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O saneamento na política eleitoral de 1996 

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Este artigo é a parte III sobre um histórico do saneamento nas agendas dos governos na cidade de Rio Branco. Hoje, vamos avançar na análise de como os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do município de Rio Branco chegaram ao estágio atual, continuando a descrição histórica, iniciada no artigo do dia 30/4 e continuada em 28/5, das quatro mudanças institucionais desde a sua implantação em 1957. No último artigo sobre o tema abordaremos duas mudanças institucionais: a de 1969 (criação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Acre – SAAE) e a de 1971 (criação da Companha de Saneamento do Estado do Acre S/A – SANACRE). A proposta dessa série de artigos é a realização de uma viagem histórica pelos principais movimentos sociais e políticos da oferta pelo poder público dos serviços de saneamento na capital do Acre.  Entender como as autoridades locais trataram esse importante indicador da nossa realidade social, é fundamental para observarmos os próximos movimentos políticos que acontecerão no setor, em virtude da nova Lei do Saneamento, como também, entender como os serviços atingem com maior severidade o grupo mais vulnerável da população acreana e com menor capacidade de superar as condições de orientação para a prevenção da Covid-19.


A proposta de hoje é iniciarmos o relato da criação do Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco – SAERB, uma autarquia municipal ligada à Prefeitura Municipal de Rio Branco, que substituiu a SANACRE na prestação dos serviços de saneamento na capital, em 1997. É importante lembrar que a base para a nossa exposição é um exaustivo estudo que fiz para elaboração da minha tese de doutorado, defendida em 2016 junto à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, cuja versão completa pode ser acessada através do seguinte endereço: http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/1114D.PDF.


No início dos anos 1990, o município de Rio Branco contava com aproximadamente 85% de sua população residindo na área urbana. Apenas 55% dos domicílios urbanos contavam com canalização interna de água, sendo esta, em 86% destes domicílios, proveniente de rede geral e, em 14%, de poço ou nascente. Em termos de esgotamento sanitário, apenas 7,7% dos domicílios urbanos contavam com atendimento por rede coletora de esgotos. 


 No cenário da política nacional de saneamento, em 1986, após tentativas de redefinição de metas do Plano Nacional de Saneamento – PLANASA pelo Governo Sarney, inaugurou-se uma prolongada crise institucional no setor. O Banco Nacional da Habitação – BNH foi extinto e incorporado pela Caixa Econômica Federal – CEF, seguido por várias mudanças institucionais que culminaram com a extinção do Ministério do Bem-Estar Social – BEM, sendo as suas funções incorporadas pelo Ministério do Interior, em 1989. Este contexto institucional marca o início de uma crise e decadência do PLANASA. Com a falta de financiamento, as Companhias Estaduais de Saneamento Básico – CESB, que já vinham apresentando problemas tarifários e baixo desempenho econômico-financeiro, tiveram seus problemas aumentados. A SANACRE não fugiu à regra. Foram várias as dificuldades de cunho financeiro e administrativo que levaram à sua paulatina falência, gerando uma grave crise na prestação dos serviços de saneamento básico em todo o Acre. 


Relatos indicam que, na verdade, a crise profunda na SANACRE eclodiu a partir de 1991, onde à má gestão, a ingerência político-partidária, simbolizada por uma série de contratações de pessoal de forma ilegal e desnecessária que quase triplicou o número de servidores, agravou a situação financeira da empresa, gerando inúmeras ações judiciais, com a consequente geração de passivos fiscais, sociais, trabalhistas e previdenciários. Rapidamente os desmandos atingiram violentamente a prestação de serviços, gerando uma crise sem precedentes na cidade, principalmente no abastecimento de água. Este quadro levou o governo estadual a decretar estado de calamidade pública nos serviços em todo o estado, em 1996. A medida foi seguida também pelo novo prefeito da cidade de Rio Branco que, um dia após a sua posse, em janeiro de1997, decretou estado de calamidade pública nos serviços de saneamento da capital.


Com o esvaziamento do PLANASA, no início dos anos 1990, assim como agora, como o novo marco legal do saneamento, a política nacional de saneamento era marcada pela grande influência do ideário neoliberal, com estímulos e incentivos às privatizações, inclusive com a imposição de barreiras para o financiamento para as companhias estaduais, assim como para sistemas municipais. Mesmo assim, as CESBs continuaram a exercer uma grande influência no setor e os municípios movimentaram-se para exercer um papel diferenciado, tendo os seus interesses articulados pela Associação Nacional das Empresas Municipais de Saneamento –  ASSEMAE. Fechavam-se, portanto, as alternativas para resolver-se a precária situação da SANACRE que, pela situação pré-falimentar, não interessava ao capital privado, mesmo diante de toda a política nacional de privatização do setor em curso.


Nesse cenário, surge a construção do projeto de municipalizar os serviços de água e esgotamento sanitário em Rio Branco. A proposta teve o seu ponto de partida quando uma comunidade de especialistas, tendo à frente técnicos ligados à direção local do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Acre – CREA/AC, com o apoio do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia –  CONFEA, iniciou um debate político e jurídico, em 1995, pela construção do canal da maternidade e de uma nova Estação de Tratamento de Água – ETA 2. Esta discussão abriu um debate em torno do saneamento de Rio Branco. A promoção do seminário “Água vida para Rio Branco” pelo CREA/AC, com o objetivo de discutir alternativas para o saneamento da capital, que contou com a participação de técnicos e especialista locais e nacionais, foi o responsável para gerar interesses de políticos locais que, a partir desse marco, passaram a focar no tema que evoluiu e foi levado para um debate público, via eleições municipais. 


A criação das condições políticas surge nas eleições municipais de 1996. Na disputa eleitoral para a Prefeitura Municipal de Rio Branco, o PMDB, que era aliado político do governo federal, inicialmente opositor e depois aliado do governo estadual (PPR) e opositor ao governo municipal, exercido pelo PT, lança como a sua maior bandeira de campanha a resolução dos problemas do abastecimento de água da capital do Acre.


Findado o processo eleitoral, o candidato do PMDB venceu as eleições com 46,8% dos votos, contra 43% do candidato do PT. Segundo relatos, a proposta de resolver o problema do abastecimento de água foi fundamental para a vitória eleitoral. Um político de oposição ao PMDB analisou que um dos fatores mais importantes e determinante para a vitória eleitoral foi a tese trazida pelo candidato do PMDB que ele iria resolver o problema da água de Rio Branco, tirando do governo do estado a gestão da água e trazendo para o município, já que a gestão dos serviços de água e esgotos são uma prerrogativa do município. Para o político, foi o próprio candidato que identificou um filão. Ele ganhou a eleição prometendo botar água através daquelas máquinas que faziam tratamento, que o pessoal falou que era fábrica de água, que eram unidades de tratamento de água.


Ao assumir o governo municipal é chegada a hora de cumprir a bandeira de campanha. Depois de um intenso debate, a proposta construída foi a criação de uma autarquia municipal que assumiria os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da cidade. A autarquia contaria com o quadro de pessoal técnico e de apoio da SANACRE, que seria absorvido pela nova estrutura. O financiamento das operações da autarquia seria com base em recursos do orçamento da União e, emergencialmente, seriam realizadas intervenções em toda estrutura operacional do sistema de abastecimento de água da cidade.


A implantação do SAERB teve vários desdobramentos importantes que iriam impactar fortemente o seu funcionamento no futuro. Voltaremos ao tema na próxima semana.



Orlando Sabino escreve todas as quintas-feiras no ac24horas.