócio – SEPA/AC e suas vinculadas. 


Capital na forma de intensa mobilização de máquinas e implementos visando a recuperação e preparação de áreas alteradas/degradadas, diminuindo assim a pressão sobre a floresta, na construção de tanques e açudes para piscicultura, na instalação de máquinas e equipamentos para beneficiamento da produção etc. O propósito é condicionar a propriedade para uma exploração intensiva e altamente produtiva. Quando possível, com agregação de valor via industrialização, padronização e melhoria da qualidade do produto. Em perspectiva, a necessária contratação de dezenas de técnicos de várias disciplinas para reforço das equipes dos escritórios locais dos órgãos do setor.


Neste contexto, é fundamental, dada a carência crônica de recursos orçamentários, a disposição dos parlamentares no sentido de apontar suas emendas, sejam individuais ou de bancada, para o fortalecimento do setor. No último exercício, diga-se, a SEPA/AC recebeu um aporte financeiro significativo, o que lhe permitiu preparar um plano de ação consistente, mas ainda insuficiente. Precisamos mais. É crucial para os próximos anos promover a definitiva inserção do Acre em um itinerário de desenvolvimento rural que, aproveitando suas múltiplas potencialidades, seja efetivamente gerador de riqueza, especialmente para os pequenos produtores.



Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no site ac24horas e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do Puggina e outros.