Basicamente, a cena era essa. Não há muito mais: os clubes; o poder público apoiando no que era possível, a existência das “Escolas de Samba”, dos blocos e os raros diplomatas do samba acreano, representados na figura do mestre Da Costa. Derivações dessa “diplomacia”, como outro orgulho acreano, Sérgio Souto, e mais recentemente a joia Bruno Damasceno já fazem parte de um outro momento.
Houve um instante. Houve um momento de síntese em que esse cenário começou a ruir. E esse recorte dialoga com outro cenário: o cenário político. É bem verdade que já no início dos anos 90, o contexto começou a mudar. A crise econômica nacional gerada pelas decisões do governo Collor também atingiu a “cena carnavalesca” acreana. Isso deu o ritmo nas gestões de Romildo Magalhães, Orlei Cameli. E trouxeram uma imposição à gestão de Jorge Viana. E essa imposição teve consequências traumáticas.
Quando assumiu o governo, a Frente Popular se auto impôs a condição de estabelecer referenciais novos não apenas na arena da gestão, mas até mesmo no plano estético. No que se refere à “cena carnavalesca”, por exemplo, houve mudanças. O esforço era para estabelecer uma relação entre a folia (uma condição do calendário cultural do país) com a história acreana, com os referenciais e os valores sugeridos pelo então Governo da Floresta (uma condição do cronograma político local).
“A meu ver, o que concorreu para o final dos carnavais nos clubes foi a concorrência do Estado e do Município. Esse foi o fator principal”, avalia Deusdete Júnior, que já presidiu o Atlético Clube Juventus. “Eles pagam bandas caras, sem autorização, porque não precisam, não é? Eles são o poder público. Enquanto que os clubes têm que pagar tributação, autorização de tudo quanto é órgão, ambiental, Secretaria de Segurança Pública, Ecade e segurança privada. Ficou muito caro para os clubes porque o Estado e o Município passaram a querer arrecadar em cima dos trabalhos dos clubes. Enquanto o Estado e Município têm a Polícia Militar e a Polícia Civil para dar segurança nos eventos que fazem nas ruas, na Gameleira, e pagam bandas e cantores que vêm de fora em uma concorrência que não é leal e nem justa para os clubes”.
São exemplos como esse da Marujada que colocam o “carnaval acreano” em um processo de construção identitária muito diverso do que se pratica em grandes centros como Rio de Janeiro, Recife, Salvador ou até mesmo São Luiz.
Uma última equação: se a Geografia explica muita coisa, inclusive a guerra, como já foi dito, como é que ela explicaria o espírito do acreano pouco afeito ao carnaval? Reparemos com algum rigor: os carnavais nos clubes; o carnaval nas ruas; os blocos carnavalescos como eram apresentados, além de não representar em nada a cultura, o folclore e as identidades acreanas, abarcavam quanto do povo daqui “nos tempos áureos”?
Quem veio para cá e aqui quis ficar decidiu não motivado pela alegria. Geralmente, ou foi fugindo da miséria; ou querendo lucrar e ir embora; ou por motivos tão pessoais que desautorizam qualquer especulação. Em síntese: o clichê de “um povo alegre” não cabe ao acreano. Serve, no máximo, a uma ou outra peça publicitária de lojas e governos.
Nos idos de 77… 78, Rio Branco vivia em convulsão social. O êxodo rural, com a falência dos seringais, os conflitos agrários provocados pela ação dos “paulistas” e a consolidação da pecuária faziam a cidade se transformar em miséria e em desorganização urbana. João Eduardo fazia barulho na periferia e os freis marianos organizavam as Comunidades Eclesiais de Base.
O Vermelho e Preto, baile do Atlético Clube Juventus, reunia a elite. Tinha essa fama. O Vermelho e Branco, a festa rival, também tinha boa dose de glamour. Mas era mais popular. Era inegável. Era visível. Mesmo porque, o Rio Branco já tinha uma história mais longa, ao contrário da turma juventina, recém chegada à cena carnavalesca.
Quando se aproximava das 10 horas da noite, o dentista olhou para o relógio. Sabia que o baile começaria em breve. Decidiu levar duas “cocotes” para o salão. “Nada mais justo”, calculou. Predial, uma figura controversa da comunidade do Papoco, estava no bar com o seu blackpower poderoso e seu charme enigmático. Antes de sair do bar com as companheiras, Marães confidenciou alguma maldade ao ouvido de Predial que sorriu, com a safadeza típica de um macho que calcula.
As barracas com “raspadilhas”, cervejas, cachaças estavam lotadas. Era gente sorrindo, gente gargalhando, gente já se danando lá por trás da Estrada Velha de Porto Acre, antes mesmo de o baile começar. A banda ainda estava “passando o som”, mas a rapaziada já anunciava alguma impaciência.
A sede d’A Gazeta, o jornal de maior prestígio à época, ficava na Avenida Getúlio Vargas. Fazia fundos com a sede do clube. O que pouca gente sabia era que, naquele ano, a direção do jornal havia adquirido uma máquina impressora de primeiro mundo. Veio da Alemanha.
O baile já estava quase no horário. Havia uma ansiedade da parte de quem havia comprado o ingresso e estava doido para fazer estripulias naquele Vermelho e Preto.
Foi nesse momento que um dos sócios do jornal A Gazeta, empresário Roberto Vaz, resolve “dar uma passadinha” pelo Juventus “pra ver como é que tá”. Ao passar em frente ao jornal, percebeu uma movimentação estranha na parte ao lado da porta de entrada.
_ E aí, rapaz?! Tudo bem?
_ Tudo bem! Rapaz, hoje parece que vai ser bom aí, hein?
_ É… vai sim!
Mais dois passos, mais outra pessoa conhecida.
_ Rapaz, você não foi lá na loja…! Tem que passar lá, porra!
_ Eu vou lá! Eu vou lá!
_ Marrapaz… me diz uma coisa: o que é que tá acontecendo aq…
Vaz nem chegou a terminar a pergunta ao colega que encontrou na fila. Foi repreendido antes.
_ Ei! Seu gordinho gaiato! Não é pra furar a fila, não! Vá lá pro fim da fila, gaiatinho!
Jornalista, apresentador do programa de rádio na web Jirau, do programa Gazeta em Manchete, na TV Gazeta, e redator do site ac24horas.
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