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O Espelho da Rainha

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No Acre, as doses de propaganda pública são exageradas, sufocantes e “acidentalmente” maniqueístas. Assistimos ao gasto de milhões para se dizer que a chuva cai em gotas ou que o lobo mal não existe. Nessa indecisão pela colmeia ou o mel, fica a falsa noção de que experimentamos uma revolução social, financiada por uma avalanche publicitária que temos de suportar. 


 


Reinava em paz no Reino. Tinha todos em suas mãos. Ninguém podia lhe questionar. Seus súditos eram sempre palavras de admiração, elogios e bajulas para com aquela rainha que jamais perdia as atenções para sufocar qualquer novidade que lhe ameaçasse a beleza.

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Depois de quatorze anos, flutuando em seus caprichos mais íntimos, em suas lascívias mentais mais secretas, certo dia, ao perguntar a seu espelho mágico se havia alguém mais bonita que ela, o espelho, contrariando o que sempre dizia, deu-lhe a pior notícia daquela fresca tarde.


Havia alguém supostamente mais bonito, mais interessante, inteligente e que deixava as qualidades da rainha em grau menor. Aparentemente os dias de glória estavam contados, os céus cairiam e os deuses celebrariam o bom de todos os dias. Era assim, como uma forma de apontar os culpados, os que permitiram tal blasfêmia estética.


O mais difícil para a rainha má era que as ameaças tinham saído de seu próprio castelo. Eram pessoas que comeram com ela nas noites escuras, dançaram nos bailes da fantasia e da alegria, lutaram o seu real combate, aprenderam a entrar e sair do castelo e conheciam as estradas reais tão bem quanto.


Em maior desespero, a rainha pensava: antes dos meus, agora dos outros. Precisam ser destruídos, pois a beleza se engradece apenas na minha singularidade.


Para por em concreto seus pensamentos, chamou o seu matador que atendia pelo nome de Povus e deu-lhe ordem que levassem seus aparentes adversários para bem longe e os matasse. Deu-lhe dinheiro, joias, ouro e prata, a fim de que seu assassino não deixasse de cumprir seus desideratos, suas ordens.


Mas Povus era falso, hipócrita. Apesar de estar na imagem, nunca tinha se olhado no espelho. Algumas vezes lhe faltava a memória e outras tantas coisas dessa ordem costumeira. Não era o mais indicado a se confiar missão dessa natureza.


Por isso, ao chegar ao local do assassinato, não cumpriu as ordens recebidas. Antes mesmo de erguer sua espada, recebeu dos adversários da rainha mais que ela tinha dado. Vendeu-se por mais riqueza e saiu a cantar seus feitos, pois era assim o enredo e assim era sua configuração moral.


Sozinhos na floresta, com fome de poder, glória e aparência mais atrativa, os adversários da rainha decidiram não se hospedar nas estalagens dos anões. Ali, antes que a rainha lhe trouxesse frutos envenenados, antes que aparecesse o desnecessário príncipe, antes que houvesse final feliz, os adversários da majestade decidiram invadir o castelo. Não pelas riquezas, não pela disputa da beleza, não pela destruição de sua adversária, não pela fama do castelo, mas pela posse do espelho.


Esse era o maior tesouro, a maior conquista. Algo capaz de mover as chuvas que caem e adormecer os monstros da lagoa. E eu vi que a batalha não exigiu maiores esforços que o comum. De tanto zelar pelo espelho, o castelo tinha apodrecido, os portões destruídos e não havia mais como se proteger nele.


No ancorar de desejos tão impuros, no ansiar da eterna posse do espelho, eram rainhas e adversários simetricamente iguais.


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA    [email protected]


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