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Um poema para a Ucrânia

Decorridos quase três anos desde que, generosamente, este site ac24horas me cede o espaço de uma coluna semanal – já são 128 artigos publicados às sextas-feiras,  nunca tive qualquer dificuldade para encontrar um tema que justificasse uma reflexão, uma opinião. Infelizmente, isto ocorre hoje. Não estou com “cabeça” para outra coisa senão para a invasão russa na Ucrânia. Pior, não tenho nada a dizer a respeito que não tenha sido dito com muito mais autoridade e clareza por grandes jornalistas e analistas, congestionando os sites de notícias e as redes sociais.


É claro que há outras coisas acontecendo. A esquerda brasileira, por exemplo, resolveu arreganhar os dentes contra a religião invadindo templos e igrejas, os comunistas mostraram sua face tenebrosa comemorando a liberação do aborto aos 6 meses de gravidez na Colômbia, o PT no Senado indiretamente apoiou o Putin culpando os EUA (depois substituiu a nota asquerosa), a extrema esquerda sonha com a restauração do império russo sob inspiração coletivista, a Câmara dos Deputados aprovou a liberação de jogos no Brasil, Bolsonaro dará aumento apenas à PRF, o STF está votando o fundão eleitoral, tem pesquisa eleitoral recente no Estado…  A rigor, não falta assunto, eu é que estou deprê.


Então, enquanto teimava com o teclado diante da tela em branco, tentando eleger um alvo para abordar, me veio de súbito a lembrança de um poema de Fernando Pessoa, sob o pseudônimo Alberto Caeiro. O mais importante poeta da língua portuguesa escreveu em 1917:



A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,


A guerra, que aflige com os seus esquadrões o Mundo,


É o tipo perfeito do erro da filosofia.


 


A guerra, como tudo humano, quer alterar.


Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito


E alterar depressa.


 


Mas a guerra inflige a morte.


E a morte é o desprezo do Universo por nós.


Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.


Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.


 


Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.


 


Tudo é orgulho e inconsciência.


Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.


Para o coração e o comandante dos esquadrões


Regressa aos bocados o universo exterior.


 


A química direta da Natureza


Não deixa lugar vago para o pensamento.


 


A humanidade é uma revolta de escravos.


A humanidade é um governo usurpado pelo povo.


Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.


 


Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!


Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem,


Paz à essência inteiramente exterior do Universo!



Se Fernando Pessoa publicou este poema no ano da revolução russa, como se antecipasse a tragédia que se seguiria, o que diria hoje diante de um conflito bélico que ameaça escalar a níveis globais, tendo como mesmo ator a Rússia? Penso que se repetiria. Fernando Pessoa desprezava todas as guerras, elas lhe pareciam estúpidas fundamentalmente porque, ao cabo, são inúteis.



Valterlucio Bessa Campelo escreve todas as sextas-feiras no ac24horas e eventualmente em seu blog, no Puggina e em outros sites liberais e conservadores