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Vergonha alheia

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Termo que eu passei a ouvir mais recentemente e que não me fazia sentido até alguns dias atrás, quando vi dois senhores, na casa dos setenta anos, mexerem com uma moça que caminhava à minha frente.


Talvez, se eu não conhecesse a moça, teria parado e passado sabão na boca dos dois decrépitos e criado uma pequena confusão com o Senadinho todo como platéia. Mas apertei o passo e fui me desculpar com ela pela falta de respeito dos meus congêneres. Meu sentimento era de pura vergonha, por aqueles homens cometerem tamanha grosseria. Descobri o que é vergonha alheia.

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Juntei o episódio a uma série de queixas que vejo espalhadas nas redes sociais sobre assédio e molestação no transporte coletivo, em eventos públicos, no trabalho, que até agora considerava exageradas. Para quê vagão exclusivo no metrô, na linha do subúrbio?
Pai de meninas, sempre me preocupei se sabiam ou tinham como se proteger da agressão física de marmanjos mal intencionados. Cheguei a dar para cada uma uma bisnaga de spray de pimenta e dicas sobre golpes de autodefesa e evasão. Mas nunca cogitei que havia ainda tanto desrespeito à dignidade delas.


Usei alguns termos para classificar o ato dos dois senhores: mexeram com a moça, desrespeito, grosseria. Será que acham que elas tomam esses arroubos de má-criação como elogios? Uma reverência a formosura, jovialidade, beleza? Será que não percebem o quanto as reduzem a coisas, a peças a venda na vitrine das ruas?


Quem dera fossem somente alguns septuagenários os protagonistas dessa rotina infame que muitas mulheres suportam no dia-a-dia. Suponho que vivemos um momento de retrocesso nas relações sociais. Preconceitos que pareciam superados recrudescem como o sarampo quando descuidamos na vacina das crianças.


A informação cada vez mais fácil e mais direta deveria ter aproximado as pessoas, produzido empatia, proporcionado um ambiente de mais igualdade. Parece estar resultando em mais individualismo, xenofobia, segregação. Isso vale para as relações entre gêneros e também raciais, políticas, religiosas. Vale até para as torcidas do futebol.


Os humanos estão se dividindo em grupos em proteção do que se tornou a humanidade. A civilização está em perigo se não cuidarmos urgentemente dos seus fundamentos.


Na minha opinião, a palavra mágica é ‘respeito’. Sem adjetivos nem predicados. Fracionamos o respeito em políticas afirmativas, em garantias a grupos específicos por gênero, orientação sexual, raça, cor, profissão, religião.


Respeito não é um conhecimento que se ensina na escola ou uma regra que se impõe nas leis. Respeito é prática, vivência. Tem a ver com reconhecer o outro como um igual, em direitos e em sentimentos. Tem a ver com reconhecer as diferenças, as fragilidades, os talentos. Tem a ver com empatia. Tem a ver com limites e com poder.


Muitos dos avanços conseguidos com medidas de inclusão, nas últimas décadas, não estão resistindo a poucos anos da economia em baixa. Faltou, para a minha geração e as seguintes, estabelecermos medidas preventivas contra os preconceitos em geral. Criminalizamos, instituímos instrumentos para mitigar danos, mas pecamos na precaução.


Valorizar o respeito às pessoas, sejam quem forem, precisa voltar à moda. Precisa voltar a ser bonito. Muitas das mazelas que vivemos serão resolvidas: na família, nas escolas, no trabalho e nas ruas.
Já passou da hora de todos assumirmos essa causa.



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Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.


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