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Saltenha do Pastor, a mais famosa do Acre, tem raízes na Turquia, trazida pela família Mugraby

É num espaço estreito e acolhedor, medindo apenas 2 metros de largura, que se encontra uma das iguarias mais conhecidas do Acre: a saltenha do Pastor. Apesar do nome sugestivo, nada tem a ver com religião. Pastor Bravo Mugraby é o nome do descendente turco que trouxe a receita (guardada a sete chaves) que deu origem ao salgado mais procurado no Cantinho Lanche do Pastor, a lanchonete mais antiga em funcionamento no coração da cidade de Rio Branco, ao lado da agência dos Correios e de frente ao Novo Mercado Velho.


Após 42 anos de existência, o estabelecimento tornou-se um valioso patrimônio cultural em plena capital acreana, vendendo mais de 400 saltenhas por dia, fora outros produtos. ‘Seu Pastor’, como era conhecido, tinha origem familiar na Turquia e faleceu há cinco anos, mas deixou um legado de respeito que vem sendo perpetuado pela família, seguindo a majestosa trajetória construída por ele no âmbito culinário.



Seu filho, Clayton Ribeiro Mugraby, a nora Marilza Carrilho de Souza Mugraby, e os netos Nathan Carrilho Mugraby e Marcus Vinicius Carrilho Mugraby, são os responsáveis por comandar a tradicional lanchonete desde 2016, após a morte do patriarca. São eles quem seguem eternizando o tempero ensinado pela mãe de Pastor. Felizmente, o filho, Clayton, e os netos Nathan e Marcos, conseguiram aprender o segredo das saltenhas para suceder o criador.


Como tudo começou

A história do Cantinho Lanche do Pastor começa em Guajará-Mirim, cidade do estado vizinho Rondônia. Foi lá que onde ele nasceu e foi criado pela mãe, que tinha parte da família com descendência turca e outra boliviana. Daí a explicação para a paixão dos Mugraby’s pelas saltenhas (salgado foi difundido pela Bolívia). Pastor aprendeu a fazer saltenha muito cedo com a mãe.


Adulto, começou a trabalhar como carteiro numa agência de Correios da cidade, e pouco depois recebeu chamado para ser transferido a Rio Branco. “E ele veio pra cá. Foi crescendo dentro da empresa e virou gerente daqui. Por ele estar sempre aqui no Correios, viu surgir esse ponto, onde hoje é a lanchonete”, conta a nora, Marilza. O ponto chegou a fazer parte do Correios antes de ser adquirido. “Uma pessoa invadiu aqui e depois vendeu pra ele. Posteriormente, ele adquiriu [espaço] no usucapião”.


O objetivo do carteiro que virou gerente e se aposentou pelo Correios, sempre foi vender suas saltenhas. O Cantinho existe há mais de quatro décadas sempre no mesmo local. “Ele começou a fazer a saltenha, sempre vendendo todo tipo de salgado, como quibe de arroz, pastel de queijo, carne, mas a saltenha era o principal daqui”. Com o passar do tempo, a receita de família virou um sucesso e foi atraindo cada vez mais clientes.


A família conta que Seu Pastor trabalhou até enquanto pôde. “Ele ficou aqui até morrer. Era ele quem fazia os recheios. Pastor vinha para a lanchonete até aos domingos, quando estava fechada, só para conferir se estava tudo certo com as coisas dele. Entrava 5h da manhã e só saia 18h da tarde todos os dias”, revela a família. Atualmente, entre todos os funcionários, só Clayton e os filhos conhecem e fazem todo o preparo do recheio.


De pai para filho e do filho aos netos

Já são pelo menos quatro gerações que carregam a receita sigilosa que dá vida à saltenha mais famosa do estado. Marilza relata que aconteceu algo incrível, quase sobrenatural pouco antes de o patriarca da família Mugraby falecer. “Antes dele morrer, meu esposo acordou de madrugada e pensou: rapaz, eu vou aprender esse recheio. Isso aconteceu dois meses antes. Seu Pastor ensinou meu esposo, que já ficou fazendo os recheios das saltenhas, desde então”.


Os próprios clientes sempre brincavam com a receita secreta e viviam dizendo para que Clayton, Marilza ou os filhos aprendessem logo para não ficarem sem o lanche, pois Pastor já estava ficando mais velho. “Meu sogro até ficava chateado quando falavam isso”, brinca a nora. Hoje, quem mais fica dentro do empreendimento são os netos. Clayton se dedica mais à parte administrativa dos negócios, às compras, Marilza ajuda na cozinha e os netos atendem, cuidam do marketing, dos recheios e se encarregam de manter a qualidade dos produtos.



“Nós temos clientes que já comem aqui há mais de 30 anos. Eles mesmos falam que só comem salgado se for aqui. Acredito que nosso diferencial seja sempre dar o melhor aos clientes”, diz a matriarca. Com o criador do negócio, eles afirmam ter aprendido a perseverar. “Não é fácil, não. Agora nessa pandemia, então, quase que a gente fecha as portas. Meu sogro teve uma perseverança muito grande por esse lanche, porque já passamos por várias crises aqui”.


Mesmo com as dificuldades, a família encontra forças para seguir tocando o legado de Pastor. A empresa se tornou um negócio familiar. A maior parte dos colaboradores tem o mesmo parentesco, quando não, são amigos ou colegas muito próximos da família.


Segredo do sucesso

A nova geração da família Mugraby, que gere a lanchonete deixada pelo Pastor, não tem dúvidas de que possuem dois importantes fatores para um sucesso de tão longo prazo. São eles: tempero e clientela fiel. “A gente compra os melhores produtos, tentamos agradar o cliente assim. Nosso produto não é um produto barato, as pessoas até brincam dizendo que é o lanche mais caro que tem, só que a gente procura fazer o melhor e todos gostam”.


O tempero também é tido como um dos segredos importantes da empresa. “Nossos produtos são muito bem temperados. A gente não economiza nisso e essa atitude vem desde quando Seu Pastor era vivo. Sempre compramos os melhores ingredientes, gastamos muito dinheiro com tempero”. No atual cenário da economia brasileira, com o preço dos produtos elevando constantemente, fica difícil manter um preço mais baixo nos salgados. “É complicado para o cliente. Ele chega aqui e tem aumentado o valor das coisas. É uma luta constante para podermos manter isso aqui”, lamentam.



A conquistas de centenas de clientes também é outro ponto que favorece o estabelecimento. “Graças a Deus temos clientes tão fiéis que, mesmo com as portas fechadas na pandemia, eles vinham aqui atrás de comprar. Atendíamos eles em drive-thru e eles diziam que não iriam deixar a gente, que iriam continuar conosco para nós não fecharmos a lanchonete”. Chegava a formar fila de carros na rua do Cantinho enquanto estavam na bandeira vermelha da pandemia.


No pico da contaminação de Covid-19, eles tiveram de demitir todos os funcionários. “Ao todo, são 13 colaboradores. Quando fechou tudo, todos nós da família tivemos que colocar a mão na massa para não ter que fechar em definitivo. Recentemente estávamos vendo que não estava dando para manter aberto porque nunca atrasamos pagamento de salário e começou a atrasar. Aí foi quando decidimos aumentar o preço dos salgados”.


Esse foi mais um dos momentos difíceis, mas que por incentivo dos clientes, acabou superado. “As pessoas que compram todos os dias dizem: ‘aumente o preço do produto, mas não caia sua qualidade, porque o seu salgado é muito bom. Isso que dá estímulo pra gente. O nosso próprio cliente dizer isso”.


Renovação

Passados mais de 40 anos, hoje o empreendimentos sustenta cerca de 15 famílias. São 80 litros de recheio de saltenhas feitos diariamente. Cada uma delas leva aproximadamente 185 gramas do recheio com tempero secreto. Agora, planejam expandir os negócios. “Pretendemos deixar tudo bem mais estruturado fisicamente. Já começamos a investir nas redes sociais, no marketing e no delivery, coisa que antes não fazíamos”, conta Nathan Mugraby, um dos netos que ficam à frente da empresa atualmente.



Como o ponto da empresa é um patrimônio deixado pelo patriarca e Clayton tem cinco irmãos, a família paga um valor como se fosse o aluguel para os irmãos. A família vive exclusivamente com o lucro da lanchonete, dependendo da continuidade do sucesso nas vendas. Marcos Vinicius, também neto do Pastor, reconhece a importância da lanchonete na cidade. “Esse lanche já virou um patrimônio do Acre e vi que é uma oportunidade de crescer cada vez mais. Uma das coisas que fizemos para contornar as dificuldades foi o delivery. Quando começou a pandemia, nós mesmos que fazíamos entrega nas motocicletas, por mais de um ano eu e meu irmão fazendo as entregas”.


O sistema de entrega vem dando muito certo. “Depois fomos nos organizando, chamando motoboy. Antes disso, além de entregar, a gente cozinhava, atendia, fazia de tudo mesmo. Eu e meu irmão crescemos aqui dentro”. Para o neto, o Cantinho significa muita coisa. “Não são 10 anos, são 42. A gente cresceu nisso aqui, a gente depende disso. Além do lado financeiro, tem uma historia muito grande que começou com o meu avô. Ele sempre ajudou muito a família, mesmo antes de meus pais assumirem o lanche. Ele sempre tentou ao máximo unir a família, e tudo isso era possível porque ele tinha esse lugar. Foi um meio de unir toda a família, então, o Cantinho significa família”.


Nathan, o mais novo, conviveu pouco com o avô. “Quando comecei a trabalhar aqui, ele já havia falecido. Meu pai estava muito sobrecarregado e por isso que eu vim. Mas como a gente cresceu aqui, uma coisa que a gente percebia é que tudo que ele ia fazer, fazia não para ele, mas porque ele pensava no cliente”. Até hoje os Mugraby’s priorizam cozinhar pensando no cliente e não neles próprio. “Tem cliente que chega aqui e fala: ‘meu pai me trazia aqui e agora estou trazendo meus filhos’. Por isso que por muito tempo isso aqui não fechou, porque tentamos, ao máximo, trabalha conforme o cliente gosta. Tem coisas que eu tenho que cozinhar que eu não gosto, mas eu sei que os clientes gostam. Então a gente tenta ao máximo colocar sempre o cliente em primeiro lugar”.


Amor e qualidade

Além do produto principal de vendas, que é a saltenha, o Cantinho ainda conta com uma variedade de outros salgados, como coxinha, quibe, pastéis e sucos. O empreendimento foca ainda em recheios especiais, como camarão, bacalhau e recheios doces. Nathan diz que apesar de a situação não estar fácil pra ninguém, tentam fazer o podem. “O custo é muito alto, mas a mensagem que deixamos a quem se inspira na gente é fazer as coisas com o maior amor possível e qualidade”.


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Neto do Pastor ensina como comer a saltenha do jeito certo – Vídeo: Sérgio Vale/ac24horas.com


A paixão pelo tempero do Pastor faz com que inúmeros clientes comprem as saltenhas congeladas para levar para fora do estado e até outros países. “A gente tem persistido nesse caminho e graças a Deus, toda semana sai até cinco encomendas pra fora do estado. São acreanos que estão morando fora do Acre ou familiares que vêm aqui visitar e quando estão voltando levam consigo. Toda semana sai de 10 a 15 saltenhas pra fora. Eles congelam aqui e quando chegam lá, descongelam e fritam”.


Os netos afirmam que esse é o caminho, de fazer o trabalho sempre com amor e tentando agradar os clientes. “A gente não tenta fazer algo pra ganhar dinheiro, porque se a gente focar nisso, as coisas não vão sair legais, porque dessa forma a gente acaba tentando economizar em alguma coisa, economizar no tempero, por exemplo. Mas quando a gente faz algo que é pra agradar as pessoas, com amor, com qualidade, sem pensar no dinheiro e no retorno, o sucesso vem com consequência”, concluem.