Os técnicos do IPEA, Mônica Mora e Marco Antônio Cavalcanti, divulgaram no dia 21/9/2021, através da Carta de Conjuntura Nº 52, artigo intitulado: Disponibilidades de caixa e a possível retomada do investimento, tratando das finanças públicas estaduais (https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/210921_cc_52_nota_28_financas_publicas_estaduais.pdf). Nosso objetivo de hoje é destacar alguns detalhes das finanças públicas do Acre, aproveitando a publicação do referido artigo e a recente publicação pelo governo do Acre, dos relatórios do segundo quadrimestre e quarto bimestre de 2021, da gestão fiscal e orçamentária do estado, para atender os requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF.
Os técnicos do IPEA, destacam no artigo que após um longo período de retração da capacidade de gastos, os governos estaduais circunstancialmente depararam-se com um aumento dos recursos disponíveis em 2020, ou seja, espaço fiscal, em contraste com a retração na economia imposta pelas restrições decorrentes da pandemia. A esse respeito o leitor pode reler o artigo que escrevi no dia 04/10/2020 (https://ac24horas.com/2020/12/10/tem-dinheiro-em-caixa/), onde trato sobre este assunto.
Os articulistas buscam entender a evolução recente das contas estaduais, com o objetivo de compreender a dinâmica das disponibilidades de caixa até o primeiro quadrimestre de 2021. No nosso caso vamos avaliar o primeiro e o segundo quadrimestre dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021. Depois disso, vamos relacionar a possível repercussão dessas disponibilidades de caixa, sobre os níveis de investimentos, com a finalidade de identificar perspectivas para o comportamento dessa variável em 2021 e 2022.
Os autores lembram e eu reforço que a disponibilidade de caixa é uma condição necessária para o investimento, porém não é uma condição suficiente, pois investir implica desafios de ordem técnica e de natureza estratégica e política. O crescimento identificado nas disponibilidades de caixa sinaliza o aumento do espaço fiscal e, em princípio, uma melhora da situação fiscal-financeira.
Tecnicamente, as disponibilidades de caixa seriam recursos mantidos no caixa dos governos estaduais e elas são consequências do aumento do superávit primário, observado em 2020-2021. Importante também lembrar que o superávit primário é um fluxo, enquanto as disponibilidades de caixa são um estoque. Então, caso o superávit primário não seja utilizado para financiar o serviço da dívida, esses recursos são acumulados sob a forma de disponibilidades de caixa ou de haveres financeiros.
As disponibilidades de caixa consistem, portanto, em recursos disponíveis para despesas. O seu cálculo implica a dedução dos restos a pagar das disponibilidades brutas. As disponibilidades somam-se aos haveres financeiros, balizando a liquidez e a solvência do estado e integrando o rol de indicadores utilizados para avaliar a capacidade de pagamento.
O gráfico abaixo retrata a situação do Acre, nele podemos observar que o comportamento na disponibilidade de caixa que decorreu de um aumento da disponibilidade de caixa bruta e de uma redução dos restos a pagar processados (obrigações financeiras), o que revela, portanto, uma melhora da situação fiscal e financeira das finanças públicas do Acre.
A trajetória ascendente das disponibilidades de caixa esteve diretamente associada a um aumento do superávit primário do estado, possibilitado principalmente pelas transferências compensatórias em resposta à pandemia da Covid-19 em 2020 e pelo maior dinamismo da economia no primeiro semestre de 2021, mas também pela maior inflação no período, conforme já destaquei em artigos anteriores. É importante destacar, que assim como a maioria dos estados brasileiros, a situação fiscal e financeira do Acre em 2018 estava degradada. Em 2019 e 2020 constata-se a gradual melhora das contas. Pelo superávit primário no primeiro semestre de 2021 sugere-se que o movimento observado em 2020 tendeu a se manter e isso foi possível pelo crescimento marginal da despesa entre 2019 e 2021 em um quadro de aumento real da receita. Como comentamos no artigo da semana passada, o crescimento em 2021 é essencialmente explicado pelo crescimento do ICMS e das transferências do FPE e do FUNDEB.
No Acre, o aumento do superávit primário observado no primeiro semestre de 2021 permitiu que, mesmo após o pagamento do serviço da dívida, fossem acumuladas disponibilidades de caixa – que alcançaram 26,2% da receita corrente líquida (RCL) no primeiro quadrimestre (totalizando R$ 1,579 bilhão) e 27,6% da RCL no segundo quadrimestre (totalizando R$ 1.746 bilhão). Teoricamente essas disponibilidades deveriam abrir espaço para os governos estaduais retomarem uma agenda de investimento, principalmente quando as restrições impostas pela pandemia fossem flexibilizadas.
Infelizmente os números não indicam que essas disponibilidades estejam sendo usadas para a realização dos investimentos. No gráfico abaixo destacamos os níveis de investimento do governo estadual que continuam tímidos, muito longe dos níveis de execução verificados no terceiro quadrimestre de 2018 onde foram executados 54,3% da dotação disponibilizada para aquele ano. Até agosto de 2021, o governo estadual tinha executado somente 17,5% dos recursos disponibilizados em orçamento, ou seja, um gasto de R$138 milhões para uma disponibilidade de R$ 789 milhões no ano.
A realidade econômica do Acre, assim como de todo o país é dramática. O convívio de inflação e desemprego tem levado ao empobrecimento de grande parte dos lares acreanos. A fome está castigando parte significativa da nossa sociedade. Ainda temos 62 mil pessoas na fila em busca de um trabalho; a informalidade atinge 159 mil pessoas ocupadas; temos 45 mil pessoas desalentadas, aquelas que desistiram de procurar trabalho devido às condições estruturais do mercado; o contingente de pessoas subutilizadas soma 173 mil. A taxa de inflação de Rio Branco, nos primeiros 8 meses do ano, já acumula uma alta de 6,5%.
Por fim, os números constantes nos relatórios do governo do Acre demonstram disponibilidade de caixa. Mesmo sabendo que a disponibilidade de recursos não é uma condição suficiente para o investimento, no entanto, a nossa realidade econômica e social estão demonstrando que precisamos muito que essas disponibilidades sejam transformadas em investimentos. Esperamos que a conquista dessa liquidez não seja absorvida em outros gastos obrigatórios, mas que não geram os mesmos efeitos do investimento. O governo precisa identificar as melhores oportunidades de investimento, de modo que os recursos possam efetivamente contribuir para lidar com os problemas estruturais que temos e que foram aprofundados ao longo da pandemia.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas
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