O plano de governo que Gladson Cameli registrou no TRE para essa eleição tem 63 páginas e deve receber o mesmo destino do anterior, ou seja, a gaveta do esquecimento. Ainda assim, nele um fato chama a atenção: o sumiço do agronegócio.
E esse não é um fato qualquer. Indica que deve estar havendo uma enorme mudança no interior do atual grupo de poder – confirmando uma previsão que fiz aqui há algumas semanas, de que o governador não é um radical de direita como o são Márcio Bittar e, surpreendentemente, o atual MDB acreano.
No plano de governo de 2018 o agronegócio foi a vedete. Vendido exaustivamente como uma “solução Tabajara”, aparecia milagrosamente como solução para todos os males do povo: está desempregado? Faltando dinheiro? Os clientes desapareceram da loja? Tem fiscal do Ibama na sua porta? Não se preocupe, o agronegócio “tabajara” resolve. Basta votar! (dá um google em “Organizações Tabajara” e você vai rir muito).
Ácido na crítica ao modelo de desenvolvimento promovido pelos governos da Frente Popular, que dava zoom em investimentos na economia de base florestal, na produção familiar e na preservação ambiental, a proposta do Centrão Acreano reunido naquela eleição em torno do atual governador garantia que a entrada da soja e do milho em larga escala, no modelo de Goiás e Mato Grosso, além da expansão intensiva da pecuária, traria a solução mágica para o desemprego e os baixos índices de crescimento econômico do período de 2016 a 2018.
Passados quatro anos, parece que o pessoal seu deu conta que o diagnóstico e a solução proposta estavam errados. Isso é até óbvio. O travamento da produção por aqui pouco ou nada tinham a ver com o modelo econômico. Na verdade, não passava de extensão local de uma crise que era nacional. Como você deve saber, o Brasil teve queda acumulada de mais de 7% do PIB entre 2015 e 2017 e o desemprego explodiu.
Nesse momento podemos afirmar sem medo de errar que o Centrão acreano e o agronegócio fracassaram como alternativa. No caso do primeiro, é só olhar para a cena política da eleição; o blocão que elegeu Gladson não existe mais, esfarelou-se em quatro candidaturas ao governo. O segundo, o agro, simplesmente desapareceu da proposta de governo do atual mandatário.
A título de ilustração, veja essa. No plano registrado pelo candidato do Progressistas a palavra “agronegócio” aparece apenas cinco vezes. Bem menos que os antes proscritos “sustentável” e “sustentabilidade”, juntos mencionados 18 vezes! O agro sequer aparece na relação de diretrizes gerais da proposta, ou seja, na lista de “ideias-força” do Plano, num claro sinal do quanto o tema perdeu importância e força no governo.
E as razões para isso são claras: nada aconteceu na economia acreana que possa ser considerado resultado virtuoso da matriz de desenvolvimento adotada a partir de 2019. Na verdade, o que tem acontecido de importante é ainda resultado dos investimentos dos governos anteriores, de Tião, Binho e Jorge Viana.
Foram governos que apostaram na formação de uma base industrial de baixo impacto ambiental e bom potencial de mercado na região, o que pode ser constatado em empreendimentos como a Dom Porquito, a Acreaves e a “Fábrica de Tacos”, no Alto Acre, e as fábricas de beneficiamento de castanho e de processamento de frutas, hoje sob gestão da COOPERACRE, além das laminadoras de madeira, em Rio Branco. Muita coisa ficou pelo caminho, é verdade; mas, ao que tudo indica, dependentes apenas de atenção, investimentos e boa gestão, como é o caso da processadora de pescados.
O interessante é que mesmo com foco no chamado agroextrativismo, com industrialização (a chamada verticalização das cadeias) aqueles governos não abandonaram atividades típicas do agro, como a pecuária por exemplo.
Aliás, se tem algo difícil de entender é a posição radical dos pecuaristas hoje contra as gestões do PT. A rigor, a criação de gado foi a atividade econômica que mais cresceu naquele período. E isso à custa, é bom frisar, do ambiente de confiança instalado e dos incentivos diretos e indiretos realizados. Veja, entre 1999, quando Jorge Viana assumiu o governo, e 2010, o rebanho bovino do Acre cresceu de 922 mil cabeças para 2,6 milhões – crescimento de 183% em uma década, e sem grande pressão sobre a floresta.
Tamanho crescimento jamais teria acontecido sem medidas como a criação do IDAF (Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal) e o aporte tecnológico para melhoramento genético do rebanho.
Na prática, a tentativa de priorização do agronegócio pelo atual governo levou ao abandono da produção agroextrativista familiar. Para muitos operadores do governo, agronegócio é sinônimo de produção em monocultura de larga escala. Nesse ambiente não tem lugar para pequenos criadores ou agricultores. Isso levou ao atual estado de desânimo no meio rural, já que o grosso da produção e das propriedades rurais acreanas está nos pequenos, aqueles com até 240 hectares de área.
Hoje, nos quase cem projetos de assentamento onde sobrevivem perto de 50 mil famílias acreanas, o sentimento é o mesmo: foram esquecidos pelo governo. E não há pandemia ou isolamento social que justifique a falta de ramais, de assistência técnica e extensão rural. Nem que explique o abandono da política de garantia da produção, do fim do programa de abertura de açudes e, principalmente, da negligência com que vem sendo operada a mecanização da produção – condição imprescindível para melhorar a produtividade das áreas e reduzir a necessidade de novos desmatamentos.
O desafio está colocado para o atual governo e todos os demais candidatos: sem poder voltar a vender a ilusão do agronegócio e diante da urgência de medidas de combate aos absurdos níveis de desmatamento da Amazônia, qual a saída econômica para o próximo período? A gente vai precisar conversar mais sobre isso…