Estudantes protestam contra a aprovação do texto do novo Código Florestal nas comissões de Agricultura e Ciência e Tecnologia do Senado
(Antônio Cruz/Agência Brasil)
Em lugar do embate contraproducente, em que um lado só ganha se o outro perde, a busca de um consenso entre quem defende o aumento das áreas de produção e aqueles que defendem a conservação florestal soa como a saída mais inteligente. Ainda mais considerando que há uma miríade de instrumentos econômico-financeiros que pode ser usada, capaz de colocar as propostas consensuais em prática e unir gregos e troianos em torno de objetivos comuns e benéficos a todos.
Grosso modo, os ruralistas (defensores de flexibilizações no Código Florestal) alegam que o setor produtivo é prejudicado por pagar sozinho a conta da conservação, uma vez que pela lei precisam abdicar de terras para expandir seus negócios. Argumentam que, se a manutenção da floresta e dos ecossistemas é importante para a sociedade brasileira e para o meio ambiente global, por que a conta não pode ser rachada por todos os beneficiários?
Na outra ponta, defensores do atual Código Florestal mostram a importância da conservação, inclusive para a própria manutenção do agronegócio. Um meio ambiente degradado afeta o regime de chuvas, a estabilidade do solo, o equilíbrio climático, a biodiversidade que é fonte de toda a vida. Isso prejudica direta ou indiretamente -ou seja, mais cedo ou mais tarde -a própria atividade agropecuária e a oferta de alimentos.
Assim, criar maneiras de remunerar monetariamente os produtores que conservam sistemas florestais acena como saída para ambos os questionamentos, o econômico e o ambiental.
É nessa linha que o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) publicou seu mais recente documento: Reforma do Código Florestal: qual o caminho para o consenso? Contribuições para o Relatório da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal sobre a reforma do Código Florestal Brasileiro.
Trata-se de uma série de propostas que tem por base o pagamento por serviços ambientais, como forma de incentivo à produção combinada com a conservação. Trocando em miúdos, é uma maneira de os produtores não precisarem arcar sozinhos com os custos da conservação, ao mesmo tempo garantir que o Código Florestal continue como uma peça fundamental para que o Brasil alcance as metas de reducão de emissões, compromisso assumido internacionalmente na Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP 15) em 2009 -metas que foram incorporadas no ano seguinte na Política Nacional de Mudança Climática.
Essas propostas, como diz o nome, foram publicadas a título de contribuição à discussão sobre mudanças no Código -aprovadas na Câmara e que se encontram em debate no Senado Federal. Este debate tem provocado uma forte polarização entre a bancada ruralista, juntamente com o movimento SouAgro, e outro movimento que que se expandiu para fora do círculo dos ambientalistas, envolvendo a sociedade civil, academia científica, pesquisadores e também artistas e celebridades, como se pode ver no Floresta faz a Diferença (www.florestafazadiferenca.com.br)
“Para que tenhamos um Código Florestal atual e moderno é fundamental que a este sejam incorporados mecanismos de incentivos positivos que estimulem o cumprimento da função social e ambiental das propriedades rurais”, escrevem os autores. “Ciente de que é possível avançar no processo de diálogo com o setor agropecuário brasileiro, o Ipam vem desenvolvendo estudos sobre a implementação de um conjunto de medidas que poderiam viabilizar a regularização dos passivos florestais, com ganhos ambientais relevantes e reforço à proteção do que já existe de florestas e de outros biomas no País.”
Os pesquisadores aplicaram o cojunto de propostas à realidade do estado do Acre e concluíram que 100% do passivo atual de Reserva Legal do Acre pode ser regularizado sem reverter o que está efetivamente consolidado em áreas aptas à agropecuária de acordo com o ZEE.
“Um programa de pagamento por serviços ambientais (do governo federal ou estadual) com incentivos à compensação florestal e à implantação de sistemas agroflorestais nos pólos ou assentamentos agroflorestais do Acre pode resolver até 100% do passivo florestal remanescente, com ganhos econômico e socioambiental significativos”, afirmam.
Segundo eles, a mesma análise está sendo feita para outros estados amazônicos (no caso do Mato Grosso, já está pronta) e também pode ser desenvolvida para outros biomas.
O documento completo pode ser acessado em www.ipam.org.br/ipam/reforma-do-codigo-florestal:-qual-o-caminho-para-o-consenso , mas aqui reproduzo as 9 propostas do Ipam:
1) O que exceder a 50% de florestas nos imóveis rurais situados em municípios “verdes” ou em zonas de consolidação (do Zoneamento Econômico-Ecológico – ZEE) na Amazônia possa ser considerado ativo florestal para fins de compensação através de mecanismos financeiros tais como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), programas de pagamentos por serviços ambientais, Cotas de Reserva Florestal além do já previsto mecanismo de compensação de RL (Reserva Legal);
2) As APPs (Área de proteção Permanente) possam ser computadas integralmente na RL, desde que haja compromisso de recomposição de 100% das mesmas em até 10 anos;
3) O ZEE seja incorporado como instrumento chave para a consolidação de áreas já abertas, particularmente na Amazônia, mediante a redução da RL de 80% para 50%, em áreas desmatadas até julho de 2008. O ZEE deverá, contudo, ter sido aprovado por Lei estadual e atender aos parâmetros metodológicos definidos em regulamento da lei e homologados pelo governo federal;
4)A RL possa sofrer redução, na Amazônia, para 50% (independentemente do ZEE e nos casos em que as áreas já se encontram desmatadas antes de julho de 2008, ou seja, para fins de recomposição), nos municípios que possuem mais de 50% de seu território coberto por áreas protegidas – Unidades de Conservação (UCs) de domínio público e Terras Indígena (TIs)(Municípios Verdes);
5) O desmatamento feito de acordo com a lei vigente à época possa ser considerado consolidado, mediante comprovação com imagens de satélites, fotos aéreas ou laudos técnicos;
6) A data limite para a regularização mediante compensação de RL de áreas desmatadas, que hoje é dezembro de 1998, seja alterada para julho de 2008. Com isso será criado, somente na Amazônia, um potencial mercado de compensação de RL (a ser regulado) superior a 40 milhões de hectares (entre Floresta e Cerrado);
7) A compensação de RL com ativos florestais (servidão florestal) dentro do mesmo bioma poderá ser utilizada desde que em áreas consideradas prioritárias para conservação (pelos governos federal ou estaduais) e mediante mecanismos que garantam o seu monitoramento (remoto) efetivo e em tempo real pelos órgãos ambientais competentes;
8) A compensação de RL mediante recomposição florestal em outro imóvel poderá ser utilizada desde que em áreas consideradas críticas pelo governo federal ou estadual e dentro do mesmo estado. Hoje a compensação só é possível com ativos florestais existentes e não com recomposição florestal;
9) A recomposição da RL seja “flexibilizada” estritamente para agricultura familiar, segundo o conceito estabelecido pela Lei Federal 11.326, de 24 de julho de 2006.
Copiado de Terra Magazine