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Única livraria de grande porte no Acre resiste ao tempo pelo amor: “pela razão, já teria fechado”, diz Paim

É num prédio de 4 mil metros quadrados que se encontra a única livraria de grande porte da capital acreana. A história desse estabelecimento é longa, mas muito simples. Um jovem que amava livros escolheu o ramo da cultura para ganhar dinheiro com a única coisa que gostava de fazer: ler. Manoel Maria Paim, acreano natural de Xapuri, é fundador da Livrarias Paim Mega-Store e tem 68 anos, mas começou a atuar na área bem antes dos 20, quando trocava e vendia gibis na adolescência.


Apesar de toda dedicação, a comercialização de livros se encontra num momento crítico, não só na Paim, mas em todo o mundo. Por isso, o empresário afirma que vem trabalhando somente pelo amor nos últimos anos. “Se fosse pela razão, já teria fechado”, lamenta, indo às lágrimas. Antes de se tornar empreendedor, Manoel Paim trabalhou em uma padaria, foi cobrador de ônibus, salgadeiro e até vendedor de picolé. Quando decidiu sair do trabalho administrativo para viver da literatura, aos 25 anos, vendeu tudo que tinha para conseguir pagar a mercadoria.



“Desde novo sempre tive vontade de trabalhar por conta própria. Trabalhei em construtora, fiz serviço administrativo, trabalhava muito, não parava quieto. Mas fora isso, eu gostava muito de ler, leio muito. Com 12 anos, vendia gibis no antigo Cine Acre, Cine Rio Branco. Zorro, Tarzan, Tio Patinhas, Pato Donald, entre outros”. Paim sempre pensou em ter um negócio próprio, primeiramente no ramo da construção, onde trabalhava, mas depois percebeu que não seria bem isso. “Precisaria de um engenheiro e eu nunca gostei nem de matemática. Aí vi que não daria certo porque tudo que eu ganhasse na construtora iria gastar com engenheiro”, brinca.


Ele ficou um bom tempo pensando no que teria prazer em fazer e ainda ganharia dinheiro. “Sempre pensei no sucesso, nunca coloquei o dinheiro em primeiro lugar. Pensava sempre mais no sucesso, porque tendo sucesso, o dinheiro vem”, garante. Como gostava de ler, pensou em atuar com escrita ou tradução de livros em meados de 1978, quando tinha 18 anos, no entanto, o destino fez diferente.


“Fui trabalhar com serviço administrativo no Departamento de Estradas e Rodagens do Acre (Deracre) e só andava com livro nas mãos, lendo pra todo canto. O pessoal me perguntava: “Paim, tú conhece o livro tal? O professor passou um trabalho pro meu filho e disse que encontraria nele”, relembra. O entusiasta da leitura dizia que conhecia. “E assim comecei a emprestar os livros que eu tinha, do meu uso mesmo. Só que os colegas começaram a me perguntar: “Eu quero comprar, tú não quer me vender, não? Aí eu dizia: vendo”.


De porta em porta

Antes da loja física da livraria Paim existir, Manoel vendia os livros de porta em porta entre seus colegas de trabalho no Deracre. Nessas andanças, lhe despertou pela primeira vez a ideia de abrir oficialmente uma livraria. “Eu comprava muito livro pelo reembolso postal, pelos correios. Comecei a mandar buscar mais livros e foi quando eu comecei mesmo a pensar numa livraria. Eu não tinha recurso pra fazer isso e comecei comprando livro com o meu salário e revendia para os servidores. E assim revendia livro pra tudo que era funcionário do Deracre”.



A venda aos colegas de trabalho foi tamanha que chegou ao ponto de não haver mais ninguém da repartição para comprar. “Os funcionários se encheram de livros. Alguns estavam devendo e não queriam mais comprar, e cada vez mais chegavam livros pra mim. Aí comecei a procurar outros órgãos públicos”. Paim se dirigiu ao Sesc, que funcionava no bairro Triângulo, e ao Senac, onde vendeu livros aos estudantes de cursos técnicos de culinária, corte e costura, etc.


Em 1979, passou no vestibular para o curso de Letras enquanto continuava a trabalhar no Deracre. “Só que toda folga que tinha ficava vendendo livros. Quando cheguei à universidade, já disse logo que era representante de editora e tudo que era livro quem quisesse eu vendia. Os alunos começaram a me pedir livro, daí fui fazendo negócio com os estudantes de História, Geografia, Pedagogia e comecei a vender nos outros cursos também”.


40 anos de história

Foi em 1981, quando Paim montou uma simples banquinha na instituição de ensino, que tudo começou a mudar. “Coloquei uma mesinha pequena cheia de livros e comecei a vender. Em agosto de 1981 mudei do curso de Letras para Heveicultura e conheci outros nichos de mercado e outros livros técnicos. E assim fui vendendo livros na Ufac até que um ano depois abri uma livraria pequenininha próximo à Difusora, onde atualmente funciona a livraria universitária. Comecei ali, oficialmente, as raízes da livraria Paim”.



Além desse ponto de vendas no centro da cidade, continuou comercializando livros na universidade por cerca de 20 anos. Nesse momento, ele já não fazia mais serviços junto ao Deracre, e dividia os afazeres entre estudo e trabalho. Para ele, o problema do livro não era vender, pois sempre tive facilidade nesse sentido, mas sofria com outro problema. “As editoras não me davam crédito e eu tinha que comprar os livros todos à vista. Como meu capital era pequeno, saía vendendo tudo, motocicleta, aparelho de som, vendia tudo e transformava em livros”.


A primeira editora que deu crédito a Paim, no ano de 1982, foi a atual WW Martins Fontes. Em seguida, foi a vez da editora Saraiva. Segundo ele, as editoras didáticas eram mais difíceis de darem crédito que ele precisava. “Na época, o governo não doava livros e todo mundo comprava esses materiais, tanto escola pública como particular. Não existia nem apostila, nosso maior concorrente eram apenas as xérox”.


Hoje, tem plena consciência de que a livraria faz parte da história de muitos acreanos. “Muitos alunos da Ufac compravam livros meus e depois passaram a frequentar a livraria já pra comprar livros para os filhos. Mais recentemente, esses filhos começaram a comprar para os netos”, conta, relatando que se vê na terceira geração de clientes nessa faixa etária.


Dificuldades

A Livraria Paim é a única mega-store da cidade e que vem resistindo a duros golpes, como diz o proprietário. “Está muito difícil. Dizem que o brasileiro não lê ou só lê no meio virtual. Mas se fosse assim, o comércio dos ebooks cresceria e a gente vê que não cresce, pelo contrário, vem caindo no Brasil e até no exterior”. De acordo com o empresário, os livros físicos caíram nas vendas há 10 anos e se sobressaem os livros chamados best sellers, de autores famosos. “Não é que o brasileiro não lê, é que ninguém estuda mais, não precisam mais estudar tanto. O estudo hoje está muito fraco”.



Para ele, não foi a internet que atrapalhou a busca pelos livros, mas o sistema de ensino. Paim observa que a política educacional no Brasil é falha. “Há outros países com nível elevado de aprendizagem mesmo com a internet, que na verdade é uma ajuda, mas que no Brasil passou a substituir a cultura e a cultura da internet é algo muito simples, superficial”.


No decorrer desses 40 anos de trabalho, já pensou mais de uma vez em fechar as portas da livraria e se emociona ao contar detalhes. “Faz tempo que venho pensando nisso, só não fechei ainda porque estou trabalhando com o coração, porque se fosse com a razão, já teria fechado”. Para tentar reverter a situação, vem buscando repaginar a empresa. “Quando comecei a construir esse prédio, as pessoas diziam: pra que construir uma livraria? isso [livro] está acabando. Mas a Paim está resistindo. Eu dizia: um prédio, sempre vai ser um prédio. Se a livraria não der mais certo, aluga e acaba a história, não vai ser dinheiro perdido, nem jogado fora”.


Paim tem um casal de filhos, mas nenhum dos dois pensa em seguir adiante com a livraria, segundo o pai. “Os meninos não querem saber de trabalhar em livraria. Meu filho mais velho é nutricionista e minha outra filha é design de moda, trabalha em São Paulo e não quer mais nem voltar pro Acre. Gostaria que tivesse um dos herdeiros que pudesse continuar, mas não me iludo muito com isso, porque as pessoas de hoje não pensam da nossa forma, que nós já estamos ultrapassados. Se um dos meus filhos continuasse meu trabalho seria excelente, mas se não for…”.


Depois de mudar a livraria para o atual endereço, na rua Rio Grande do Sul, 182, há oito anos, o dono começou a colocar mais objetos para vender além dos livros, principalmente relacionados à papelaria. “Mas isso não é o principal, é só uma ajuda. O principal ainda é o livro. Há 40 anos sobrevivo do livro”. Ele conta que antigamente vendia para os municípios porque as escolas e prefeituras compravam, mas hoje em dia, não mais. “O governo doa livros didáticos desde o primário até o ensino médio e escolas particulares estão investindo em sistema de ensino, que é mais rentável”.


Houve uma época em que a venda de livros era satisfatória no Acre, no tempo em que os governos estaduais investiam a compra e realização de bienais de livro. “Acabou-se o estado em relação a investir em cultura. Não houve mais”. Para Paim.


Esperança

O empresário já chegou a ler dois livros por semana quando residiu por um período em Porto Velho (RO). “Trabalhava num acampamento sem televisão, só tinha lâmpada, e mesmo assim, às 21 horas desligava tudo. Lá eu lia dia e noite”. O livro Grandes Vidas, Grandes Obras foi um marco para Paim, que leu a publicação duas vezes, que apresenta biografia de personalidades famosas.



A livraria Paim é majestosa e conta com 12 funcionários atualmente, mas já chegou a possuir 50 colaboradores. O local tem 16 salas de escritório alugadas e um auditório, além da biblioteca. Desde o início até hoje, Paim tem a ajuda de sua esposa, a professora Luiza de Brito, na condução da livraria. Em 2007 abriu uma filial da livraria em Porto Velho, que funciona como ponto de apoio para atender escolas e professores. Apesar de ter sentido ainda mais queda nas vendas durante a pandemia, tem tentado se reerguer com o apoio de clientes antigos que mantêm viva até hoje a fantasia da leitura.


“Há diferenças do leitor de quando comecei a trabalhar para hoje. Naquela época, a gente lia bastante porque não tinha televisão, só tinha o cinema mesmo e no interior nem cinema tinha. Para mim, esse cenário poderia ser diferente e não precisava ninguém procurar as livrarias, bastava que o governo incentivasse o estudo, melhorasse o nível desses alunos, que os próprios pais passariam a procurar as livrarias”, finaliza.