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A TERRA QUE SENTE

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Da redação ac24horas

Setembro acabou de ir embora e levou o mês em que foi fundado o primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Acre: o str de Sena Madureira. Era 20 de setembro de 1975, quando elegeu o seringueiro Adelí Bento como o seu primeiro presidente, tendo a presença combativa e esperançosa, nesse ato histórico, no colégio Santa Juliana, do padre Paolino Baldassari.


De lá pra cá foram 40 anos de luta pela terra, de resistência e combate, de imensas conquistas dos trabalhadores, mas, também, de um tempo de muito sofrimento e dor irreparáveis, com mortes brutais de seus líderes, como Wilson Pinheiro, Ivair Higino, Chico Mendes.


Em dezembro será a vez de Brasileia comemorar a fundação do segundo sindicato de trabalhadores rurais do Acre, no dia 21, do ano de 1975, quando elegeu um seringueiro e poeta para presidente, Elias Rosendo, junto com Wilson Pinheiro e Chico Mendes.


Chico Mendes, como único seringueiro a saber ler e escrever naquele evento histórico, foi eleito secretário geral. Alfabetizado por um comunista da Coluna Prestes, Euclides Távora, que se refugiara nas florestas do Acre, Chico Mendes viria a se tornar mártir e referência da luta do planeta Terra por sua sobrevivência e proteção de sua poderosa e frágil biodiversidade.


As letras também semeavam rebeldia e liberdade pelas bandas do Tarauacá. Uma mulher, negra e camponesa, era a única a saber ler no maior seringal da Amazônia, o Alagoas, no rio das tronqueiras e dos barrancos. Um seringal que acolhia até mil facas de seringa.


Maria Libânia, esposa do bravo seringueiro Manoel Rodrigues, o Hipólito, fazia sua humilde colocação tornar-se lugar de romaria, de seringueiros, homens analfabetos, lutadores, sobreviventes.


Maria Libânia lia para eles a lista da estiva e seus preços estratosféricos e, em contrapartida, o valor ao lado das ‘pélas’ de borracha era irrisório: uma tonelada de látex defumado não pagava um ano de magro consumo daquela banha, do sal, da pólvora e das pilhas.
A descoberta intelectual daquela exploração exasperava os ânimos dos seringueiros que, sob o comando de homens valentes e rudes, como Zé Rodrigues e Hipólito, organizaram o Levante de Alagoas.


De armas em punho sitiaram o barracão e o seringalista, exigindo melhor preço para a borracha e custo menor da estiva. Foram presos, mas, abriram uma porta para o fim da exploração e para a organização dos seringueiros naquele pedaço do Juruá.


Maria Libânia é a nossa referência nesses 40 anos em que comemoramos a fundação dos primeiros sindicatos de trabalhadores rurais do Acre. Uma mulher simples, persistente e corajosa que conheci na década de oitenta em Tarauacá. Uma fonte de inspiração nesses tempos de lateralidade das utopias.


Tempos silenciosos, aonde a história e seus anônimos heróis precisam ser lembrados e homenageados, porque foram eles que plantaram sementes corajosas do que hoje colhemos, mas, lamentavelmente, não há quase nada sobre eles em nossos livros, em nossos discursos e homilias.


No ano que vem será a vez de Rio Branco, em 23 de maio, de Cruzeiro do Sul, em 11 de setembro e de Tarauacá, em 19 de dezembro. E, em 2017, virão Xapuri, em 9 de abril e Feijó, em 4 de setembro, completando o ciclo de fundação dos sindicatos de trabalhadores rurais nos sete maiores municípios do Acre.


Ainda há tempo de organizar uma homenagem aos grandes líderes rurais vivos, que enfrentaram um tempo de fogo e trouxeram, com as suas guerras, a nossa paz do presente. Elias Rosendo, Raimundo Trovoada, Osmarino Amâncio, Raimundão de Xapuri, Dercy Teles, dentre outros.


É que o 20 de setembro de 1975 não marca apenas a fundação do primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Acre. Registra também um jeito novo, radical e humanista, de olhar o mundo e abraçar as suas agonias.


*Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro Exclamações Populares.


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