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Governo Gladson, planos e realidade

Fim de ano é mesmo tempo de avaliação, seja da vida pessoal de cada um, de empresas ou de governos. Faz-se uma espécie de balanço que entre outras coisas deve servir para reprogramação, revisão e renovação de metas, processos etc. Um momento em que cruzam-se os planos e a realidade e surgem os pontos a ajustar. Nada a opor, muito pelo contrário.


O portal G1 coletou de cada candidato vitorioso nas últimas eleições para o executivo, as principais promessas de campanha objetivamente traduzidas em metas, verificou o seu status (cumpriu/não cumpriu/cumpriu em parte) um ano após a posse de cada governador e do presidente, e publicou a pesquisa no dia 3 de janeiro. Os resultados repercutiram em todo o Brasil, gerando insatisfações e controvérsias. O melhor índice de realização de metas entre os governos (Espírito Santo) foi de 15 entre 34 filtros, o do Acre foi o mais baixo com apenas 4 entre 68.  Não é trivial que tenhamos tal índice, o que nos remete a uma reflexão.


Não há neste espaço condições de checagem da pesquisa, portanto tomo como verídicas as informações do G1. Ainda assim, de saída, dou como certo que qualquer julgamento do Governo Gladson Cameli com base nestes dados é falso e burro. Se algo pode ser questionado é o próprio Plano de Governo, de onde o G1 tirou 59 das promessas anunciadas.


Um determinado governo deve ser julgado por suas realizações vis a vis a realidade com que se depara em seu próprio percurso e não de acordo com seu plano original. Imaginemos a hipótese em que determinado governo não cumpriu nenhuma promessa de campanha ou do seu próprio plano inicial, mas realizou, fora do plano, dezenas de ações igualmente importantes e necessárias. Este governo é bom ou ruim? Em outra hipótese, ele realiza 100% das metas mas é corrupto e autoritário. É bom ou ruim? Parece evidente que, no primeiro caso, o Governo é bom mas o Plano era falho, enquanto no segundo caso o Plano era ótimo, mas os governantes deveriam estar na cadeia.


Somente quem desconhece a função planejamento poderia supor que planos iniciais se concretizam sem mudanças e adequações. É de sua própria natureza a mudança, pois é calcado nos dados da realidade, a qual está em constante alteração e sobre a qual o Governo tem muitas vezes pouquíssimo controle. O sistema é complexo.


Por outro lado, ainda mais importante, é necessário compreender a natureza do regime democrático. Somente governos autoritários cumprem seus planos ipsis litteris, se colocando acima da sociedade. Eles se julgam melhores e mais sábios que todos, daí, não importa a realidade social vivida, mas o Plano inicialmente concebido que erigem como guia inalterável. Na dúvida, pergunte a Lenin ou a Mao Tse Tung. Nas democracias, de modo diverso, há sempre a busca do diálogo com a sociedade, com o parlamento, com o Governo Federal e com os Prefeitos, com organizações privadas etc. que finda por determinar escolhas nem sempre obedientes ao elenco de ações inicialmente planejado.


Então, a culpa da baixa performance apontada pelo G1 é do Plano de Governo? Em termos. Preservada a reconhecida expertise da equipe responsável, planos de governo são elaborados com base em dados e informações sobre a realidade social e do próprio Estado, vale dizer, a demanda e as condições de oferta de serviços pertinentes à ação governamental, incluindo aí, obviamente, os recursos disponíveis. Ao cabo, o plano revela também a qualidade dos elementos de análise. Dados ruins ou precários resultam em informações falsas e planos sujeitos a constantes e graves revisões. Cabe, portanto, garantir que sejam bons, verdadeiros e suficientes.


Outro elemento a considerar é que muitas vezes candidatos e governantes cometem na interlocução com o eleitor, ou no planejamento, o que denomino de “bons excessos” que fazem uma má execução. Bons porque fundados no bem, na vontade de servir e de resolver problemas comuns, excessos porque vão além da capacidade real do Estado, ou mesmo de suas possibilidades, cometendo uma prodigalidade indesejável para quem executa as ações e implicando baixa performance.


Note-se que o G1 revelou 68 filtros para medir o Governo do Acre, enquanto o Governo de Espírito Santo apresentou a metade, o da Bahia oferece 144 e o de Rondônia apenas 13! Este é, aliás, um dos pontos questionáveis da pesquisa, pois induz a julgamentos em função do número de promessas, sem nenhuma consideração com a importância relativa de cada uma, de modo que a criação de um Conselho qualquer equivale à construção de uma rodovia. 


Outro ponto crítico perceptíveis em alguns planos são as metas nas quais está envolvido o setor privado, que nem sempre responde aos estímulos governamentais com a rapidez ou intensidade planejada. 


Vejamos, no Acre, a inclinação do governo, desde a campanha eleitoral, no sentido de fortalecer o agronegócio, transformando-o idealmente na ponta de lança do desenvolvimento econômico. Há quem tenha entendido essa mensagem como algo imediato, resolutivo. Não é assim que funciona. Este setor, especialmente, exige tempo, confiança, infraestrutura e condições agronômicas e veterinárias que dificilmente se estabelecem no curto prazo. Há, portanto, que se trabalhar muito e por muito tempo até que os resultados apareçam. O fazendeiro não muda de vaca pra soja porque o Governo pediu, e se a vaca subir de preço ele não muda e ponto final.


Neste ponto, alguém poderia perguntar para que serve o Plano, já que será mudado ou até abandonado. Respondo sinteticamente. Estabelecido o rumo, um Plano de Governo bem elaborado serve para organizar e alocar eficientemente os recursos disponíveis, no sentido de alcançar objetivos e metas estabelecidas conforme a realidade verdadeiramente observada sob um ideário político. Um Plano que se demonstra posteriormente estar descolado da realidade social ou da capacidade financeira do Estado serve, na pior das hipóteses, como ponto de partida e deve ser alterado justificadamente quantas vezes necessário, preservando-se o rumo estabelecido, que é, afinal, o principal compromisso político vitorioso nas eleições.




 


 


Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas.