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Pro dia nascer Feliz!

Gladson e Guilherme

Por Roberto Vaz

No final de um dia de trabalho exaustivo de um editor, regado a café e cigarros, a porta da redação abre, vagarosamente: ao entrar, sem os acompanhantes de costume, Gladson se permitiu lembrar de como viveu os três últimos anos após ser denunciado por suposto crime e lamenta momentos de solidão, dor e incompreensão.
É bom conversar com o governador Gladson Cameli. Apenas duas cadeiras: uma de frente para a outra, sem a imposição autoritária de uma mesa, distanciando as confissões. E a conversa fica mais gostosa porque ele abre o coração e fala de coisas que jamais pensamos. Normalmente, ninguém imaginaria que um governador pudesse passar por situações tão angustiantes, como ele, por exemplo, que teve que explicar ao pequeno filho Guilherme, de 5 anos – hoje com 8 -, por que ele, um pai-governador, estava tão triste, tão apavorado e sem paz.
Crianças ajudam os pais a se tranquilizarem, muito embora não saibam como fazer para arrancar um sorriso de alguém que está destroçado por dentro. E Guilherme nem sabia o porquê de Gladson viver dias de tantas tribulações. Era preciso preservar a criança. E assim foi feito por todo esse tempo.
Aos poucos, pai e filho foram descobrindo que o mundo deles, que até então era grandão, reduziu-se a uma titiquinha. Gladson já não podia levar Guilherme para os tradicionais finais de semana na casa dos avós, em Manaus. Decisões da Justiça afastaram esse direito da criança, que nenhuma culpa tem de ter o pai-governador.
Conta Gladson, que o pai Eládio Cameli, 70 anos – o chefe do Clã Cameli -, fechou-se em copas. Passou a viver com alterações do seu humor devido ter o nome envolvido em denúncias caluniosas, em um emaranhado de interesses políticos.
Mesmo ele, sendo empresário de grande porte, dono de patrimônio e moedas na casa dos seis dígitos, havia sido proibido de movimentar a sua própria conta.
Por aqui, para descontrair mais a própria vida e a do filho Guilherme, Gladson envolvia a criança nas agendas governamentais. O pequeno foi e, ainda é, uma forte bengala ao pai, que criou uma rotina para tentar “desanuviar a mente”. De dia, trabalho. À noite, balanços de rede, sempre com contos infantis para distrair o seu mais fiel parceiro, na sacada do apartamento. E, será, por quantas vezes a velha história do lobo mal, não era para o próprio contador da história?
Apesar de toda atenção psicológica e paterna, o luxuoso apartamento de 380 metros quadrados, acomodava, ainda, uma governanta e militares, ajudantes de ordens do governador, que tornavam o ambiente mais descontraído para Guilherme.
Mas o tempo foi mostrando caminhos novos. De uma hora para outra, a Justiça suspendeu as medidas cautelares que proibiam Gladson e o pai, Eládio, de se falarem. Foi uma festa para o governante, até então triste e cabisbaixo. Com o afrouxamento das medidas restritivas, Guilherme pode abraçar, pular e sorrir ao lado dos avós.
No Palácio Rio Branco, as recepções e agendas oficiais pareciam ter perdido a graça. Gladson se sentia melhor em compromissos fora dos gabinetes. Neles sempre encontrava um jeito de renovar as ideias e criar situações fora dos protocolos que lhe projetavam um querido e forte governante.
Hoje tenho certeza de que se Gladson tivesse apenas os problemas jurídicos para resolver, teria tirado de letra. Mas não foi assim. Adversários, principalmente petistas que perderam para ele a eleição, estavam sempre conspirando e deixando a entender que a queda de Gladson do governo era questão de tempo.
Mas não foi como os fatos se sucederam, porque não combinaram com a alta corte do Superior Tribunal de Justiça. Não combinaram também com a ministra Nancy Andrighi, uma magistrada de perfil garantista, que guardou o direito de Gladson administrar o Estado e preservou a vontade do povo. Segundo ela, “o governador havia sido eleito democraticamente, em primeiro turno, por voto livre e soberano”.
Mas, se houve a importunação da Polícia Federal, mesmo que seja por algumas horas, o que dizer a alguém que vai dormir sem ter a certeza de que vai acordar livre?
“Eu parecia um homem com uma doença muito contagiosa; todos se afastavam quando me viam e riam de mim e diziam assim: ‘que riquinho mentiroso!’; ‘usou a fama para se enriquecer à custa do erário…!’ E nessa hora não adiantava eu falar da fortuna da minha família, que também é minha, porque todos só queriam atirar pedras, me ver atrás das grades, humilhado. Foram exatos três anos de dor e sofrimento e hoje eu posso pelo menos me defender das acusações a mim atribuídas. E agora, com parte da história favorável a mim, quero só pedir que deixem de julgar a mim, ao meu pai, de 70 anos, meus irmãos trabalhadores e meu filho. Eu quero prepará-lo para um futuro sem ódio. Eu quero Paz”.
Em duas horas sem medidas de cumplicidade, uma impressão sincera: ali estava um jovem governante que tenta amarrar as duas pontas da vida. Um homem que se alegra com a sinceridade das crianças (expressa nas diversas histórias sobre o filho) e se viciou em reverenciar a velhice. O desejo pela “Paz” liga esses dois extremos.

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