Categories: Crônicas de um Francisco

Os donos do mundo

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Roberto Vaz

Certo homem antes de morrer chamou seus quatro filhos e deu a cada um uma lembrança guardada há muito tempo consigo.


– Marcos, és de todos o mais belo. Saldariam todos os deuses tua beleza. Tens harmonia na face e encantas a quem te mira. És sonho de muitas mulheres, desejo de muitos amores, ilusão de corações frágeis. Apenas pecaste numa coisa, algo muito grave, mas o tempo há de te mostrar e eu espero, que tua beleza possa isso um dia perceber. Toma! Dou-te esta foice, laminada pelos melhores aços da bela Suécia. Guarda-a e que te sirva ao que sonho e almejo, nesta pouca vida que me resta.


Chamou o segundo.


– Pedro, és de todos o mais forte. Os guerreiros mais combativos do passado admirar-se-iam de tua forma física e de teu porte aberto e frontal. Compassa bons movimentos, és elegante no andar e destaca propositalmente tuas particularidades. Apenas tu pecaste numa coisa, algo muito grave, mas o tempo há de te mostrar e eu espero que tua força possa isso um dia perceber. Toma! Dou-te estas caixas, fortes invólucros que resistem ao tempo e que me acompanham desde tenra idade. Saudosas épocas em que me era tão prazeroso o labor.


Chamou o terceiro.


Carlos, és de todos o mais inteligente. Tem detalhe nas ideias e aproveita bem os rumos que afloram em teus caminhos. Imagino serás grande e toda a riqueza que tenho se curvará às tuas vindouras conquistas. Apenas pecaste numa coisa, algo muito grave, mas o tempo há de te mostrar e eu espero que tua inteligência possa isso um dia perceber. Toma! A beira da estrada, onde todos os caminhos se cruzam, onde fervilham andarilhos, há uma casa. É tua! Foi lá onde tudo começou. Na minha juventude lancei meus planos a partir dela, e sua sombra me fez arquitetar o melhor para nossas vidas.


Chamou o quarto.


José, que fizeste de tua vida? Não tenho adjetivos a te descrever que pudessem me agradar. Buscastes outros caminhos, não valorizou o que eu construí, não se importou com o tempo que desgasta a todos. A mentira foi tua aliada. A persuasão o teu caminho. O que construíste foi fruto do engano. Que teria eu para dar-te? Ao contrário de teus irmãos, erraste em quase tudo. Não sei o quinhão de minha culpa, mas espero que teus defeitos não prossigam em tua vida. Toma! Dou-te esta chave. Deves usá-la, quando sair de minha propriedade, pois nada mais merece que meu desprezo.


Realizando suas intenções, solicitou a todos que saíssem. Gostaria de sentir o terminal suspiro sozinho. A tarde fora enterrado. A noite cada um dos irmãos teve atitudes diferentes com o que ganhou.


O mais belo não dormiu, quarou toda a noite apreciando a delicadeza, a beleza e a perfeição da foice que jamais deveria sentir a terra. Não nascera para isso. O sol não será meu cavalo. Os belos são os donos do mundo!


O mais forte também não dormiu, perdeu-se em razões que justificassem a herança do pai. Quem sabe nas caixas, com sua força, carregaria sua povir riqueza. Nada mais justo, pois era de qualquer forma o mais forte. Minha força moverá meu destino. Os fortes são os donos do mundo!


O mais inteligente dormiu pouco, mas de pronto sabia que juntos poderiam seguir os propósitos do morto pai. Uma foice poderia ajudar no trabalho. Caixas poderiam ser usadas nos transportes. Como tinham a casa, fariam o mais pulsante centro comercial para que ele pudesse administrar a sociedade, fazendo uso de sua enorme inteligência. O mundo é dos que sabem, pensou.


O desprezível dormiu toda a noite. Nada lhe infortunou. Nem mesmo a decepção do pai. Nem se quer o que ouvira atravessou os canais que saem dos ouvidos e chegam ao coração. Duvidavam que tivesse. Guardou no bolso sua chave e, pela manhã, bem antes de nascer completo o dia, trancava o portão porque saía, deixando na casa, guardadas nas caixas, as partes dos irmãos mortos pela foice que neles deslizou.


– Tive uma noite boa! Não sou o mais belo! Viajarei para algum lugar que não valorize tanto a beleza.


Não sou o mais forte, mas farei de tudo para o cansaço não me dominar. Não sou o mais inteligente, mas buscarei não errar o caminho.


Faço parte do mundo. Será que me falta mais alguma coisa?


Os que têm muito a esperar e nada a perder serão sempre perigosos. (Edmund Burke)


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA            f-r-p@bol.com.br


 


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