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Eis o Brasil e os nossos líderes. Há esperança?

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Valterlucio Bessa Campelo


Costumo dizer que, no Brasil, se for possível burlar uma determinada norma, alguém ou algum grupo a está burlando, se for impossível, ela será alterada. Daí temos mais de 5,8 milhões delas, editadas desde a Constituição Federal de 1988. Vivemos uma espécie de jogo de gatos e ratos, uns gerando leis e regulamentos e outros criando formas de driblar cada normativa da forma mais engenhosa, mais traiçoeira – interessa é sair em vantagem.


Refiro-me neste caso ao injustificável, indecente e corrupto financiamento público partidário e eleitoral brasileiro que, além de sangrar nossos recursos, de plano confronta a constitucional, necessária e justa igualdade entre os cidadãos perante a Lei ao criar vantagens e privilégios aos caciques políticos. Como se não bastasse, parlamentares de várias matizes ideológicas se juntaram nos últimos dias para realizar um novo assalto aos cofres públicos. Explico.


Para início de conversa, está previsto que em 2020 os nossos impostos paguem nada menos que 355 milhões de reais para sustentar os partidos políticos, que são ao todo 33, a maior parte tão iguais em ideologia quanto em patifaria. As contas dos partidos são realizadas em tomada de contas especial pela Justiça Eleitoral, cuja máquina, que custou em 2018 espantosos 8 bilhões de reais, bem poderia servir a propósitos mais nobres.


Em segundo, existe o tal Fundão Eleitoral. Aí já não é para o financiamento dos partidos, mas para bancarmos as eleições dos candidatos. Eram mais 3,7 bilhões de reais pretendidos que ficaram em 1,8 bilhões de reais previstos (pode aumentar a depender do Orçamento) para que os donos dos partidos, já eleitos como o nosso dinheiro, tenham mais dinheiro para financiarem suas campanhas e continuarem donos dos partidos e assim se perpetuarem. A pista de corrida pertence aos partidos.


Em terceiro, cada Deputado Federal, apenas para sê-lo, implica uma despesa individual relacionada a assessores, cotas, verbas indenizatórias etc., (não se trata de despesa de funcionamento da Câmara) da ordem de 2 milhões de reais por ano. No total, mais de 1,0 bilhão anuais. No Senado Federal, a mesma conta soma 580 milhões anuais. Mais que suficiente para qualquer deles dar largada com metros de distância dos oponentes em qualquer corrida eleitoral.


Em quarto, cada Deputado Federal tem direito a 16 milhões em emendas parlamentares ao orçamento geral da união, cuja destinação, via de regra, segue para os prefeitos aliados, garantindo-lhes apoio político-eleitoral. A mesma coisa no Senado Federal, fazendo um total de quase 10 bilhões em 2020. Mais muitos metros de vantagem na pista para os caciques. 


Aqui, um parêntesis para lembrar que, segundo alguns dados recentes, em termos aproximados, anualmente, o Congresso Nacional que é o segundo mais caro do mundo, custa cerca de R$10,8 bilhões, as Assembleias Legislativas levam outros R$11,2 bi e os legislativos municipais consomem R$11,55 bi. As despesas legislativas nacionais somam, pelo menos, algo como espantosos 32 bilhões de reais. 


Acham isso pouco? Pois eles acham. Nos últimos dias, acossados pela opinião pública, os Senadores, muitos a contragosto, deram um stop num projeto dos Deputados que pretendia aumentar o estrago, visando as próximas eleições. Não adiantou muito. De volta à Câmara Federal, suas Excelências aprovaram nesta quarta-feira a mitigação do já fragilíssimo controle de gastos eleitorais, um alvará para o crime de Caixa 2 e espetaram suas despesas advocatícias e contábeis em nosso lombo em valores indefinidos (!). As multas relativas a seus crimes eleitorais também vamos pagar. Os famigerados programas na TV, idem. O impulsionamento de suas campanhas na internet, ibidem. Até a construção de sedes partidárias sairá de nosso bolso. No conjunto, mais uma absurda tungada financeira e moral. 


O argumento dos que se atrevem a defender abertamente o embuste recente é cínico. Para eles, como disse ontem o glutão Rodrigo Maia, presidente da Câmara Federal, “a democracia tem um preço”. É obvio, mas não precisa ser escorchante, imoral. 


Há, portanto, um sistema legal, porém injusto e indecente, de manutenção no poder de uma certa persona (em termos psicológicos) cujo talento principal é a capacidade de convencer o eleitor de seus “bons propósitos”. Condição, aliás, que se transforma em partilha, herança ou mercadoria, dado que comumente é transferida a outrem como em testamento ou contrato.


Ao mesmo tempo, refesteladas no dinheiro público, as turmas hipócritas se revezam nas tribunas parlamentares reclamando da crise econômica, do corte de bolsas de estudo, da falta de combate ao desmatamento na Amazônia, do desemprego, da precariedade do SUS, da violência e tantas outras mazelas que afetam a sociedade que dizem representar. Um deboche.


Vivemos em um sistema de verniz democrático, de instituições republicanas em (mal) funcionamento, mas submetidos a um processo insano, sem sentido, movido a chantagens e essencialmente antidemocrático à medida que solapa na raiz a igualdade de oportunidades. Infelizmente, a aposentadoria de meia dúzia putrefata por falta de votos nas últimas eleições não alterou significativamente o parlamento. “Achou que ia mudar? Achou errado, otário!” diria o Rogerinho do Ingá, personagem humorístico de Caito Manier. Apesar do encarceramento de uns e derrota de outros, o grande monstro está mais vivo do que nunca, como um Kronos a comer seus próprios filhos, no caso, NÓS, nossas esperanças, tudo sob os olhares complacentes, acumpliciados, do Judiciário e do Executivo.


Soa tolice falar em renovação na política, em avanço civilizatório, em mudança de paradigmas, em novas lideranças e perspectivas, se estamos encalacrados em um mecanismo criminoso, robusto, de conluio a partir do topo, que renova a si mesmo cooptando lideranças emergentes, comprometendo a imprensa e erguendo muralhas jurídicas contra iniciativas de alguns poucos brasileiros destemidos.


Pior é que piora, basta observar as principais lideranças de hoje. Do STF, que deveria ser uma Casa de Honoráveis, aos partidos políticos, que deveriam ser constructos de ideias democráticas, vemos criaturas que fariam corar de vergonha muitos de seus antecessores. O que diria Evandro Lins e Silva ao se defrontar com um Dias Toffoli? O que diria Rui Barbosa ao topar na escada com um Davi Alcolumbre? Como se comportaria Ulysses Guimarães ao dar de cara com o Rodrigo “botafogo” Maia? Estamos, pois, também pelos personagens, a mercê de um verdadeiro circo de horrores, onde, desde que necessárias, se praticam todas as ignomínias por um único fim – mais poder aos poderosos.


Enquanto isso, nas ruas, igrejas, universidades e mídias sociais, as gentes honestas perguntam estupefatas como se deixaram levar a este ponto. Perante o Brasil de hoje, me ocorre a inscrição à porta do inferno n’A Divina Comédia, de Dante Alighieri, “Deixai todas as esperanças, ó vós, que entrais”.




 


 


Valterlucio Bessa Campelo é Eng.º Agr.º, Mestre em Economia Rural e escreve todas as sextas-feiras no ac24horas.