Eu estava na dúvida entre escrever sobre o carnaval da lacração em que a tônica foi afrontar a religião, costumes e autoridades, ou sobre um projeto estúpido relacionado aos defensivos agrícolas que tramita na Câmara dos Vereadores de Rio Branco (volto a ele outro dia), mas me chamou a atenção o burburinho na mídia com a manifestação popular, marcada para o dia 15 próximo, em defesa do Governo e contra a chantagem em forma de sequestro orçamentário que os capitães do Congresso tentam impor.
Ora, qualquer brasileiro minimamente informado sabe que o Bolsonaro está, desde as eleições, sob ataque frontal da mídia tradicional e, depois da posse, do próprio Congresso que nas duas Casas cria, a torto e a direito, impedimentos à governança. Frustradas as expectativas de indicação de cargos nos ministérios, parlamentares, muitos deles eleitos somente por causa da onda Bolsonaro, lhe viraram as costas e se perfilaram ao lado do ladino Presidente da Câmara, o deputado de 70 mil votos no Rio de Janeiro, Rodrigo Maia.
A mesma coisa ocorreu no Senado Federal. O senador amapaense, Davi Alcolumbre, enroscado na Justiça, derrotou Renan Calheiros prometendo encerrar o período de trevas do Coronel das Alagoas, mas fez pior. Imediatamente alinhou-se ao Rodrigo Maia e à mídia tradicional com o objetivo claro de emparedar o Presidente que, até aqui, não cedeu. Sem opção, Bolsonaro buscou sustentação na comunicação direta com seu eleitorado via mídias sociais e na credibilidade dos militares de que se cercou.
De fato, o presidente não tem base parlamentar suficiente para um governo tranquilo, aliás, não é possível formar uma base parlamentar republicana com estes que aí estão, sequiosos de poder e vantagens. O presidencialismo de coalisão inaugurado pela nova república foi implodido justamente porque seus esteios apodreceram no mercado de votos e consciências.
Sendo assim, o Congresso, onde mandam os caciques partidários descontentes pelo jejum da costumeira promiscuidade com o executivo, resolveu interditar a agenda nacional vitoriosa em 2018, liderada pelo Presidente da República. Sob o argumento falacioso de que defendem a autonomia do Congresso, simplesmente interditam, guardam ou derrotam os projetos do executivo.
Enquanto pedem todos os dias a cabeça de algum ministro, nunca tantos vetos presidenciais foram derrubados, nunca tantos projetos do executivo foram derrotados, dilapidados e distorcidos, nunca tantas MP`s caducaram sem serem votadas. O projeto que autoriza a prisão em segunda instância dorme em algum lugar, o mesmo acontece com a PEC do foro privilegiado. Em outra frente, Rodrigo Maia, o “botafogo” das planilhas da ODEBRECHT, ameaça com um novo imposto sindical visando cooptar em definitivo a esquerdalha do parlamento.
Alguém poderá dizer que foi o Congresso que fez a reforma da previdência. Claro, tratava-se de matéria legislativa, não poderia ser de outro modo, mas esta reforma foi feita APESAR do Congresso que, ao cabo, em aliança espúria com a imprensa dela apropriou-se. Rodrigo Maia, inicialmente o principal agente diversionista da reforma, hoje jacta-se de ter sido o seu promotor, mas na verdade foi preciso a pessoas irem às ruas e força-los a cumprirem o seu dever.
Segue assim a toada. Enquanto criam dificuldades, os presidentes da Câmara e do Senado se locupletam em vantagens e falta de controle de suas administrações. Somente em 2019 o Rodrigo Maia fez 250 viagens em jatinhos da FAB. O Davi Alcolumbre, presidente do Senado, fez do Ministério do Desenvolvimento Regional o cofrinho extra de Macapá, cidade onde seu irmão será candidato este ano. Nada menos que 112 milhões foram destinados para o condado dos Alcolumbre. Verdadeiros escândalos encobertos pela imprensa amiga.
O chamado centrão, grupo numeroso constituído em grande parte pelos que seguem o cheiro de vantagens sejam elas quais forem, é alimentado por facilidades de toda ordem. Desde nomeações nos cargos em comissão da própria Câmara (cerca de 1.400 CNE’s), até viagens internacionais inúteis, tudo é milho na cumbuca pra essa gente.
Na última e inaceitável ação, como se não bastassem as emendas individuais e de bancada impositivas, o fundo partidário exorbitante e o esdrúxulo fundão eleitoral, além das vantagens atribuídas aos gabinetes, resolveram tomar para si, na forma de emendas de relator impositivas, parte do orçamento público na ordem de 30 bilhões. Querem implantar na marra uma espécie de parlamentarismo tupiniquim sem que a população saiba ou queira. Ora, a presidência da república tem no orçamento de 2020 apenas 126 bilhões, todo o resto está comprometido. O Congresso quer manietar o executivo em ¼ de sua discricionariedade que já é mínima em um orçamento de 3,6 trilhões. Para eles, o que importa é não deixar Bolsonaro governar, é ajoelhar o executivo e dele extrair os acordos espúrios que mantinham com os outros governos.
Diante disso, o Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Augusto Heleno vociferou “Não vamos aceitar essa chantagem, FODA-SE!”. Foi a centelha para acender o estopim e mover parte da população a chamar para o dia 15 de março uma manifestação contra as estripulias do Congresso e em defesa do Governo. Daí, bastou o Bolsonaro mandar um “zap” para alguns amigos com um vídeo que recebeu e o mundo lhe caiu em cima. Impeachment! gritaram seus adversários. FHC, Lula, Dilma, Toffoli, Celso de Melo, Gilmar Mendes, Boulos, Gleisi, Rodrigo Maia, Ciro Gomes, OAB, CNBB, Sistema Globo, Folha de São Paulo, Estadão, Veja, até a Marina apareceu para ver no zap motivo para derrubar o presidente. Todo o stablishment contra o Presidente.
Surge ai uma pergunta que não pode ser contida. Aonde estava essa gente toda, enquanto Lula e seus asseclas saqueavam a nação? Quem vê o zap não viu o mensalão nem o petrolão? Estranhíssimo esse distúrbio ótico.
Mas, afinal, o que diz o Bolsonaro no zap? Nada. Não se manifesta, não dá opinião, não conclama, não incita, não pede, não fala. Ele apenas compartilhou, em um grupo privado de algumas dezenas de amigos, embora tenha mais de 35 milhões de seguidores nas mídias sociais, um vídeo no qual há uma exortação à participação na manifestação. O que diz o vídeo contra o Congresso? Nada. Não se refere ao Congresso, apenas exalta o presidente e o próprio povo, fonte nos termos constitucionais de todo o poder. Em miúdos, nem o portador nem a mensagem se referem sequer pejorativamente ao Congresso Nacional, menos ainda o atacando ou propondo seu fechamento.
Vivemos um momento em que o Congresso, partidos, líderes e instituições usam sua condição para emparedarem e chantagearem o executivo, contando para isso com o apoio da imprensa e do Judiciário. O Governo, por sua vez, firme em não ceder e não repetir as alianças podres do passado, vale-se do que lhe resta, ou seja, o apoio da população que permanece ao seu lado.
O povo, sentindo a traição do Congresso e se solidarizando com o Governo, resolveu sair de casa e demonstrar que está vendo tudo. Se o coronavírus deixar, a manifestação do dia 15 próximo ocorrerá e, talvez, com muita força. A radicalização das forças contrárias, a verborragia da esquerda em busca de viabilidade eleitoral, o estertor da imprensa tradicional sequiosa do dinheiro público que por décadas manteve sua farra progressista, e a pouca moral dos detratores do governo apenas fortalecem o movimento pró-Bolsonaro. Em certo sentido, a manifestação que seria em defesa da governança pode vir a ser em defesa do governante, o que junta mais gente.
Alguns analistas, enxergam nisso tudo, sombras de um golpe militar. É apenas calhordice jornalística e oportunismo político. Mais burro do que enxergar golpismo no governo, só o golpismo mesmo, se, por acaso, houvesse. Excluindo alguns fanáticos estúpidos (desculpem o pleonasmo) ninguém entre os apoiadores do governo, nem mesmo os militares, sustentaria tal ideia. Qualquer sinalização neste sentido seria prontamente rechaçada, o que os brasileiros que elegeram Bolsonaro desejam é tão somente que ele tenha condições mínimas de executar sua agenda reformista.
Por fim, lembremos que o direito à manifestação popular é livre. Contra elas chantagens não funcionam, mesmo que a palavra de ordem seja FODA-SE!
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas.