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Shows e eventos voltam a impulsionar noite do Acre

Quase dois anos depois de vivenciar um dos momentos mais críticos da história da humanidade, a população do Acre vem retomando aos poucos a vida como ela era antes da pandemia do novo coronavírus. Prova disso é a volta dos shows e eventos com capacidade para grande público, que foram recentemente liberados e começam a ser divulgados na capital, Rio Branco. O setor de eventos foi o primeiro a parar suas atividades no pico da pandemia e o último a reabrir as portas, o que gerou um prejuízo de mais de R$ 100 milhões aos empresários da vida noturna só no estado.


Trabalhar no período noturno é para quem gosta do que faz. O último um ano e seis meses durou uma verdadeira eternidade para aqueles que dependiam exclusivamente de shows e eventos de médio e grande porte para manter o sustento da família e dos funcionários. Cada empresário acreano desse ramo emprega pelo menos 150 pessoas a cada trabalho. Após um longo período de dificuldades, a categoria começa a ver uma luz no fim do túnel agora, com a flexibilização das regras sanitárias impostas pela Covid-19.


Leôncio Castro, de 41 anos, é um dos mais tradicionais empresários atuantes no setor de eventos do Acre. Apesar de todos os pontos negativos ocasionados pela pandemia, um sobressaltou de forma positiva. A crise econômica fez com que os empresários se reunissem e criassem a Associação de Bares, Restaurantes, Buffet e Eventos do Acre (Abrace), da qual Leôncio está como presidente, com objetivo de encontrar soluções para os problemas que se depararam nos últimos meses. Até então, o estado não possuía nenhuma entidade focada nesse segmento empresarial.


Para ele, a retomada dos grandes eventos representa esperança para centenas de pessoas que ficaram por quase dois anos sem trabalhar. “Nosso segmento foi o mais afetado. Fomos os primeiros a parar e os últimos a voltar”. Castro diz que os prejuízos deixados pela proibição dos eventos são incalculáveis. “No meu caso, que sempre trabalhei com isso, de repente não sabia o que fazer. Nos primeiros meses existia uma reserva para me manter, manter colaboradores, mas o que aconteceu foi algo que nunca passou pela minha cabeça que poderia acontecer. Em alguns momentos vejo o desespero”, lamenta.


Os jovens empresários André Borges e Bernardo Franklin compartilham o mesmo sentimento. André é sócio de um dos maiores espaços de festas no estado, o Maison Borges, e proprietário de uma das principais produtoras de eventos. Bernardo comanda as maiores festas e eventos eletrônicos na capital acreana com sua produtora Berenight Eventos e a festa Tribe Beat Music Festival. Ambos se mostram aliviados com a liberação para o retorno de suas atividades.



“A categoria simplesmente não se manteve. Os empregados foram demitidos pelos empresários e viviam de auxílio emergencial. Aconteceram algumas ações na pandemia, mas só conseguimos manter muitos dos funcionários com ajuda de doações que conseguimos em ‘lives’. Ajudamos muitos os músicos, técnicos de som. Nós [empresários] fomos pegando dinheiros do nosso bolso mesmo e pagando aluguel de um, de outro”, relata representante da Tribe Beat.


Dificuldades


O badalado setor econômico de eventos representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) a nível nacional, uma verdadeira cadeia de serviços que são gerados, direta e indiretamente, Brasil afora e que emprega milhares de pessoas. Uma classe extremamente consolidada, mas que foi praticamente abandonada quando o mundo estava sob a ameaça de um vírus. “Nos sentimos, de certa forma, abandonados pelas autoridades públicas na pandemia”, afirma Bernardo.


Os governos de Minas Gerais e São Paulo criaram programas específicos para subsidiar os trabalhadores desse ramo, diferente do que ocorreu no Acre e outros estados, que não dispuseram de suporte financeiro ao setor de eventos.  O presidente da Abrace confirma que muitos colegas fecharam as portas. Os empreendimentos históricos de nossa cidade não conseguiram sobreviver à pandemia. Não existiu políticas públicas ao setor”.


Leôncio revela que teve de vender sua caminhonete para poder voltar a atuar, após usar toda a reserva financeira que mantinha em meio à crise da Covid-19. “A família foi fundamental para poder aguentar a pressão psicológica. Você pensa muita besteira. Comecei a sofrer de ansiedade e engordei 36 quilos durante os meses que passei em casa. Tomo remédio controlado até hoje”, assegura.


Prejuízos financeiros


Além dos danos psicológicos decorrentes da pandemia e dos problemas sociais, essa categoria ainda está tendo de lidar com prejuízos milionários somados durante esses quase dois anos. A Maison Borges deixou de receber mais de R$ 1,5 milhão só em aluguel de espaço para eventos, o que representa aproximadamente quase R$ 100 mil por mês. “A minha empresa teve de parar de fazer todos os tipos de eventos. Não podia alugar o espaço. Calcular em reais é meio difícil, mas mais ou menos deixamos de faturar com aluguéis na faixa de R$ 90 mil mensais”, explica André.



O grupo empresarial encabeçado por Bernardo Franklin, que é tesoureiro da Abrace, conta com o trabalho de parceiros, um cuidando da mídia, outro do bar, e assim em diante. Eles avaliam que nesses quase dois anos perderam R$ 2 milhões de faturamento dos eventos eletrônicos. “Se a gente for contar com a ExpoAcre, que também não ocorre, esse número chega a mais de R$ 5 milhões perdidos por ano. A gente se virou como pôde, mas dizer que a gente teve renda, nós não tivemos nesses últimos anos”.


Entre os eventos produzidos pela Berenight, estima-se que a empresa perdeu a circulação de pelo menos 30 mil pessoas durante o período mais crítico da pandemia, contando com Carnaval, Expoacre, Réveillon, shows e baladas eletrônicas. Juntando o montante que foi perdido por cada empresário local da noite, a Abrace calcula mais de R$ 100 milhões que poderiam ter sido movimentados e distribuídos entre o setor não foi a crise sanitária.


“Só de Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), o estado deixou de arrecadar cerca de R$ 30 milhões do setor de serviços de uma forma geral”, destaca o empresário Leôncio Castro, ressaltando que o setor de serviços e bebidas alcoólicas representa R$ 35 milhões de arrecadação de ICMS ao Acre.


Retomada delicada


Mesmo que esteja sendo um momento de alívio para boa parte dos empreendimentos locais, o retorno das atividades não ocorre com muita facilidade. “O que aconteceu para o nosso segmento foi muito difícil, está sendo difícil. Mesmo sendo o segmento que melhor responde à geração de empregos, uma vez que nosso setor tem resposta rápida, fomos muitos perseguidos, de certa forma até marginalizados”, diz Castro.



O empresário conta que chegou a chorar em alguns momentos por não poder fazer nada diante do problema. “Me sentia de mãos atadas, foi quando nos reunimos e fundamos a Abrace. Hoje, graças a Deus, as coisas estão mudando. O poder público começou a nos ouvir, pois nosso setor é gigantesco e estamos unidos, nós sentimos a necessidade dessa união porque era inadmissível a forma como um segmento do tamanho do nosso estava sendo tratado”.


Borges relembra que em sua empresa cada um passou a tentar sobreviver da sua maneira, inclusive tendo êxito. “Um amigo que trabalhava em eventos comigo ficou sem trabalho e teve a ideia de montar uma doceria na pandemia. O negócio dele se tornou muito bem sucedido e a doceria foi um sucesso”. Porém, havia outras pessoas que só tinham espaço de trabalho à noite, como seguranças, recepcionistas, baristas, garçons, cozinheiros e ajudantes de limpeza.


“A rede de empregos gira em torno de muita gente, desde as que vendem cachorro-quente [na entrada dos shows], bombons, muitas não tiveram saída e passaram necessidades. No início a gente achou que essa pandemia não duraria muito tempo. Ajudei algumas pessoas durante muito tempo, ajudei da forma que eu pude, mas foram quase dois anos muito difíceis”, argumenta.


Um evento de grande porte realizado em Rio Branco, por exemplo, mobiliza entre 120 a 150 funcionários. Por conta da pandemia, todas elas ficaram desempregadas. “Funcionários diretos mesmo, tenho poucos, mas indiretos, que trabalham nesses grandes eventos, tenho muitos, e a maioria ficou sem trabalho pelo fato de estarmos podendo atuar naquele momento”, reforça André.


Bernardo lembra que não fosse a luta dos empresários pelo retorno das atividades, não seria possível o setor de eventos estar funcionando neste momento. “Nós queremos ser vistos com carinho por parte do poder público, somos trabalhadores e empresários da noite, e empregamos muita gente, desde a pessoa que vende o bombom na festa, até os seguranças”.


Membro e ícone da vida noturna acreana


O fotógrafo e colunista social James Pequeno é um ícone da vida noturna acreana. Sempre presente nos mais variados eventos, é figurinha carimbada quando o assunto é festa. Assim como os demais profissionais da noite, ele também teve a sua impactada negativamente com o advento do coronavírus. “Perdi inúmeros trabalhos, pois fazia todos os eventos e shows, tinha todo final de semana um extra para fazer”, comenta.


Pequeno viu muita gente ter de se reinventar para conseguir manter o sustento de casa. “Foi difícil. Quem tinha suas economias, se deu bem de certa forma. Mas outras pessoas, se não fosse o auxílio emergencial, estavam passando fome. Tivemos que nos reinventar”, relata. Para ele, a retomada dos shows, por exemplo, representa emprego: “muita gente depende disso. São os vendedores de ingressos, os ambulantes, empresas de segurança e comércio em geral”.


Conhecedor profundo do trabalho nas noites de Rio Branco, James se sente mais aliviado após o pico da pandemia ter passado. “Agora posso voltar a pagar minhas contas que ficaram paradas na pandemia. Era um ganho que, de certa forma, me mantinha. Aí depois foi só com o auxílio e divulgações na internet”.


Nesse momento, o fotógrafo afirma não pensar mais no futuro. “Para mim, o futuro é sempre o presente, vivo a cada dia como se fosse o último, a cada dia podemos esperar surpresas. Mas com a população se vacinando e tendo os cuidados, creio que a vida vai melhorar e vamos viver mais”.


Celebrar com trabalho


Passado o pior momento desde a chegada do coronavírus ao Acre, os empresários só pensam em poder trabalhar ainda mais, gerar emprego e renda. “Passamos quase dois anos sem fazer o que a gente mais gosta, que é levar diversão e felicidade para as pessoas. Me sinto realizado, podendo trabalhar e fazer o que eu gosto. Espero que todos tenham saúde e que daqui para frente essa doença acabe de vez e que todos possam trabalhar”, diz Borges.


Franklin ressalta o fato de poder pagar os colaboradores. “Tem muitas famílias que dependem da gente. Até conseguirem aprovar o decreto de retomada das atividades, ficamos um ano e seis meses sem fazer nada. A flexibilização com a vacinação é o que a gente precisava para retomar os eventos”. As festas produzidas pela Tribe Beat estão cobrando a imunização dos participantes contra os efeitos da Covid-19 e o organizador se diz ciente dos critérios da flexibilização das regras sanitárias. “No meu grupo, quem não se vacina, não entra nos nossos eventos, a gente deixa isso bem claro a todos e esperamos que daqui para frente possamos ser olhados com mais carinho e que as pessoas  valorizem um pouco mais o nosso trabalho”.


A Tribe foi, inclusive, a primeira a realizar eventos após a flexibilização da saúde. “Fomos até criticados por alguns, mas a situação estava insustentável. Existem pessoas que dependem da gente, uma cadeia de emprego que gira em torno de nós e nos sentimos responsáveis, de certa forma, por isso”, cita Bernardo, que só almeja poder trabalhar em segurança a partir de agora.