Ganhou as manchetes jornalísticas a discussão da PEC-135 que estabelece a auditabilidade das urnas eletrônicas, mediante a impressão do voto. Como tudo que o presidente Bolsonaro defende vira alvo imediato de crítica de seus opositores, que há muito largaram a lógica e o bom senso para trás, é preciso gastar um tantinho de espaço para explicar 2+2=4. Paciência.
Vamos lá. Como previsto para as próximas eleições, repetindo o sistema de 2018, o sistema funciona assim: O eleitor acessa a urna, escolhe seu candidato, tecla o número correspondente, reconhece-o na foto que aparece na tela e aperta CONFIRMA. Pronto. O sujeito vai pra casa e aguarda o resultado. O TSE pega a coisa toda, contabiliza e anuncia o vencedor. Fácil e rápido. Mas, pergunta-se qualquer cidadão lúcido, será que aquele resultado corresponde aos votos efetivamente dados aos candidatos? Lascou. Não tem como saber. É confiar no Sistema e pronto.
Pois é. Não é de agora que o povo e muitos parlamentares suspeitam do Sistema. Quem garante que entre a votação e a proclamação dos resultados o sistema é infalível, 100% seguro e absolutamente defeso à fraude? Segundo o presidente do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, quem garante é ele mesmo. Há quem ache pouco e há quem, como eu, não confie nadinha nele. Queremos auditabilidade, transparência.
Lembremos que o sistema que o TSE julga infalível e moderno, tanto que no mundo inteiro apenas 3 países o utilizam e nenhum país sério sequer cogita utilizar, já foi alterado em Lei anterior julgada inconstitucional pelo STF, forçando o que agora está em curso que é a votação do relatório da PEC 135. Mas, o que pretende a nova proposta? Explico.
Quer acabar com o voto eletrônico? Não. Continua do jeito que é hoje em dia. Quer um “canhoto” do voto para o eleitor levar pra casa? Não. O eleitor nem toca no voto impresso. Quer o quê? Quer que o voto seja impresso, que você verifique se “bate” com seu voto eletrônico, que caia em uma urna física e fique lá aguardando o final da votação para apuração que será feita na própria seção eleitoral, sob as vistas dos interessados – eleitores, partidos e justiça eleitoral. Ao cabo, a totalização das urnas físicas tem que coincidir com a totalização eletrônica do TSE. Simples.
Trocando em miúdos, em termos de segurança para o eleitor é a diferença entre passar o cartão em uma compra com ou sem emissão do recibo. Ou, em outro caso, é como você jogar na loteria e receber o bilhete com os números do jogo ou ir pra casa sem nada e aguardar um telefonema da Caixa dizendo que você ganhou. Simples assim. Uma versão bem humorada, imperdível, mostrando perfeitamente a diferença você pode ver AQUI.
Pois bem. Quem se insurge contra o voto auditável? Ora, por óbvio, só pode ser quem pretende manter o segredo da apuração e, com ele, o poder do contador dos votos, o que faz lembrar o genocida comunista (desculpem o pleonasmo) Joseph Stalin, que se preocupava mesmo era com quem contava os votos e não dava a mínima para os eleitores.
Explícito e contundente na defesa do voto auditável, o presidente Bolsonaro vem sendo bombardeado. Nos últimos dias afirmou que, sem a mudança no sistema eleitoral, as eleições certamente serão fraudadas. Diz isso observando os esforços judiciais e midiáticos em restaurar para as eleições o ladrão-solto. Não duvido nada. Quando Zé Dirceu disse em entrevista ao jornal El País, que tomaria o poder e isso não tinha a ver com ganhar as eleições, não estava falando de anjos brincando nas nuvens.
O sistema de votação tomou importância gravíssima no debate público. O troço chegou ao ponto de ministros do STF procurarem, na Câmara dos Deputados, enterrar a PEC antes que fosse levada ao plenário em um verdadeiro estupro da independência entre os poderes da república. Antes, o Ministro Barroso cometeu barrosidades em campanha midiática de fazer um homem honesto corar de vergonha em francês, inglês e espanhol. Curiosamente, alguns deputados e senadores que antes se pronunciaram pelo voto auditável, repentinamente se viraram contra. Nem ouso especular sobre as nobres razões da mudança de posição.
Mediante a postura truculenta do TSE/STF, a questão vem tomando corpo e feições de conflito grave. Já nesta quarta-feira, Bolsonaro disse que nas eleições de 2014 Aécio Neves foi eleito e, ontem, disse que sem a garantia de eleições limpas poderá nem haver o pleito. O ex-candidato tucano, cuja longa cauda está presa em nó cego no STF, correu para desdizer o que dissera antes. Hoje tem plena confiança nas urnas. Talvez porque o TSE apurou que o TSE nunca erra. Para essa gente, tudo ao Rei é tudo mesmo, inclusive a honra, desde que suas penas sejam anuladas ou seus crimes prescrevam, como já é de costume na alta (?) Corte do país.
Esquecem os parlamentares que a possibilidade de fraude ameaça a eleição de todos, incluindo governadores, senadores e deputados. Delegar ao TSE toda a autoridade sobre o processo eleitoral é assinar um papel em branco para seu presidente e diretores. Quem confia tanto nessa gente? Você entregaria cegamente às urnas e seu resultado a quem revirou a Constituição Federal pelo avesso para acabar com a prisão em segunda instância, dar fim à operação Lava Jato e soltar das prisões o quadrilhão que governou o Brasil? É disso que se trata, perdemos a confiança no sistema e no Sistema, se é que me entendem.
Alguns políticos e jornalistas, trabalhando em modo acusar Bolsonaro, saem com frases do tipo “mas ele ganhou com esse sistema, como acha que foi fraudado?”, ou então, “ele quer um pretexto para não aceitar a derrota”. Ora, ora. Não fossem tão inteligentes como sei que são, lhes caberia uma pecha bem desairosa. Justamente por ter ganhado as eleições com esse sistema é que Bolsonaro, mais que qualquer outro, tem legitimidade para argüir a sua precariedade, fosse um derrotado, seria chamado de lamurioso. De outra parte, não é que não queira aceitar uma eventual derrota, é que a derrota tem que ser real, verdadeira, espelhar a vontade do povo de modo transparente e indiscutível, e não resultado do comando ENTER de um ministro politicamente engajado, na posse do computador do TSE.
Alguns dizem que nunca houve provas de fraude nas urnas eletrônicas. Não mesmo? Veja AQUI uma análise técnica que demonstra a alta inconsistência do processo, o que significa, pelo menos, a possibilidade de fraude. Aliás, nem é obrigação do eleitor, ou candidato ou partido provar qualquer fraude, mas do TSE provar que ela é impossível, o que nunca aconteceu. Me desculpem as criaturas de boa-fé, mas, no Brasil, se algo pode ser fraudado, pode apostar que em algum lugar isto está ocorrendo.
Por fim, vejam os leitores que nem toquei na questão jurídica mesma do voto eletrônico, não trato da aplicação do princípio da publicidade inerente à apuração eleitoral como ato administrativo. Para que compreendam o assombro da urna brasileira, peço encarecidamente que vejam NESTE VÍDEO, uma aula extraordinária de direito, proferida no plenário do Senado Federal pelo Procurador do MP do Mato Grosso do Sul, Dr. Felipe Gimenez. Ele não deixa pedra sobre pedra ao esfregar nas “ventas” tortas da justiça eleitoral o dano imposto pelo atual processo que, no mínimo, põe em risco a vontade do povo e o resultado da sua manifestação popularmente conhecida como democracia.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas e eventualmente no seu BLOG