Em todo final de ano, o roteiro é o mesmo: formula-se um punhado de metas, compromissos de pró-atividade, postura altiva, promessas para saída da satanizada “zona de conforto”. Normalmente, a lista não consegue ser sustentada nem nos quinze primeiros dias do ano que se inicia. Não demora muito para o indivíduo entrar na mesma ciranda de frustrações, medos, angústias. O que fazer para evitar esse ciclo negativo, que adoece tanta gente? Como prevenir contra a ansiedade, o stress, os transtornos, a depressão? Há métodos? Há tratamentos? Há política pública? Discutir Saúde Mental e Emocional não é simples. Existem aspectos subjetivos intrínsecos aos quadros clínicos já estudados.
Não se encontra profissionais especializados em todo canto. No Acre, há poucos na rede pública. Os que existem, na maioria dos casos, concentram-se na Capital. A rede privada oferece, mas isso é restrito a quem tem condições de pagar. Tendo esse problema como referência, já se percebe que falar sobre Saúde Mental esbarra também em uma discussão sobre classe social.
O desequilíbrio é parte da cena nacional. A maior parte dos 526.594 psicólogos cadastrados nos conselhos regionais de Psicologia está concentrada nas regiões Sudeste e Sul. O número foi divulgado na semana passada pelo Conselho Federal de Psicologia.
De acordo com a coordenação acreana do Conselho Regional de Psicologia, o Acre possui 1.355 psicólogos (o Conselho Federal informa no site que são 1.263). Desses 1.355 profissionais, atuam em Rio Branco 1.163 (ver quadro). Em percentual, 85,8% dos psicólogos estão concentrados na Capital. Há, portanto, um evidente desequilíbrio que precisa ser equacionado com aplicação de política pública. Esse problema relacionado à classe dos psicólogos assemelha-se ao que ocorre com a classe médica, também concentrada na Capital.
O remédio para o problema está na ausência de um Plano de Carreira que seja atrativo para o profissional de Saúde. Os jovens psicólogos devem ser estimulados com bons salários e bonificações ao iniciar o trabalho nos municípios. Com o tempo, as transferências podem ser feitas de maneira escalonada, planejada. Dessa forma, o direito à Saúde Mental estaria mais garantida a todos os acreanos.
“É preciso ter um tempo para si”, orienta psicólogo
Outra referência importante de Francisco Souza é a gravidade do conceito
“Outro ponto que precisamos ressaltar é que a ideia de Saúde Mental é preciso ser levada a sério. Precisamos nos conscientizar disso e saber que quando a Saúde Mental não vai bem isso tem como consequências doenças”, afere o psicólogo.
“Eu estou bem”, mesmo com tudo o que passei
Ao tentar explicar o termo “limite mental”, Rangel reforçou a honestidade com que narra a história que viveu com rara coragem. “Eu pensei em suicídio”, admitiu. “Me senti muito sem saída… muito vazia”.
Um aspecto que chama atenção na postura de Rangel é a firmeza com que defende os argumentos. Também fica sugerida uma alegria pouco comum a quem viveu situações tão extremas. “Defino meus momentos difíceis como vitórias. Todos os dias vamos vencendo os sintomas. Os traumas, quando superados, tornam-se aprendizados. Eu estou bem, mesmo com tudo o que passei”, alegra-se Rangel. “Superei a culpa, a desolação. Comecei minha faculdade. Tenho planos para uma vida boa”.
A expressão “Saúde Mental” te traz quais ideias?
Essa expressão me traz um conforto e apoio imediatos, especialmente por ter sido tão bem acompanhada até 2021 e depois a alta chegou. Quando lembro do meu processo, onde avancei na minha vida, a autoconfiança, o auto amor, a qualidade de ser mais amiga de mim mesma. Procurar respeitar os meus sentimentos, emoções e observar pensamentos sabotadores, o porquê estou sentido determinada coisa. Isso me traz à realidade e me possibilita um controle melhor.
Após esse início, meu pai começou a me levar algumas vezes. Mas foi um baque. Ficava a pergunta, ‘por que uma jovem, formada, simpática estaria procurando esse tipo de ajuda?’
Em algum momento, o teu pai ou algum outro familiar sugeriu que essa tua busca era “frescura”?
Quando contei o que estava acontecendo comigo, sem nem mesmo saber o que era aquilo, poucos entendiam. Mas quando viram, ao longo do tempo, o que eu movimentava para a minha vida de bom, todos pediram o contato de onde eu estava indo. Meu pai nunca havia ido ao psicólogo. Ver ele me acompanhando com certeza quebrou barreiras até pra ele. Afinal, ele é meu grande amigo.. Lembro bem: muitos sentaram na mesma sala que eu para conversar com o doutor, pessoas amigas e familiares. Isso gerou uma rede de conversação em família no churrasco de domingo bem positiva. Hoje, sempre observamos quem pode estar precisando e conversamos para ir ao psicólogo.
Nunca chegaram a falar, mas depois que fui, abriram a caixa de parênteses. Como se dissessem: ‘olha isso pode dar muito certo e me ajudar!’).
Esse autoconhecimento me atrai. No momento em questão da terapia. Mas para outras áreas da minha vida. Sempre quis saber mais além do que está nos livros. Queria e quero experiências. Muito do que sou hoje na minha vida pessoal, social, profissional e espiritual foi melhorada em conversação na terapia. Colocar em prática o que é falado na terapia não é tão fácil. ‘Será que eu consigo isso?’ e muitas coisas devemos pensar e fazer por nós. Meu terapeuta sempre fala das cartas, mas no final era eu quem decidia.
É, normalmente, um processo muito “dolorido”. Não há nada de romântico ou agradável. Você sentiu isso? Outro detalhe: você foi medicada?
Senti. Especialmente em 2021, no pós-covid. Perdi um trabalho. Entrei em isolamento, estava com um problema de saúde. Vi tudo sair da minha vida. Mas creio que o que é seu chega e ponto. Foi uma fase muito difícil. Especialmente, porque não falei para ninguém. Apenas minha irmã e uma amiga. Elas estavam longe fisicamente. Então, por incrível que pareça, voltei à terapia para tratar o meu lado profissional. Estava em um alto cargo, em uma grande empresa, consumida pelo trabalho e exigiria melhorias em minha comunicação assertiva. Foi Deus, a minha fé e o meu terapeuta que me ajudaram no meu salvamento, no meu barquinho. Quando estive no fundo do poço, dá ansiedade, dá depressão. Era com ele que eu conversava. Várias vezes ao dia. Até eu ir melhorando.. Mas eu recaía.
Bem… quando tinha um dia estressante, eu acordava para comer. Passava o dia em dieta, treinava na academia mais pesado, após o dia de trabalho. Mas não era suficiente. No outro dia, vinha a ressaca moral. Meu corpo só tranquilizava para dormir se eu comesse algo e depois desligava. Batimentos cardíacos acelerados, suor, sensação de desmaio, dor no estômago e ânsia de vômitos. Na época, eu estava começando a empreender. Então, era um gatilho. Ou passando por problema pessoal, familiar, também era um gatilho.
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro da escola Realista e um dos maiores da literatura universal, discutiu a loucura. No conto “O Alienista”, o desempenho de Simão Bacamarte, um médico defensor da filosofia positivista, passou a observar o comportamento das pessoas da pacata Itaguaí. Após período na Europa, o médico volta à terra natal e ali, nos barrancos onde pisou nos primeiros bocados de terra, quis emplacar as teorias mais modernas.
Começou a entender o comportamento da maioria das pessoas como “doentio”. Havia um desequilíbrio em tudo e em todos. Foi criado, com apoio do Governo, um espaço para acomodar os primeiros internos dos desequilibrados mentais. A Casa Verde era esse lugar. A coisa ficou tão grave que Simão Bacamarte já tinha mandado internar quase todo mundo da pequena cidade. Reviu suas teorias por duas vezes. E soltou os internos por duas vezes, incluindo até sua esposa, D. Evarista, que ele tinha mandado interná-la.
Após a segunda libertação dos internos e algumas revoltas populares, Bacamarte resolve soltar todos e interna-se ele mesmo na Casa Verde até o fim dos seus dias.
A ironia refinada de Machado e a crítica social são elementos que acompanham toda a trajetória literária de Machado e estão presentes neste conto de forma magistral. No debate sobre “O que é a loucura?”, Machado acaba trazendo à baila as diversas personagens que o ser humano cria para se adequar às conveniências padronizadas por uma sociedade capitalista, burguesa e excludentes.
Na mesma toada da pergunta “O que é a loucura?”, um questionamento possível a partir da obra de Machado é: “Quantas máscaras você veste por dia?” ou “Quantas personagens você representa por dia?”.
A Praça da Bandeira era um mundo. Becos, entradas, saídas, cheiros e gemidos em todos os tons. Era o único ponto cosmopolita em uma Rio Branco que só ia até o Tangará e chegar à Universidade Federal do Acre era uma aventura distante. Não seria exagero dizer àquela época “a Praça da Bandeira não para nunca!”. Tinha lógica.
Em frente ao Badate e à loja do “Zé Maria Foguim”, amontoavam-se “as bancas”, com calças jeans em todos os cortes. Em uma ou outra “banca”, pequenos rádios à pilha, sintonizados na Rádio Difusora Acreana, iam construindo referências musicais em italiano, francês e nos lamentos de Fernando Mendes.
A lanchonete do Mourão era a expressão máxima da cozinha gourmet, regada a queijo e mortadela. Era o tempo em que o “Pelezinho” machucava os dedos e a paciência consertando sapatos o dia inteiro, sentado em um tamborete sebento em um comércio cheio de personagens.
Não à toa que justamente na Praça da Bandeira era que circulavam algumas figuras que causavam um misto de encanto e medo nos meninos que viviam por ali. Eram muitos personagens. A mais medonha de todas era anunciada de longe. Quase tinha hora marcada.
Ao fim da tarde, alguém gritava. “Empina, Jó!” E lá vinha o pobre diabo. Era enorme. “Empina, Jó!”, ordenava outro mais adiante. Ao concluir o passo, ficava na ponta dos pés e levantava o calcanhar. Parecia querer saltar. Mas lá vinha o próximo passo e o ritual se repetia. “Empina, Jó!”, gritava outro mais próximo do menino assustado. Eis que Jó passava. Esguio. Esquálido. Faminto. Pernas longas e finas. A rapidez, o jeito de andar e o olhar inquieto de um lado a outro rasgavam a cara de muitos em gargalhadas ouvidas longe.
Outra figura intrigante era o “Lona”. Passos curtos e rápidos. Nos braços, o inseparável rádio nunca ligado. Era negro. Calvície avançada, barba suja e rebelde. A calça de tergal era suja e a camisa quadriculada bem fina e nunca lavada. Falava sem parar. Consigo mesmo, claro, porque não tinha satisfações a dar a ninguém neste mundo.
Percebia-se que a personagem mais querida era “Sorriso”. O rosto lembrava o Corcunda de Notre Dame. O defeito na formação da face não permitia que a boca fechasse, o que lhe conferiu o apelido. À época, o cabelo já anunciava as muitas tiras brancas. Era solícito. Fazia favores de toda ordem por um punhado de dinheiro ou alguma promessa de comida.
O tempo passou. A ponte “Baila Comigo” (ou Balança Mas Não Cai para alguns) foi consertada. Os governos e as gentes foram mudando pouco a pouco. A Praça da Bandeira não existe mais. O espaço ficou mais bonito e mais limpo. Ficou também sem vida. Não pertence mais a ninguém. Jó, Lona e Sorriso sabem disso. Onde quer que eles estejam.
Jornalista, apresentador do programa de rádio na web Jirau, do programa Gazeta em Manchete, na TV Gazeta, e redator do site ac24horas.
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