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A volta do saneamento à agenda dos governos

Por
Orlando Sabino

Um dos debates mais interessantes e importante que estamos vivenciando no mundo da política local é uma possível volta da prestação dos serviços de saneamento (água e esgoto) da capital para o âmbito municipal. Nada mais justo e salutar, afinal, por preceito constitucional a prestação desse serviço essencial é de competência do município. Porém, como especialista na área, no artigo de hoje, faço algumas observações que reputo como importantes para que erros que foram cometidos no passado não possam se repetir, sob pena de estarmos, mais uma vez, negligenciando a prestação desse importante serviço, um direito humano, tão essencial à vida.


É importante ressaltar que estamos assistindo, mais uma vez, uma ação forte dos atores governamentais e grupos de interesse locais, como os partidos políticos, trazendo o saneamento para dentro da agenda política, ensejando uma nova mudança no setor, como aquelas que ocorreram em 1997; quando a responsabilidade pela gestão dos serviços era do estado e passou a ser gerido pela prefeitura; quanto a de 2012, quando a prestação dos serviços retornou para o governo estadual. Nas duas mudanças, os empreendedores da política foram capazes de demonstrar a relevância de um problema para a população, aumentando o apelo da questão e a probabilidade de o governo garantir engajamento e apoio. Ficou demostrado que investir em saneamento gera ganhos políticos e, assim, o saneamento pode ser um “símbolo” forte para ser incluído na agenda política. Parece que a história está se repetindo.


Na mudança de 1997, foi desenhada uma intrincada negociação política, iniciada em 1996, envolvendo vários atores locais e a utilização do saneamento como bandeira política nas eleições municipais daquele ano, o que possibilitou que o setor ascendesse à agenda dos governos. A mudança de 2012 ocorreu pela decisão do Governo do Estadual de incluir, dentro de suas prioridades, um amplo programa de pavimentação e saneamento através do Programa Ruas do Povo, na cidade de Rio Branco, que previa a pavimentação de praticamente 100% das ruas da cidade, acompanhadas de instalações de redes de água e esgoto. A justificativa da administração municipal à época era que a autarquia municipal (SAERB), responsável pela gestão dos serviços, vinha acumulando déficits financeiros ano a ano, desde a sua criação em 1997, devido a diversas falhas em sua gestão. Por esse motivo, não tinha como absorver a expansão gerada pelo Programa Ruas do Povo, pois a empresa encontrava-se na impossibilidade de manter até mesmo o parque operacional existente na época.


Ao que nos aprece, agora, em 2021, teremos mais uma vez a ascensão dos serviços de saneamento na capital de volta à agenda dos governos (municipal e estadual). Temos de um lado, o prefeito eleito por uma junção de forças políticas do estado, que incluiu a questão do retorno da prestação dos serviços de saneamento, hoje prestados pelo estado, para a prefeitura em seu programa de governo, e do outro lado, o Governador, hoje detentor da gestão dos serviços da capital que não apoiou o prefeito eleito. O problema está visível, o sistema de saneamento da capital colapsou e passou a ser um gargalo para a administração estadual. Portanto, já houve manifestação explícita do Governador que não criará nenhum óbice para transferir os serviços ao município. Portanto, a primeira negociação já está em curso.


A nova municipalização dos serviços vai acontecer num ambiente em que o país vive um novo marco regulatório para o saneamento que, em síntese, preconiza uma maciça privatização dos serviços, sem precedente em qualquer país, no período mais recente, acobertado por uma ideologia neoliberal que dita as regras nas atuais políticas públicas no Brasil, com fortes incentivos à privatização em diversos setores.


O prefeito eleito de Rio Branco deve estar ciente que hoje, os serviços são totalmente deficitários e que, portanto, o governo municipal terá que desembolsar recursos para a manutenção de todas as fases operacionais dos serviços. Que ele não espere um milagre de curto prazo para equilibrar financeiramente os serviços. No curto e no médio prazos, serão necessários destinar recursos do orçamento ordinário, que muitas vezes não estão previstos nas leis orçamentárias. A prestação dos serviços custa caro, portanto é necessário que o governante os tenham como prioridade, entendendo e incorporando que o saneamento é um direito do cidadão comparável a um outro tipo de prestação de serviço essencial, como a saúde, por exemplo. Ele vai ter que tirar esses recursos de manutenção de algum outro lugar, dentro dos parcos recursos da municipalidade. Mas acredito que com uma administração profissional e séria, a sustentabilidade financeira será conseguida e é necessária.


No entanto, lições do passado não devem ser esquecidas. É plenamente possível ter um serviço de saneamento funcionando de forma sustentável. Para tanto, vários passos serão necessários, a começar pelas negociações do processo de transição – a saída dos serviços do Depasa para o Saerb – depois de 8 anos. Não se pode esquecer os recursos humanos, os trabalhadores do setor, que foram esquecidos, principalmente nas negociações de 1997. Negociar bem como ficam os passivos trabalhistas e tributários, se houverem. Catalogar todos os componentes da estrutura do parque operacional (captação, armazenamento, tratamento, adução e distribuição), que deverão ser repassados e constados em contrato. A elaboração ou adequação do Plano Municipal de Saneamento – PMS, onde devem constar, como exemplo: 1. Metas a serem perseguidas para reduzir as perdas da água produzida; 2. Critérios para estabelecer cobranças de tarifas reais, como também subsídios para a população carente; 3. A elaboração de um bom projeto de possíveis fontes de financiamento para a realização dos investimentos de expansão e recuperação de todo o sistema. Tudo isso é extremamente necessário para tornar a gestão sustentável financeiramente, o que é plenamente viável, através de uma gestão profissional.


Finalmente, é importante saber que, se uma nova postura por parte do Prefeito eleito não for tomada na gestão dos serviços de saneamento da capital, não tenhamos a ilusão de que uma nova mudança representará automaticamente numa solução para os precários serviços que são prestados hoje à população da capital. Infelizmente as duas mudanças anteriores não nos autorizam a isso. A história nos diz que uma alternância do poder não vai, por si só, proporcionar melhorias ante um estado de crise vivido pelo setor. As duas mudanças anteriores não foram capazes de modificar significativamente o panorama dos indicadores da prestação dos serviços, principalmente o acesso universal para toda a população.


*Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas.


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