– E aí, tá gostando? Vamos entrar? – perguntou Neide para a amiga que há tempos não se juntava a esse tipo de diversão.
– Ah sim, muito bom… muita gente. Estou apenas um pouco assustada… normal né… como será que estão meus filhos? – respondeu Antônia, olhando para todos os lados, moderadamente a fim de que não parecesse ser de outro planeta.
Diferentemente de Neide, a amiga ainda tinha nos olhos as marcas de algumas frustrações, vindas de um casamento que há oito meses tinha afundado.
Depois da separação de Raimundo, Antônia tinha se fechado e, ao contrário dele, que logo jurou amor eterno para uma moça nova que encontrou pela vida, sua única alegria nesse mundo era a guarda e a dedicação aos dois filhos que ela fez questão de juntá-los em total apreço. Por mais que soubesse que a irmã tinha ficado com eles, apenas em algum poucos momentos da noite se esquecera de suas duas joias. Apenas em alguns poucos momentos da noite.
Foi com a insistência exagerada das colegas de trabalho, as vizinhas e dos parentes que ela tinha resolvido viver, respirar um pouco, cuidar mais de si. Cedendo as pressões, convencida de que não poderia ficar chorando as cinzas do que tinha dado errado, Antônia esboçou uma mudança gradativa em sua vida.
Refez a imagem, foi a uma loja na Praça da Bandeira que estava com umas promoções imperdíveis, comprou blusas, saias, roupas íntimas e foi até repreendida por ficar procurando alguma coisa para os filhos. Esse momento era dela, exclusivamente dela. Segundo as amigas era necessário Antônia se dedicar mais a mulher que precisava se mostrar.
Como parcelou tudo em cinco vezes, restou dinheiro para terminar a tarde no salão da Tina realçando o cabelo, sem esquecer-se das unhas e das fofocas sobre as possibilidades do que a noite poderia ofertar. Ouvia com espanto o que as amigas diziam. Com um sorriso sem jeito, sentia-se desconfortável com a desigualdade de experiência existente entre elas.
Era por isso que esta naquela noite ali. Já tinha vindo à SBORBA outras vezes, mas fazia tempo, mais ou menos oito anos, bem antes do casamento com Raimundo. Ingenuamente tentou reconhecer alguém ali daquela saudosa época, mas foi em vão. A SBORBA tinha novas personagens, novos atores, novos senhores da noite que, de uma certa forma, diziam inconsciente para Antônia que o tempo tinha passado.
Antônia era bonita. Não apenas na aparência. Sua experiência na vida tinha lhe dado modos, elegância no trato e era afeita a buscar sempre a melhor postura para uma pessoa que tinha chegado aos trinta anos.
Como qualquer mulher, seu corpo tinha os desenhos de quem conheceu a maternidade por duas vezes. Pela altura que tinha, pelo corpo relativamente magro, olhos profunda e misteriosamente negros, essa “recém-nascida” nunca tinha perdido a fisionomia de mocinha de 18 anos, facilmente notada, quando sorria ou quando se mostrava desapontada.
Entraram! A noite prometia.
Apesar do salão em festa, pessoas envolvidas nas músicas apaixonadas e olhares que silenciavam as palavras, os primeiros instantes foram de total acanhamento. Demorou acreditar que era solteira. No seu inconsciente, o poderoso RAIMUNDO estava a lhe vigiar, orientar e dizer-lhe o que deveria ou não fazer. Na sua cabeça a velha pergunta que sempre fazia: será que isso cai bem para uma mulher casada?
Mas Antônia não estava mais casada.
As primeiras e moderadas taças de cerveja foram destruindo as grades, os muros e os resquícios de suas últimas dúvidas. Aceitou o convite de um sem nome qualquer e foi interpretar a canção. Depois do inicial vacilo para conseguir acompanhar o passo da dança, mostrou que ainda mantinha guardado o talento de uma boa bailarina. Ninguém dançava melhor que ela.
A noite corria no compasso e na intermitência de um gole de álcool e uma parte ativa no baile. Antônia, após recusar vários cotejos de amantes mentirosos, se deparou com um antigo amigo, também separado, que muito lhe ajudou a entender a dinâmica da empresa onde trabalharam juntos, tempos atrás.
Por acidente, numa maliciosa coincidência da canção, num passe que solicitava os rostos mais próximos, os dois se beijaram. Beijo forte, desesperado. Bocas carentes de algo que a rotina conjugal retira e proíbe. Beijo de língua.
Saíram! Amaram-se! Perderam-se em amores que fazem lembrar os primeiros sentimentos da adolescência. Nenhum dos dois disse “eu te amo”, nenhum dos dois prometeu nada para o outro, nenhum dos dois tinha motivos para renunciar a entrega.
Ao chegar a sua casa, se refazendo aos poucos, buscando restabelecer a velha ordem, Antônia se deu conta de que algo tinha acontecido. Buscou no celular o número da sua companhia e se lamentou muito por ser de uma outra operadora, já que fazia dias que sua comunicação no celular se dava por meio dos bônus ganhados e que nunca conseguia gastar durante o mês.
No outro dia, usando o aparelho de uma amiga, ligou. Ligou, ligou, ligou, mas ninguém atendia. No fim da tarde, ao tentar mais uma vez, conseguiu falar com ele.
– Marcos, sou eu Antônia. Tenho algo pra lhe falar… você pode falar agora?
– Olha Antônia, eu sei que foi maravilhoso, inesquecível e que jamais tinha sentido algo assim na minha vida. Mas quero que entenda que estou saindo de um relacionamento complicado, cheio de feridas e desgastes. Não estou preparado para algo desse tipo agora. Espero que entenda… não estou fechando nenhuma porta, mas não posso prometer para você o que não posso cumprir.
– Marcos, eu apenas liguei porque acho que esqueci meus brincos em sua casa. São presentes de minha mãe, jamais me perdoaria se eu os perdesse. São as únicas lembranças que tenho dela.
À NOITE
-Sim! Quem fala?
– Sou eu Antônia, o Marcelo. Soube que você está separada. Pedi seu número para sua amiga. Será que podemos nos ver, sair, conversar?
– Pode ser! Me liga amanha à tarde que a gente combina.
OUTRO TELEFONEMA
– Sim! Oi Antônia, sou eu Marcos. Deixei seus brincos com sua amiga. Também queria pedir desculpa pelo que eu disse hoje. Acho que estava fora de mim. Podemos nos ver amanha?
– Não há do que se desculpar. Obrigado pelos brincos. Amanhã tenho compromisso. Mais alguma coisa? Boa noite.
FRANCISCO RODRIGUUES – [email protected]