O governo peruano se opõe ao polêmico projeto promovido pelo Congresso para construir uma estrada entre Peru e Brasil, na Amazônia, através de parques nacionais de ambos os países e perto de uma reserva indígena. O ministro do Meio Ambiente, Gabriel Quijandría, advertiu nesta terça-feira, em conferência com a Associação de Imprensa Estrangeira no Peru (APEP), que esta infraestrutura pode incentivar o desmatamento ilegal e o tráfico de drogas que já afeta o local.
O projeto de estrada entre a cidade peruana de Pucallpa, capital da região de Ucayali, e o município de Cruzeiro do Sul, o segundo maior do Acre, foi declarado de interesse nacional pelo Congresso do Peru em maio.
A iniciativa foi aprovada pelo Parlamento somente com a opinião favorável da comissão parlamentar de Transportes, e sem ter sido revisada pela comissão de Povos, Meio Ambiente e Ecologia.
No Brasil, a proposta da estrada é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o senador Márcio Bittar (MDB). Ambos não se manifestaram ainda sobre as declarações do governo peruano.
NECESSIDADE QUESTIONADA
Ao longo de 250 quilómetros entre rios e florestas amazônicas, esta estrada atravessaria o Parque Nacional da Serra de Divisor, que atravessa a fronteira entre Peru e Brasil, e passaria também muito perto da Reserva Indígena Isconahua e da proposta de Área de Conservação Regional do Alto Tamaya.
“O Ministério do Meio Ambiente sempre insistiu na necessidade de compreender que a infraestrutura tem que responder a uma estratégia de desenvolvimento. Um projeto de infraestrutura não é uma estratégia de desenvolvimento. É um meio para alcançar algo”, disse Quijandría.
“Se não estiver claro sobre que tipo de desenvolvimento quero alcançar em um território e não estou claro sobre as características desse território, estou provavelmente propondo infraestruturas que não preciso”, acrescentou.
O chefe da pasta argumentou que, como resultado das condições da pandemia de Covid-19, ficou provado que a necessidade de infraestruturas rodoviárias “não é tão crítica”, enquanto outros tipos, como acesso à internet em áreas remotas, distantes e rurais, têm sido urgentes.
PRECEDENTE NEGATIVO
Quijandría recordou também a experiência com a rodovia interoceânica que liga Peru e Brasil através da parte sul do território peruano.
“Em 2001, dissemos que o efeito mais claro que a rodovia interoceânica teria seria facilitar a exploração mineradora ilegal na região de Madre de Dios, e infelizmente não nos enganamos”, lembrou Quijandría.
“Ao facilitar o acesso e reduzir os custos logísticos para os operadores da economia ilegal, juntamente com o aumento do preço do ouro, foi uma tempestade perfeita”, explicou.
O ministro complementou que essa estrada foi uma das principais causas de um pico histórico de 50 mil hectares de florestas arrasados nesta região entre 2016 e 2017, incluindo vários setores da Reserva Nacional de Tambopata que “felizmente conseguiram ser recuperados”.
A Defensoria do Povo também manifestou oposição à estrada Pucallpa-Cruzeiro do Sul, com o argumento de que colocaria em risco a saúde e a vida dos povos indígenas em isolamento, além de levar perigo às florestas virgens.
O órgão de defesa dos direitos advertiu que a resolução do Congresso “carece de análise e apoio para a sua viabilidade socioambiental” e lembrou que “é importante promover o desenvolvimento econômico, mas considerando alternativas que sejam compatíveis com o desenvolvimento sustentável e a garantia de direitos”.