Thomas Malthus foi, como se sabe, o criador da teoria demográfica, cuja síntese atual é de que não há planeta (alimentos, energia, água etc.) para todo mundo. O crescimento populacional e, com ele, do consumo geral de recursos da terra não é compatível com o estoque existente. Com novas roupagens e enfeites teóricos, no fundo a questão é a mesma colocada pelo economista britânico do século XIX em relação aos alimentos. Trata-se, enfim, de escassez crescente frente a recursos finitos.
Pois bem. O neomalthusianismo é uma questão ao mesmo tempo demográfica – tamanho, distribuição, composição e dinâmica populacional, e econômica – quantidade, oportunidade, preço, qualidade, previsibilidade e segurança em relação ao suprimento. O ambientalismo, descontados seus aspectos românticos, não é mais do que isso. Pergunta-se se o planeta que deixaremos para as gerações futuras possuirá condições de mantê-las.
Nesta semana do meio ambiente, talvez interesse ir um pouco além do roteiro comemorativo. Vejamos, pois, o que há de mais moderno em termos de resposta no sentido do provimento sustentável de alimentos para a humanidade. Refiro-me às fazendas aéreas, ou, fazendas verticais, já em experimentos avançados nos EUA, principalmente. Tomemos como exemplo a empresa americana AeroFarms.
Segundo sua visão, ela deverá servir à sociedade fornecendo acesso a produtos de alta qualidade, consistentes e seguros e proteger o meio ambiente para as gerações futuras, crescendo mais usando menos recursos. Oba!
Os problemas a serem atacados são: a) perdas alimentares estimadas em 1,2 trilhões de dólares; b) escassez de água frente a um crescimento de 55% entre 2000 e 2050; c)as perdas de solo agricultável estimadas em 1/3 em 40 anos provocadas pela erosão e contaminação; d) necessidades de alimentos crescentes ao nível de 69% até o ano de 2035; e) uso de pesticidas em 70% da agricultura norte-americana.
Para cada um desses problemas, as fazendas éreas apresentam uma solução. Vejamos: As perdas serão radicalmente diminuídas em função da produção local – logística mínima; a perda de água será diminuída em 95% em vista do sistema dotado – aeroponia; as perdas de solo serão diminuídas em 99%; o sistema é 390 vezes mais produtivo – o ano todo independentemente de clima etc.; o uso de pesticidas nas fazendas aéreas é ZERO. Diante disso, pode-se anunciar que o futuro será maravilhoso, não?
Mas não é apenas isso. A criação de peixes está na mira das fazendas urbanas, e, pasmem, a criação de vacas, suínos e aves também. Tendemos, segundo essas e outras inovações, a uma agropecuária circular, inteiramente controlada, de perdas mínimas e máxima produtividade, o que responderia a uma alegada extenuação dos recursos naturais, basicamente de terra como estoque para a exploração. De certo modo estaríamos acalmando os neomalthusianos e seus adeptos, e guardando a Amazônia para satisfação dos paniquetes do aquecimento global antropogênico. A Upwardfarms, outra empresa do setor, anunciou a instalação de uma nova fazenda aérea, que terá aproximadamente 23 mil metros quadrados, a ser construída na Pensilvania – EUA.
Temos, porém, o outro lado da moeda, digo, do prato. Segundo RELATÓRIO das Nações Unidas, tivemos cerca de 200 milhões de famintos severos no mundo em 2021. Com alguma insegurança alimentar este número alcança os 800 milhões. quadro agravado recentemente pela guerra da Ucrânia. O mapa abaixo aponta a localização deles (por que será que estou vendo ali a Nicarágua e a Venezuela?). Os círculos azuis na Colômbia, Peru e Equador referem-se a migrantes de outros países (adivinhem de onde). A África quase toda continua faminta de farinhas, grãos e proteínas de qualquer origem. Não sentem falta da alface que nunca viram.
Então, é o seguinte. Entre o “agronegócio do futuro” e a solução da fome no mundo, temos um hiato abissal que só pode ser preenchido pela agropecuária que modernamente praticamos hoje no Brasil, apesar de territorialmente engessada em submissão a comandos internacionais.
Temos no Brasil motivos para comemorar o dia, a semana, o mês do meio ambiente. Em primeiro lugar, anunciando que uma das causas principais da fome no mundo, especialmente na África, é a luta política (onde o socialismo ganha, a tendência é a miséria); em segundo, lembrando que, conforme a EMBRAPA, já produzimos alimentos para todos os brasileiros e mais cerca 600 milhões de pessoas; em terceiro, porque, segundo o IPEA, a produção brasileira é crescentemente poupadora de terra com incrementos de produtividade em inéditos níveis de 400% nos últimos 45 anos. No agro, estamos fazendo a nossa parte, sim senhor. Malthus não teria razão para reclamar dos brasileiros.
Infelizmente, não se pode dizer o mesmo quando tratamos, por exemplo, de abastecimento de água e saneamento básico. Em matéria recente publicada pelo Senado Federal, afirma-se que o país apresenta o número lastimável de 35 milhões (15%) de brasileiros sem água tratada. O número sem esgotamento sanitário atinge estarrecedores 100 milhões – (46%) dos brasileiros. Estima-se em mais de 200 milhões as internações hospitalares decorrentes de doenças de veiculação hídrica. Entre as 100 maiores cidades, as cinco piores em termos de abastecimento de água estão na região Norte. Em termos de coleta de esgoto, idem. Ou seja, na exuberante Amazônia que os neomalthusianos e paniquetes climáticas empurram no sentido das fazendas aéreas (tecnologia maximamente poupadora de terra e água), as pessoas bebem água sem tratamento e o esgoto é jogado in natura nos rios. Tem algo errado neste erro, certo?
O Brasil faz, em termos de agropecuária, o melhor possível em nossas condições. A questão ambiental é complexa e exige recursos elevadíssimos. Falas fúteis como a do presidente americano Joe Biden, ontem: “Vocês têm feito grandes sacrifícios como país na tentativa de proteger a Amazônia, o grande sumidouro de carbono do mundo. Acho que o resto do mundo deveria participar ajudando vocês a financiar isso para que vocês possam preservar o máximo que puderem. Todos nós nos beneficiamos disso”, não podem ficar eternamente no discurso, estamos cansados disso, fazemos a nossa parte, mas eles não fazem a deles. Continuaremos melhorando, diversificando, aumentando a produtividade, aprimorando sistemas, mas, enquanto nadarmos no esgoto, as vacas aéreas que esperem respirando carbono, se é que me entendem.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no site ac24horas, no seu BLOG e, eventualmente, no site do Puggina e outros.