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Um pouco sobre o Fundo Amazônia

Valterlucio Bessa Campelo


Repentinamente, o Fundo Amazônia tomou as manchetes do noticiário. A tecla do pânico acionada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, que denunciou um supercrescimento da taxa de desmatamento na região. “Fogo na floresta!” gritaram os devotos da igreja do aquecimento global antropogênico. Ouvido no outro lado do Atlântico, o grito fez os países doadores (Alemanha e Noruega) anunciarem o bloqueio das verbas, forçando uma revisão da postura governamental brasileira.


Daí pra cá, através da imprensa, o pau dos ambientalistas cantou no lombo do Bolsonaro que em reação biliar, como sempre, menosprezou as doações alemãs e jogou na cara dos noruegueses o sangue das baleias mortas com autorização daquele país. Enfim, a tensão elevou-se e, por enquanto, não há entendimento.


Os governadores da região acusaram o golpe. Através do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, os nove governadores emitiram uma nota em que lamentam o imbróglio e informam a disposição para um diálogo direto com os países envolvidos. Cogitam dispensar a mediação do governo federal, incluindo a transferência da gestão do Fundo, do BNDES para o BASA. A ideia parece ser aproveitar o momento para um freio de arrumação e preservar a fonte de recursos. No fogo cruzado de acusações, muitas desinformações.


O que é o Fundo Amazônia? Assinado por Joaquim Levy, presidente do BNDES à época, o relatório de 2018 esclarece: “O Fundo Amazônia é um mecanismo de financiamento climático baseado no conceito de pagamento por resultados obtidos na redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento”. Traduzindo ao nível elementar, o fundo paga por projetos cujo resultado objetivo seja a redução das queimadas na Amazônia. É, portanto, um endosso da tese do aquecimento global antropogênico (causado pela atividade humana).


Quanto foi transferido em doações? Em 10 anos de existência o Fundo recebeu R$ 3,4 bilhões, sendo 93,8% provenientes do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha, por meio do KfW Entwicklungsbank, e 0,5% da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). Do total (3,4bi), 1,9bi foram comprometidos e 1,1bi foram executados em 10 anos – não é assim tanto dinheiro (equivale a 3 meses de bolsa-família na região).


Para onde vão os recursos? O relatório de 2018 esclarece: Foram 38% para o terceiro setor (ONG’s etc.); 31% para os nove estados; 28 % para a União e 3% para universidades, municípios e projetos internacionais.


Quais os resultados obtidos? Segundo o relatório, 746 mil imóveis rurais foram inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR); 162 mil pessoas foram beneficiadas com atividades produtivas sustentáveis; 687 missões de fiscalização ambiental foram efetuadas; 465 publicações científicas ou informativas foram produzidas; 65% da área das terras indígenas da Amazônia foram apoiadas. Ao todo, 338 instituições foram apoiadas financeiramente (diretamente e por meio de parceiros).


Em termos finalísticos, ou seja, de redução do desmatamento, portanto, de queimadas e consequentes emissões de GEE, como pretende, o relatório decepciona “quando se compara a taxa de desmatamento de 2018 à de 2009 (linha de base), verifica-se que nesse período houve um aumento de 6% da taxa de desmatamento. Por outro lado, quando se compara a média do desmatamento anual ocorrido no período de 2010 a 2018 com a linha de base do Fundo Amazônia (2009), constata-se que houve uma queda de 14% da área desmatada nesse período”. Dependendo do ano-base, se tem uma maior ou menor redução na taxa de desmatamento.


Então, ficamos assim. A meta para 2020 é 3.925km², mas o resultado em 2017/2018 é quase o dobro (7.536 km²), vale dizer, nos próximos dois anos será necessário uma queda vertiginosa, o que, para qualquer inteligência é algo, no mínimo, improvável. Daí que, ao se depararem com o aumento de 50% no alerta do INPE, os ecologistas queimaram a garganta na gritaria de sempre. A culpa tem como endereço o novo governo que, ao criticar o ambientalismo exacerbado vigente em relação à Amazônia, teria sinalizado positivamente aos devastadores que em 7 meses, em período chuvoso de janeiro a maio, danaram-se a desmatar e queimar a floresta ilegalmente. Acredite se quiser.


Em meio à disputa midiática sobre culpas, demissões, dados, interpretações e conjecturas, penso que cabe razão aos doadores em bloquear as transferências. O motivo razoável e flagrante é que, pelo menos até aqui, com ou sem Bolsonaro e Ricardo Salles, o Fundo Amazônia fracassou, ou seja, o conjunto de projetos que o BNDES recebeu, analisou, aprovou, financiou e acompanhou não entregou o que prometeu – a meta de redução. Explicando o fracasso, um analista listaria as seguintes hipóteses: 1) A meta foi superdimensionada; 2) Os projetos financiados eram incapazes de produzirem os resultados esperados; 3) Os projetos foram mal executados; 4) Tudo isso junto. Mesmo sem uma análise minuciosa, arrisco a última alternativa.


Imaginemos uma meta de desmatamento zero em toda a Amazônia. Oba! Alguém ganhará um Nobel. De que forma isto poderia ocorrer? Dado que ninguém derruba árvores “por esporte”, ocorreria se e somente se surgisse uma total desnecessidade econômica, que por sua vez só pode resultar do desenvolvimento de economias substitutas, geradoras de emprego e renda, afinal, são mais de 20 milhões de pessoas vivendo na região pressionando o meio ambiente de várias formas. O raciocínio vale para qualquer meta de redução de desmatamento.


Infelizmente, os projetos financiados pelo Fundo Amazônia foram e são, por sua própria natureza e pelo volume de recursos empregados, incapazes de gerar essas economias. Seus melhores projetos dizem respeito ao controle e monitoramento, de resto, muito pouco pode ser apontado como realmente criador de alternativas rentáveis fora de determinados nichos muito específicos. Alguns, aliás, são inócuos.


Então, é o caso de se afirmar que, se a Noruega e a Alemanha pretenderam, com 3,4 bilhões de reais (1,1 bilhões executados) e aquela carteira de projetos promover a alteração da realidade amazônica ao ponto de reduzir as taxas de desmatamento aos níveis de 3,9 mil km² e, com isto, cumprir metas de emissões condizentes com seus compromissos internacionais, se deram mal. No Brasil, o CO² é mais embaixo, diria um amigo.


Vendo a fonte secar, algumas organizações entraram em desespero. Compreende-se. Governos estaduais na pindaíba e ONG’s militantes não são exatamente poços de eficiência, eficácia e efetividade da aplicação dos recursos, quase sempre suas boas intenções e o “interesse coletivo” bastam como justificativa. Então, como “do cavalo dado não se olha os dentes” todos querem mais é que o Fundo Amazônia se expanda, afinal, dinheiro 0800 e repercussão positiva na mídia nunca sobram.


Em sério, o momento atual deve ser aproveitado para uma profunda revisão dos termos em que o Fundo Amazônia intervêm na região. Penso que a Amazônia deve ser explorada, incluindo desmatamentos, sempre nos limites do mínimo necessário e do máximo eficiente. Neste sentido, os recursos, sempre bem vindos, precisam ser ajustados a metas de desenvolvimento factíveis e a uma modelagem que os faça incidir sobre atividades realmente transformadoras. Vale dizer, continuar o Fundo a servir de colchão financeiro para ONG’s militantes e seus projetos alternativos, e de parceiro para alguns governos simpáticos é bonitinho, mas não resolve o problemão.


PS. Recomendo aos interessados ler atentamente o último relatório do Fundo Amazônia (www.fundoamazonia.gov.br), os relatórios dos projetos e os contratos com as organizações participantes.



Valterlucio Bessa Campelo é Eng.º Agr.º, Mestre em Economia Rural e escreve todas as sextas-feiras no ac24horas