Enquanto o vírus chinês cumpre seu itinerário de desgraça, tramita na Câmara de Vereadores do município de Rio Branco, um espantoso Projeto de Lei cuja autoria me dispenso de mencionar, que tem como objetivo nada mais nada menos do que “instituir e definir como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo do município de Rio Branco”. Em seu artigo 2º, o PL Nº54 de 2019 é taxativo. “Fica vedado o uso e o armazenamento de quaisquer agrotóxicos sob qualquer tipo ou mecanismo ou técnica de aplicação, considerado o grau de risco toxicológico dos produtos utilizados na parte insular do município de Rio Branco”. A partir daí seguem outras “pérolas”.
Não se sabe em que base científica o PL foi apresentado, nem a que pressupostos atende mas, sem dúvida, é algo que merece a atenção da sociedade e um debate que esclareça o que representa para a produção agrícola. Não basta posar de ecologista, é preciso entender e medir o resultado concreto da ação e a população não pode aceitar passivamente o estapafúrdio disfarçado de moderninho.
Em termos sucintos se pode definir defensivos agrícolas como produtos químicos, físicos ou biológicos usados na agricultura para o controle de seres vivos considerados prejudiciais à lavoura. Sua função é proteger a agricultura contra a infestação de insetos, plantas daninhas e doenças que acometem determinada cultura antes, durante e depois do processo de produção. O título “agrotóxico”, embora utilizado inclusive na legislação brasileira para nomear os defensivos químicos é de certo modo inadequado, porque seu objetivo não é provocar toxicidade, mas através dela e em condições seguras proteger a planta e garantir seu ciclo natural.
Para se ter uma ideia da importância de se defender os cultivos agrícolas, atentemos para os números a seguir. De acordo com organizações de pesquisa agrícola, existem na natureza cerca de 30 mil espécies de plantas daninhas, 100 mil espécies de fungos, 10.000 espécies de insetos e 4 mil espécies de nematóides potencialmente maléficos ao desenvolvimento das plantas. A FAO/ONU estima que entre 20% e 40% de toda a produção agrícola mundial se perde por pragas e doenças. Isto com os atuais níveis de defesa, imagine-se a situação a que chegaríamos se renunciássemos em absoluto ao controle químico.
Um estudo realizado pelo CEPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da ESALQ/USP (Escola Superior de Agricultura “Luis de Queiroz pertencente à Universidade de São Paulo), com foco em 3 cultivos (soja, milho e algodão) e 5 infestações (lagartas – várias espécies, helicoverpa, percevejo, mosca branca e ferrugem), concluiu que para manter o mesmo nível de produção, SEM tratamento químico dessas pragas e fungo, seria necessário aumentar a área de cultivos de soja p. ex., em 20%, 30%, 10% 20% e 20% respectivamente. Se tomarmos a média, podemos inferir que o NÃO TRATAMENTO implicaria no aumento da área plantada com soja em, no mínimo, 20%. Paradoxalmente, em tempos de restrição à incorporação de novas áreas à agricultura, nada é mais ecológico do que o uso de agrotóxicos.
Se tratando do Acre, os dados do IBGE desautorizam qualquer alarde. Dos estabelecimentos rurais de todo o Estado, apenas 20% utilizam algum agrotóxico, sendo que na agricultura familiar o índice é um pouco inferior (19%), enquanto a média nacional é de 33%. Em Rondônia, aqui do lado, a média é de 51%. Fácil deduzir que nem de longe este (uso de agrotóxicos) seja um de nossos problemas, muito pelo contrário, a baixa produtividade média de nossos cultivos e mesmo o impedimento de algumas alternativas decorrem, provavelmente, da escassez do acesso à informação sobre o uso dos defensivos agrícolas de modo geral. Certamente, uma maior atuação dos órgãos de apoio e assistência técnica e extensão rural, indicando e orientando o manejo integrado de pragas (inclui agrotóxicos) poderia aumentar a produtividade e a diversidade de produtos oferecidos ao mercado.
A legislação brasileira é bastante adequada quando trata de agrotóxicos e nos equipara aos países mais restritivos. O Decreto 4.074, de 4 de janeiro de 2002 regulamenta a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. No artigo 82 e seguintes, o Decreto define as infrações e estabelece as sanções correspondentes a cada uma.
Desde a sua apresentação, um defensivo químico passa por um processo de avaliação que pode demorar até 10 anos até ser registrado e cadastrado, seguindo padrões internacionais. No Brasil, além da avaliação toxicológica, sob responsabilidade da ANVISA e do Ministério da Saúde, da avaliação ambiental, incluindo comportamento no solo, água e atmosfera e efeitos nos organismos vivos, sob responsabilidade do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente, o agrotóxico passa pela avaliação agronômica, ou seja, precisa provar a eficiência contra as pragas-alvo, que é realizada pelo MAPA. Depois de tudo, os produtos registrados tem que ser cadastrados em cada Estado, antes de serem comercializados.
Mesmo assim e, embora o Ministério da Saúde informe que em todo o Acre, desde sempre, apenas 23 casos de intoxicação tenham sido notificados até a data do levantamento, sem nenhuma morte, a autoria do PL citado encontrou motivos para ZERAR(!) o uso de defensivos químicos, provavelmente na carona da celeuma recente gerada por novas liberações realizadas pelo Ministério da Agricultura e contestadas pelos ambientalistas de plantão que, sem fazer as contas da viabilidade técnica, ou dos efeitos econômicos da restrição aos agrotóxicos, pretendem uma agricultura estritamente biológica.
Os agrotóxico são cercados de mitos. Segundo o reconhecido Engenheiro Agrônomo Xico Graziano, das 10 causas conhecidas do câncer, nenhuma tem a ver com agrotóxicos, das notificações de intoxicação por agrotóxicos ao Ministério da Saúde em 2016, mais da metade era tentativa de suicídio. Conforme o autor, as explicações para a demonização dos agrotóxicos “fogem da ciência, uma mistura de ecoterrorismo com esquerdopatia criou uma espécie de neurose – uma agrofobia – que enxerga nos agrotóxicos o mal sobre a Terra. Daí, agridem os produtores rurais, como se estes estivessem envenenando a população. Não é verdade.”
Em vista do PL de que tratamos aqui, pergunto-me a que vem esse radicalismo e, sinceramente, não encontro respostas na racionalidade. Não é razoável que em um ambiente de elevadas temperaturas e umidade, altamente propício para o desenvolvimento de pragas e doenças vegetais, se jogue pelo ralo praticamente toda a ciência e tecnologia envolvida nos defensivos agrícolas químicos, o que resultaria em obvio decréscimo da produtividade, da qualidade e da quantidade produzida, no aumento dos preços dos alimentos e conseqüente pressão por expansão dos cultivos. É como fechar todas as farmácias e mandar o sujeito doente se tratar com o xarope do raizeiro da feirinha.
Seria vontade de pertencer ao clubinho ecológico? Estaria Rio Branco predestinada a ser um paraiso orgânico? Eu gostaria mesmo era de ver essa gente toda acocorada nas plantações, catando lagarta à unha sob um lindo sol acreano de meio-dia.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas