Essa eleição presidencial no Brasil fez aflorar sentimentos e posições ideológicas que estavam guardadas na jaula humana do tempo do paleolítico. Como numa explosão de fanatismo, os extremos velhos voltaram com força, como se tivessem nascido ontem.
De repente, quem tem avós do nordeste passou a humilhar e inferiorizar nordestinos. E todo tipo de comportamento inútil e ultrapassado. E quem viajava de jatinho particular passou a chamar os adversários de ‘elite de sague azul’.
O ridículo chegou ao cúmulo de paulistas liderarem o preconceito aos nordestinos e elegerem o cearense Tiririca com mais de um milhão de votos. Na esquerda é a mesma tragédia: para justificar a lama, revida-se que faziam a mesma coisa os porcos.
Quantos militantes de esquerda são contra a liberação da maconha ou contra a legalização do aborto? Muitos, mas, ficam presos aos chavões de seus partidos de esquerda e à cartilha de suas agremiações.
Quantos militantes de direita são homossexuais ou lésbicas? Mas, se reprimem, e até seguem suas instituições gregorianas acerca da homofobia e de qualquer assunto que diga respeito à diversidade humana.
O que estava na Bíblia, acerca das relações humanas, guardado e respeitado a dois mil anos, agora, como Estado Religioso, passou a ser mais importante do que os dez mandamentos.
Os censores de direita e de esquerda, uns travestidos de líderes e outros vestidos de profetas, não passam de comissários dessas verdades velhas, que precisam de incenso para esconder o odor insuportável ou de controle político para sufocar o novo, concepções e práticas que ocuparam a mente no tempo das cavernas do pensamento e da liberdade, quando era necessário impor o mito e a força para subjugar o homem.
Quando os militantes, de esquerda ou de direita, se libertarem disso, dessa ladainha travestida ora de princípios, ora de valores morais, os partidos e quaisquer instituições serão instrumentos nas mãos das pessoas e não calabouços de sua consciência.
Qualquer adolescente de terceiro mundo já não aguenta mais alguns discursos manjados, de esquerda e de direita, repetidos desde o início da ditadura militar, há 51 anos.
A capacidade de evoluir desses militantes, de construir algo novo além dos chavões, perde para a catraca linguística dos papagaios. E quem ousar fazer diferente, pensar além da ortodoxia, é logo taxado de traidor das velhas causas, seja de esquerda, seja de direita.
Não percebem que quem está se tornando livre são aqueles que fugiram desse maniqueísmo barato, dessa estúpida guerra (que não tem mais nada de ideológica, porque nem lógica tem).
Na verdade, nem foi fuga, pois quem fugiu foram os dogmas, que tiveram que abandonar a sala confortável da consciência humana e enfrentar as ruas, o facebook, o twitter, o whatsapp.
O que vem ocorrendo é como um vulcão em aquecimento e formação, silencioso, anônimo. Mas, quando explodir, vai provocar compaixão na inocência de quem não se permitiu mudar, em quem não ousou olhar por outras janelas, além daquelas únicas e cinquentenárias.
Cada um de nós pode mudar, sem pressa, com jeito e simplicidade. Vamos resistir nessas novas trincheiras, que nem saco de areia tem, nem soldados, nem pólvora, nem panfletos, apenas uma consciência em formação.
Estamos em busca de algo novo, que seja do tamanho desse mundo que se abre e está a aposentar o grito fácil de baixo e a ordem eterna de cima, a cartilha e o estatuto (que só os pequenos cumprem), a verdade consolidada como lei injusta e o Cânon dos Três Cestos que os mais pobres já não aguentam mais colher os cipós, trançar e encher de frutos do seu suor e do seu trabalho honesto…
Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro Socialismo Anfíbio.