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Enquanto a floresta fica em pé, quem se deita?

Me ocorreu essa pergunta depois que vi os cochilos do presidente americano Joe Biden (foto acima) na COP 26, evento para o qual afluem periodicamente praticamente todas as lideranças mundiais e suas comitivas, em milhares de jatos superpoluentes. O dorminhoco aí da foto chegou no evento com mais de 60 veículos. Houvesse uma poltrona e Biden espicharia as pernas, como, aliás, fazem todos aqueles que entre uma COP e outra se refestelam em dinheiros que NUNCA chegam ao destino conforme o prometido. O centro de tudo são as emissões globais de Gases do Efeito Estufa – GEE.


No quadro abaixo pode-se ver com clareza a contribuição de cada país em termos de emissões de GEE.


            


Três países (China, EUA, Índia), emitem quase a metade de dos GEE que todos os serumanozinhos na terra mandam para a atmosfera. O presidente da China que emite 27% dos GEE (dez vezes mais que o Brasil) nem sequer compareceu. Farejando uma presepada politiqueira ensaiada, Bolsonaro também não foi, mandou representantes assim como vários outros presidentes. Quem não perde uma são os caloteiros e os “calotados” de sempre. 


A impressão é que a COP está ficando igual à cerimônia do Oscar. De tanta lacração, ta perdendo a graça. Desta vez botaram uma índia brasileira pra falar o que a Terra andou lhe dizendo ao ouvido em suas conversas freqüentes. A Greta fez sua manifestação como esperado, milhares de técnicos e a assessores estiveram por lá em debates e oficinas, mas, a rigor, o troço não anda, a grana não sai, e os projetos emperram na burocracia e no faz de conta que só alimenta mesmo é a industria de consultorias e ONG’s de toda espécie que passam no bufe da festa. 


Ao cabo, a mesmíssima conclusão das anteriores. Um rol de compromissos para o futuro e uma certeza. Sem China, Índia e Rússia se comprometendo e cumprindo compromissos elevados, nada acontece. E o Brasil? Responsável por menos de 3% das emissões, nosso país paga uma conta que já tem até um nome bonito – manter a floresta em pé, pois grande parte da sua contribuição, dizem os especialistas, vem das queimadas na Amazônia. “Oba! Deixa com ‘nóis’!”, vamos salvar o mundo mesmo que a China entupa os céus de carvão e petróleo e a Índia seja um esgoto a céu aberto. No fim das contas, o Brasil prometeu zerar o saldo – neutralidade do carbono até 2050, e antecipou para 2028 o fim das queimadas ilegais na Amazônia. A taxa de desmatamento será reduzida à metade até 2027. 


Antes que alguns venham com mimimi, adianto que, no meu entendimento NENHUMA árvore nativa deveria ser derrubada em lugar NENHUM no mundo, menos ainda na Amazônia. Por causa das  mudanças climáticas? Não. Independentemente das incertezas quanto à real dimensão da influência humana nas mudanças climáticas, a Amazônia precisa ser preservada por causa de um cálculo econômico simples que serve para qualquer coisa – a desnecessidade. As áreas legalmente disponíveis para a exploração são suficientes para que respondam ao desafio da segurança alimentar aqui e alhures durante muitos anos.


Simplesmente, não há nos dias de hoje demanda justificada para o avanço da agropecuária sobre a floresta, menos ainda da exploração madeireira. Não havendo necessidade, devemos poupar todo o estoque natural que pudermos para que seja usado posteriormente conforme a demanda, se houver. No verbo de um ambientalista típico isso se chama compromisso teleológico com as gerações futuras. 


Esse pensamento faz um ecologista ou um negacionista climático? Se faz um ecologista,  é porque há pelo menos duas espécies – os que batem tambor pra adolescentes e os que pensam. Se faz um negacionista climático, é também porque há pelo menos dois tipos – os que querem transformar o Brasil num fazendão em 2022 e os que querem maximizar o resultado dos recursos e esforços empregados no campo. A identificação fica a gosto do freguês.


Voltemos à pergunta que dá título à coluna. Notou que no quadro não aparecem países africanos os países pobres na Ásia e na América Latina? Pois é. Isso acontece porque eles emitem muito pouco, estão afastados do mercado de consumo de bens e energia que produzem as emissões de GEE e a festa nos países ricos. Essa gente toda está em pé buscando sobreviver um dia a cada dia, enquanto vigiam o sono dos gordos e rosados europeus e americanos que produzem as normas aplicáveis globalmente.


Nem vou encompridar a história derramando o drama africano, é uma outra questão que envolve tragédias políticas incontornáveis. Fiquemos por aqui. Repito. A Amazônia deve ser mantida em pé, porém, tal intento somente se realizará de modo sustentável, de longo prazo, se seus habitantes puderem usufruir minimamente de um modo de vida digno, se a própria floresta gerar os recursos necessários e se receber aportes significativos que resolvam a infraestrutura mínima de uma civilização contemporânea.


Se tomarmos itens fundamentais como os níveis de saneamento e de oferta de água potável, é de desanimar. Se tomarmos os indicadores de capital humano, idem. Se nos preocuparmos com infra-estrutura, comunicação e acessibilidade idem, idem. Ou seja, há muito o que fazer para que a manutenção da floresta em pé não signifique o empobrecimento de nossa população enquanto se deitam comodamente os donos do mundo, aqueles que globalizam os problemas e nacionalizam os custos.


O Brasil pode cumprir os compromissos firmados na Escócia? Sim, pode. Mas para tal, precisa que em nível nacional e estadual os governos concertem para a região um plano vigoroso de investimentos e de geração de emprego, de regularização fundiária (reservas no meio) e de modelagem de um processo efetivo de transição de uma economia de base agropecuária e florestal de baixa tecnologia e agregação de valor, a uma outra, de ponta, que nos insira diretamente no mercado.


Queremos e precisamos da floresta em pé e, dentro dela, homens e mulheres felizes, sem o fardo de sobreviver um dia a cada dia em atividades estafantes e de baixo dinamismo, sem vermos nossas crianças aliciadas pelo tráfico de drogas, sem sermos rotineiramente traídos por promessas exteriores que não se cumprem, ou, quando mostram a cara, são equivocadas, pontuais, direcionadas e simbólicas.


Diria que o nosso povo está disposto a manter a floresta em pé, desde que o verbo se transforme em verba e seja mantenedor de um verdadeiro programa de desenvolvimento regional, articulado estado a estado, sinérgico e incisivo em promover, primeiramente, a dignidade humana.


Valterlucio Bessa Campelo escreve todas as sextas-feiras no ac24horas e, eventualmente, em seu BLOG e no site LIBERAIS E CONSERVADORES puggina.org