Subempregos, distância da família e persistência. Para driblar a fome, almoço e jantar na casa de amigos. Tudo isso [e muito mais] fazia parte da realidade vivida por Marina Belandi Scheffer, que hoje, aos 42 anos, colhe os frutos de uma vida repleta de esforço para concretizar um sonho de infância: se tornar advogada no Acre e superar as adversidades.
Apesar das dificuldades financeiras, desistir nunca foi uma opção para ela. Longe disso, o percurso cheio de obstáculos serviu para moldar seu estilo peculiar, humano e acolhedor de advocacia. Já o amor pela família a fazia acreditar num futuro promissor.
Primeira da família a alcançar ensino superior, Marina nasceu em Mariópolis (PR), mas mudou para o Acre ainda criança. Portanto, se considera uma verdadeira acreana. “Foi aqui que vivi a maior parte da minha vida e onde construí minhas memórias mais queridas”.
O caminho percorrido até o sucesso foi extremamente desafiador. “Meu pai era agricultor. Desde o início, enfrentei muitas dificuldades, tanto financeiras quanto pessoais. No entanto, a determinação e o apoio de amigos foram fundamentais para superar esses obstáculos”, afirma, destacando que a rotina exaustiva a acompanhava.
“Trabalhava de segunda a sábado em diversos empregos e subempregos para sustentar meus estudos e me manter. Além disso, fazia trabalhos extras sempre que possível para ajudar com os custos da faculdade. Essa carga de trabalho era pesada, mas necessária para alcançar meu objetivo”, esclarece.
Marina ressalta que o sonho de exercer a advocacia a guiou ao longo de toda a vida. Agora, com 15 anos de atuação na área jurídica, entende que a vitória é coletiva, de toda sua família, pela realização desse sonho.
Vida simples, sonho grande
“Minha infância no interior foi simplesmente maravilhosa, simples, porém incrível. Cresci em um ambiente cheio de liberdade e aventuras. As brincadeiras na rua, os quintais enormes onde podíamos brincar de tudo, e a ausência de televisão — que na época era uma grande modernidade – fizeram com que eu desenvolvesse uma imaginação fértil e uma forte conexão com a natureza”.
Uma das lembranças mais marcantes na infância da advogada foi a convivência com uma tribo indígena que frequentava. “As crianças indígenas eram nossas amigas, e essa interação cultural foi extremamente enriquecedora. Aprendemos muito uns com os outros, e essas experiências moldaram minha visão de mundo de maneira significativa”.
Na adolescência, mudou-se para a capital, Rio Branco, para continuar os estudos. “A vida na cidade trouxe novos desafios, mas também muitas oportunidades. Com 16 anos, precisava me sustentar para estudar. Trabalhei em um açougue. Esse foi o meu primeiro emprego e ajudou sustentar enquanto estudava”.
Trabalhar no açougue a ensinou muito sobre responsabilidade. “Começava às 6h da manhã e saía às 18h30. Em seguida, à noite, estudava. Foi uma experiência que me fez valorizar ainda mais cada conquista. Depois fui trabalhar em uma farmácia de manipulação, fui uma das primeiras funcionárias da Rosas Farma”.
Para Marina, todas essas vivências foram essenciais para seu desenvolvimento enquanto pessoa e, certamente, moldaram sua vida profissional para melhor. Nesse período, uma das formas que encontrou para seguir batalhando diariamente foi contar com o apoio de amigos de faculdade.
“Almoçava na casa de um amigo e jantava na casa de uma amiga, e assim ia levando. Essa rede de apoio foi crucial para que eu pudesse subsistir e continuar meus estudos. A solidariedade e o companheirismo desses amigos foram inestimáveis durante essa fase”, relembra.
Após essas situações, muita coisa mudou na vida da advogada. “Não consigo ver um colega em dificuldade e ficar parada. E foi assim que consegui concluir o curso de Direito. Depois, passar no exame da OAB foi um dos momentos mais gratificantes da minha jornada. Esse marco representou a concretização de anos de esforço e sacrifício. Como chorei”.
Superação e mercado de trabalho
As dificuldades que Marina Belandi enfrentou para alcançar seu objetivo foram muitas, desde financeiras, para pagar a faculdade, adquirir materiais de estudo, custear despesas diárias, e até mesmo para alimentação.
“Meu trabalho era de tempo integral. Não tinha ajuda financeira da família, pois não eles não tinham condições. Mas estar longe da família foi o pior, pois não tinha ninguém aqui em Rio Branco”.
Boa parte da infância, antes de ir para Rio Branco, ela viveu em Vila Nova Califórnia (RO), ao lado dos pais (Gema e Antônio Carlos) e dos irmãos (Mauro e Mariana). Uma fase repleta de memórias felizes e aprendizados valiosos.
“Estudei na escola professora Maria Jacira em Nova California e depois na escola Lindaura Leitão, em Rio Branco. Fui da primeira turma de Direito da Uninorte. Meu primeiro emprego como advogada foi muito interessante, pois não tinha experiência alguma”.
Uma amiga de faculdade ligou para ela afirmando que a irmã estava saindo do escritório e assim tinha uma vaga como advogada em aberto. “Fui lá, justamente um dia após receber a tão sonhada carteira da OAB. Fui contratada. Meus Deus! Sem experiência, lá estava eu, fazendo ações para bancos. O escritório era especialista em cobranças bancárias. Era uma mistura de emoção e medo. Mas vamos com medo mesmo. Fazia ações de busca e apreensão, reintegração de posses de veículos”.
Em 2014, Marina Belandi passou a fazer parte da Comissão de Assistência e Prerrogativas da OAB Acre. Por mais de uma década, atuou na Ordem, onde chegou a alcançar a vice-presidência.
“Ter meus pais presentes na minha formatura foi um momento de grande orgulho. Esse evento simbolizou a vitória coletiva de nossa família e a realização de um sonho que foi construído com muito esforço e dedicação. A presença deles foi uma recompensa inestimável e uma fonte contínua de inspiração para minha jornada futura”.
Casada com Denis Santos, tem um filho, Ângelo, através da maternidade socioafetiva. “Ângelo é filho do meu irmão e chegou para mim quando ele tinha 5 anos de idade. A chegada dele na minha vida foi inesperada e desafiadora. Naquele momento, eu não tinha condições de receber uma criança, mas aceitei o desafio de ser mãe. Essa experiência me ensinou muito sobre amor incondicional e a importância de estar presente para aqueles que amamos”.
Atualmente, Belandi trabalha na área do Direito de Família, Penal e Execução Penal. Para aqueles que também sonham com o Direito, mas se encontram em meio as dificuldades, ela aconselha: “a primeira e mais importante é acreditar em sua capacidade de alcançar seu objetivo. A confiança em si mesmo é a base sobre a qual você construirá seu sucesso. Desistir não é opção. A jornada para se tornar advogada pode ser longa e cheia de obstáculos. Desenvolva resiliência para superar os desafios e persistência para continuar avançando, mesmo quando as coisas ficarem difíceis”.
A profissional assegura que manter sempre altos padrões de ética e integridade é essencial. “A confiança e o respeito são fundamentais na profissão jurídica, e sua reputação será um dos seus maiores ativos. Mandela, um dos advogados mais influentes da história, enfrentou enormes adversidades e injustiças. Sua determinação e compromisso com a justiça são um exemplo poderoso de como a persistência pode levar a grandes feitos. Ruth Bader Ginsburg, ex-juíza da Suprema Corte dos EUA, enfrentou discriminação de gênero e outras barreiras ao longo de sua carreira. Sua dedicação e luta por direitos iguais são uma inspiração para todos os aspirantes a advogados. Continue acreditando em si mesmo, buscando conhecimento e aproveitando todas as oportunidades que surgirem. Seu esforço e dedicação serão recompensados”, conclui Marina Belandi.