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Eleições municipais em 2020 para quê?

Nesta coluna semanal, pensei, primeiramente, em tratar do coronavírus em uma perspectiva humana, a partir de meus próprios sentimentos perante o mundo e a realidade que nos impõe a pandemia, pois este é, sem dúvida, o assunto que inunda todas as mídias o dia todo, praticamente monopolizando as atenções. Contudo, me chamou a atenção uma questão que se mantém paralelamente no noticiário e esquenta o clima político. Me refiro às eleições municipais deste ano. 


A questão que apresento é: Por que, em vista da crise planetária em que nos enfiou o coronavírus, é necessário manter no Brasil as eleições municipais deste ano? Que aspectos da realidade brasileira podem ser melhorados pela mudança de prefeitos e vereadores? Considerados os custos totais da campanha, medidos em bilhões a serem gastos por partidos e pela própria Justiça Eleitoral, vale a pena investi-los no pleito de âmbito municipal? Na escala de prioridades do eleitor, que lugar ocupa a mudança nas posições de mando no município? 


É da Lei, sabemos todos, que de quatro em quatro anos vamos às urnas votar em candidatos a prefeito e vereadores. Em tese, estamos exercendo o direito democrático de eleger nossos representantes no parlamento e na administração municipal, dá-se assim, oportunidade à alternância de poder e à execução de projeto alternativos. Mas isto, em tempos normais, quando nossas vidas correm normalmente e as mudanças defendidas por partidos e candidatos podem de fato nos atrair e encantar, movendo em cada um o sentimento de mudança, de evolução, de realização de projetos. Mas nas circunstâncias atuais, poderiam ocorrer tais mudanças motivadoras?


Estamos todos, inclusive os candidatos, dedicados a viver mais um dia sem tossir, sem espirrar, sem ter febre. E estamos apenas no início. O pico dessa tragédia, com a morte de milhares de pessoas e a infecção de milhões ainda está por vir e não se sabe quando. Segundo o próprio Ministro da Saúde, talvez em quatro meses, lá pra julho, os sobreviventes estejam se livrando de máscaras e álcool gel. Sobreviventes, mas desolados, financeiramente falidos em meio a uma recessão brutal, psicologicamente deprimidos, muitos chorando a morte de parentes e amigos e a se perguntar“ e agora?”


Enquanto isso, na TV, principalmente, a campanha eleitoral se desenvolverá com o mesmo roteiro de sempre, os candidatos a vereadores repetindo falas prontas e candidatos a prefeito distribuindo promessas num cenário de desolação. Quem se importa? E a que custo?


Nem pretendo me estender nas características mesmas do processo eleitoral, todos sabem o que de fato é e como é feita. Quero conter esta brevíssima argumentação na desnecessidade do processo eleitoral deste ano. Não faz sentido que em tempo de extrema escassez financeira em todos os níveis e enorme sacrifício da população, o próprio estado, partidos e candidatos disponham de bilhões para realizar eleições perfeitamente adiáveis sem que nenhum prejuízo se possa verificar, a não ser para o ego, a vaidade e a carreira de candidatos.


Que razões sérias podem persistir em defesa das eleições deste ano? Gostaria de saber, de ouvir, de debater. Que interesse público sucumbiria se essas eleições fossem adiadas até coincidirem com as eleições gerais de 2022?


Não consigo vislumbrar qualquer sombra de melhoria na vida do cidadão que dependa de seu voto pra vereador em 4 de outubro próximo. Nem mesmo para prefeito. A partir de 2021, com o presumido fim da pandemia, todos nós estaremos cuidando de restaurar a nossa vida. Creiam, nenhum ser humano será o mesmo depois do coronavírus. Os sonhos, projetos, relações pessoais, finanças, patrimônio, status, filosofia, psique, enfim, o SER de cada ser será alterado em definitivo. O mundo será outro, a recessão mundial que se avizinha remodelará tudo que há. Ou você pensa que estamos em um pit stop e logo após recomeçaremos de onde paramos?


Não. No pós-crise, estaremos inicialmente voltados para nós mesmos, para nos encorajarmos e aos nossos, para recuperarmos a confiança, para olharmos para os nossos filhos e transmitirmos um mínimo de segurança, para abraçarmos nossas esposas, pais e maridos e movermos sua esperança. Novos prefeitos e novos vereadores não terão significado, suas novas calçadas e praças não farão a menor diferença em 2021.


Ouso dizer que qualquer mudança será prejudicial ao cidadão porque alterará equipes, dirigentes, processos e rotinas que já estão estabelecidas e possuem a expertise necessária ao trato com as coisas que interessam ao munícipe. Na hora de passar pelo atoleiro, vamos trocar o motorista experiente por um novato? Em nome de quê?


Além de tudo, é no nível federal, quase exclusivamente nele, que reside a competência para recuperar a economia e, com ela, a capacidade de financiamento do Estado naquilo que repercute nos nossos anseios de empregabilidade, segurança, saúde e educação, especialmente. Os efeitos esperados, inclusive na capacidade das prefeituras decorrem, como numa correia de transmissão, da saúde financeira no nível federal, basta ver a composição da receita municipal. Na crise, prefeitos, novos ou velhos, apenas cumprirão, com pequeníssima margem de manobra aquilo que os muito escassos recursos permitirem.


Aliás, a respeito do tema, leio que o Deputado Léo Moraes, do Podemos de Rondônia, propôs a prorrogação dos atuais mandatos municipais e que os recursos pertinentes ao pleito sejam destinados ao combate ao coronavírus. Perfeito.


Concluo, respeitando os projetos de cada pretenso candidato, perguntando aos partidos e postulantes: Vai ter eleições municipais em 2020? Para quê?




 


 


Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas.