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Acreano filho de doméstica passa para medicina na Ufac

Por
Thais Farias

A história do estudante André Ramon parece ter saído de um roteiro de filme, daqueles bem dramáticos. No dia que completou 26 anos, nessa terça-feira, 10, recebeu a notícia que deve mudar e melhorar para sempre sua vida e a da família. Após sete anos de dedicação aos estudos, conseguiu entrar para o curso de medicina na Universidade Federal do Acre (Ufac).


Um momento memorável foi registrado em vídeo no trabalho da mãe de Ramon, que sempre trabalhou como empregada doméstica e atualmente atua como auxiliar de serviços gerais numa academia de Rio Branco. Dona Vilinilde Arruda Maciel, a Nilda, não conteve a emoção ao saber que o filho finalmente conseguiu atingir seu objetivo.


Mas a caminhada para a glória foi dolorosa. De família pobre, até esse último final de semana seu futuro era incerto. Irmão mais velho de sete filhos, criado por uma mãe solo doméstica, provou todas as dificuldades de pertencer a um grupo de jovens desprivilegiados quando o assunto é acesso à educação de qualidade.


Teve de conciliar o sonho de ingressar em medicina fazendo “bicos”, roçando quintal, limpando piscinas para conseguir o básico de um estudante: se alimentar, comprar livros e manter o foco nos estudos. Ao contrário de muitos, enfrentou empecilhos que poderiam facilmente lhe tirar do bom caminho. Por sorte, driblou as adversidades e conseguiu viver um momento memorável.


“Meu sonho de fazer medicina na Ufac começou em 2014. Venho de família pobre e foi um grande desafio em todos esses anos pelo fator econômico”, disse em entrevista ao ac24horas. “Vim de escola pública e até 2014 nunca tive muito contato com esse mundo de vestibular. Foi bem difícil trilhar o caminho até a medicina, para mim era algo muito distante”, salienta. Além disso, ele sentia que seu nível de aprendizagem e educacional era fraco diante de seus concorrentes. “Não sabia nem fazer uma multiplicação por vírgula”, destaca.


Ajuda do vizinho

Certamente teria sido muito mais difícil alcançar o sonho da medicina sem a ajuda do vizinho, o economista Pablo Marques, que também teve a vida transformada por meio do estudo. Foi ele quem começou a incentivar André nos estudos pagando um cursinho particular. “Graças a Deus conheci um grande amigo, o Pablo, que pagou um cursinho para mim. Foi quando eu comecei a trilhar o caminho da medicina e ter alguma chance de melhorar de vida”, conta.


Pablo ressalta que o jovem tem uma história de vida com muita superação. “Acredito que para quem nasce pobre, a maior revolução da vida é estudar mesmo. Um dia chamei o Ramon e perguntei o que ele queria da vida e se gostaria de estudar”. Ramon iniciou o cursinho voltado para medicina em 2014, mas não ingressou na universidade naquele ano. “Eu tinha começado a engatinhar. Naquela época entrei em Engenharia Florestal mais para ter um ensino superior, mas não me sentia feliz naquele curso”, comenta. Em 2015 surgiu uma greve e ele viu a oportunidade de continuar estudando para passar em medicina e alcançar seu verdadeiro sonho. “Com ajuda do meu vizinho Pablo, voltei para o cursinho, que era um bem melhor e eu fazia “bicos”, roçava quintal para ajudar a bancar minha alimentação, pagar ônibus e outros gastos com os estudos”.



Até hoje Ramon seguiu com esses serviços para manter a rotina de estudos. O economista sempre o ajudou com as despesas relacionadas à educação. “Não me adaptei ao cursinho presencial e ele me passou para um cursinho online, que foi mais fácil de acompanhar. Em 2016 também não passei, mas melhorei muito e isso me deu motivação para continuar”.


Antes de conseguir a nota para alcançar o curso de medicina, o jovem conseguiu passar em pelo menos outros quatro cursos: engenharia florestal, engenharia civil, enfermagem e economia. O vizinho diz que aos poucos Ramon foi evoluindo. “Em 2019 ele ultrapassou a barreira dos 700 pontos no Enem, foi quando eu o avisei que ele estava no ‘game”, conta Pablo.


O economista relata que existem vários “Ramon’s” precisando apenas de uma oportunidade para estudar e de incentivo. “Acredito muito nessa mudança da educação e apostei no Ramon, pois acreditei que ele iria se esforçar. Ele precisava mudar de vida através dos estudos para dar uma condição melhor para a família, porque eu sei do que o estudo é capaz”, garante.


Driblando as dificuldades

O ano de 2017 foi um dos mais difíceis para o jovem sonhador. Muitos problemas familiares. Ele morava com a mãe, seis irmãos e o padrasto. Mas nesse período o padrasto foi embora e dona Nilda teve de assumir praticamente todas as despesas da casa. Ramon não conhece o pai. “Foi um baque emocional e econômico muito grande, que até interferiu na minha nota. Não consegui estudar bem naquele ano, apesar de ter melhorado em algumas áreas”.


Após um tempo de adaptação, em 2018, conseguiu estudar na biblioteca da Ufac e viu chegar mais perto do sonho. Em 2019, ainda não conseguiu vaga em medicina, o que o causou grande frustração. Nesse ano ele ganhou uma bolsa de 100% num cursinho tradicional da cidade para formar ingressantes em medicina, o que o ajudou bastante. “Eu sempre tinha comigo que, além de medicina ser meu sonho, era minha grande chance de mudar de vida, então eu não poderia desistir”.


Em 2020 Ramon ‘bateu na trave’, ficando como o próximo na lista de espera, mas não foi chamado. “Isso também me causou grande frustação e ansiedade, tanto que tive crise de ansiedade e acabei parando no hospital”, relata. A vitória veio neste ano, com resultado do Enem feito ano passado com a pandemia. “Não consegui passar no Sisu 1, no início do ano. Isso me abateu, mas no Sisu 2, que saiu agora, graças a Deus tive essa grande emoção de alcançar meu sonho que era passar em medicina”, afirma.


Emoção da mãe

Assim que saiu o resultado do Sisu, Ramon se reuniu com amigos e a primeira coisa que passou pela cabeça foi agradecer o vizinho e à mãe. “Pegamos um Uber e fui ao trabalho dela [a mãe] para poder agradecer e meu amigo filmou. Naquele momento passou tudo na minha cabeça, de todos esses anos de luta com minha mãe do meu lado, sempre acreditando em mim. Posso dizer que foi o ponto alto da minha vida”, diz emocionado.


O vizinho Pablo diz estar extremamente feliz e explodindo de alegria. “Quando ele me mandou a notícia, até chorei de felicidade. Ramon é a prova de que nada é impossível se você se esforçar, ter persistência, fé em Deus e foco. Assim as coisas tendem a dar certo”. Ramon conta eu ainda falta um longo chão pela frente para poder mudar um pouco de vida, mas que espera “ser um bom médico para ajudar a minha família e amigos”, finaliza.


Veja o vídeo:

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Thais Farias

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