Menu

Pesquisar
Close this search box.

Diário do Acre: Comunidade Santo Antônio, Jurupari e Feijó

Receba notícias do Acre gratuitamente no WhatsApp do ac24horas.​

A comida mal sentou no bucho e pegamos a estrada: eu, Raylane, Davi e Rosa Maria. Aproveitamos para dar carona para o Antônio, Diná e a filhinha do casal que moram na comunidade Santo Antônio, Rosa, nossa presidenta do sindicato, combinou para dormimos na casa do seu tio Antônio. No quilometro 45 entramos no Ramal da Madeireira, e pegamos um atalho pelo alto dos bodes.


Parece que por lá choveu um pouco e no caminho acabamos atolando numa passagem. Depois de muito empurrar e acelerar em vão, caminhei com Antônio uns 20 minutos até um trator que mexia o ramal. Pedi socorro, o tratorista ficou receoso, era seu terceiro dia de serviço e temia perdê-lo, por sair pra ajudar, mas depois de muita insistência, ele foi e ainda fez o favor de melhorar a passagem.

Anúncios



Chegamos no alto do bode, uma clareira que outrora foi o acampamento da madeira. Nos organizamos para sair, de lá até o Santo Antônio são duas horas de caminhada. Davi pegou parte da carga do Antônio para caminharmos mais rápido, Rosa calçou suas botas sete léguas, e eu e a Raylane, que já estávamos com os pés sujos da lama do atoleiro, resolvemos ir de sandálias mesmo, assim como Davi.


O caminho é dividido em dois pedaços: no primeiro um varadouro que se estende pela mata por uma hora, tempo suficiente para se conversar de tudo, Rosa até contou que um dos seus irmãos viu um o mapinguari no seringal. Duas ladeiras que deixam qualquer um cansado só de olhar. Na subida não dá nem de conversar, no final desse pedaço, chegamos no Boqueirão, casa do Carlos, tio do Antônio. Lá aproveitamos para completar as garrafas com água e, logicamente, tomar um café para despertar.



A segunda parte se dividi entre dois campos e uns pedaços de mata. A caminhada no campo castiga pelo sol na moleira. O caminho ficava mais úmido conforme nos aproximávamos do Santo Antônio, enquanto eu reclamava da distância Antônio disse que não conseguia contar as vezes que teve que ir de pés desde a entrada, que agora pode ser chamado de ramal, até sua casa, eu marquei e só de ramal são 20 quilômetros.


Uma igrejinha no alto da terra marca a chegada no centro da comunidade, no pé da terra próximo ao rio Jurupari uma escolinha bem jeitosa. Seu Antônio dava milho para as galinhas, quando chegamos. Mal cumprimentamos e já fomos nos abancando na varandinha da entrada da casa, o cansaço era notório.


Maria, filha mais nova do seu Antônio, já foi passar um café, nos disse que nem nos esperava mais por causa da chuva. Aproveitei para conhecer um pouco mais o seu Antônio, cearense que chegou no Acre com 8 meses de vida e que já está com 66 anos. Infelizmente, nunca conseguiu voltar por lá. Seu pai veio cortar seringa e trouxe a família.



Seu Antônio já morou na margem do Rio Purus, em frente a comunidade Morada Nova e fronteira perto do novo recreio, aquela de Santa Rosa que fui no Natal passado. Contei que conhecia o rio, as aldeias e tinha alguns amigos por lá, ele me disse como se dava bem com os “txais”. Mas tinha se mudado para onde está hoje para ficar com os pais, que moraram com ele até o último dia de cada um.


Seu Antônio contou com tristeza que morava só ele e a Maria [filha], pois a sua esposa quando a filha ainda era pequena. Os pais faleceram depois. A tristeza nos olhos era disfarçada pela disposição das palavras, chamou pra subir, mas, antes falou da sorte do genro que mais cedo pegou um porquinho no roçado e gabou seus cachorros que acuaram ele.


O sol se pôs e a escuridão tomou de conta, descemos para tomar banho. A luz da casa se destacava na noite, as placas solares garantiam alguns bicos de luz e a TV ligada a noite toda. Chegamos no final do jornal nacional, os filhos do seu Antônio que moram perto foram chegando e rapidinho todos estavam sentados na sala para assistir Pantanal.


No intervalo Maria nos chamou para jantar, servido no chão da cozinha de um assoalho limpíssimo. Porquinho, galinha caipira, farofa de ovo, arroz e feijão de praia, tudo muito gosto. Estávamos cansados, voltamos pra sala pra terminar de assistir Pantanal e assim que acabou já fomos se ajeitando pra deitar. Seu Antônio cedeu o quarto do filho, que está trabalhando na madeireira, para eu e a Raylane dormirmos, duas redes e algumas cobertas. Nem percebi quando peguei no sono.



Umas 4 horas os galos começaram a cantar e eu já acordei, Raylane continuou na rede. Fui à varandinha da cozinha olhar as galinhas, seu Antônio levantou e veio me dar bom dia. Colocou uma água para o café no fogo e foi passar um rádio para os irmãos que moram ali ao redor.


O café ainda estava na mesa quando José Gonçaulo chegou, pensa num cabra animado e cheio de vida, Hilda reclamou não termos passado por lá e lhe contamos sobre o atrapalho do atoleiro. Dali a pouco, a sala foi se enchendo de primos e primas, tios e tias da Rosa que dava conta da saúde da sua mãe para cada um. Fiquei feliz de reencontrar alguns que conheci na luta do sindicato, convite para ir à casa de cada um não faltou.



A banana verde frita que foi servida no café era beliscada por um e por outro com um pretinho quente, enquanto a roda aumentava e uns falavam de caçadas, política e o ramal que nunca saia. A conversa esticou e nossa hora foi chegando. Seu Antônio pediu para esperarmos o almoço, mas, o nosso tempo estava corrido e ainda tinha mais 2 horas de caminhada pela frente.


Antes de nos despedirmos, com o compromisso de voltar, Maria encheu um vaso com farofa de seringueiro para matar a fome no caminho. As duas horas voltando já pareceram mais curtas e as ladeiras menores. A cada passo que dávamos saindo da floresta e voltando para cidade aumentava minha reflexão sobre o que é importante na vida, tantos dias que passo fora de casa, pensei comigo mesmo, como é bom poder reunir a família a noite em casa mesmo, nem que seja só pra assistir à novela.

Anúncios


INSCREVER-SE

Quero receber por e-mail as últimas notícias mais importantes do ac24horas.com.

* Campo requerido