Se estivesse por aqui, provavelmente até o herói fora da lei Robin Hood teria dúvidas na mais imprevisível eleição da história britânica após a Segunda Guerra (193945).
Afinal, vale manter o governo conservador que fez a economia crescer como nenhuma outra na Europa, sem inflação e com desemprego em baixa, ou apostar num trabalhista que promete melhorar programas sociais e o padrão de vida da população?
Basta uma visita ao centro de Nottingham, onde no século 13 teria vivido o ladrão que tirava dos ricos para dar aos pobres, para entender por que a austeridade fiscal do governo conservador, a imigração e a estagnação do sistema de saúde dominam a acirrada campanha para a eleição da próxima quinta (7).
A cidade leva a fama de região “mais pobre” do Reino Unido por ter, entre outras coisas, a menor média salarial de um chefe de família, cerca de £ 900mensais (R$ 4.000).
Levando em conta o salário mínimo de £ 6,5/hora, a média da renda de quem trabalha em Nottingham oito horas por dia, cinco dias por semana, fica abaixo desse nível.
Nascida na cidade, Sarah Mason, 45, tem três empregos. Integra, assim, a estatística do premiê David Cameron (conservador) para exaltar o desemprego de só 5,5%, somado ao crescimento de 2,8% em 2014 –o maior na Europa– e à ausência de inflação.
Para os conservadores, os números se devem ao corte de £ 100 bilhões desde 2010 nas contas públicas. Prometem poupar mais £ 30 bilhões até 2019 e zerar o deficit.
Ao mesmo tempo, porém, Sarah simboliza o discurso do líder da oposição e candidato trabalhista a premiê, Ed Miliband, para quem o preço pago pela população pela rígida austeridade foi alto.
O ajuste, diz Miliband, afetou os serviços sociais públicos, elevou o custo de vida e deteriorou a qualificação do mercado de trabalho.
Sarah trabalha como faxineira das 6h às 10h30. Das 11h às 14h30, vende batata recheada no food-truck “Robin Hood”. De lá, até as 18h, cumpre mais uma faxina. “Não descanso”, reclama.
Junta, no mês, £ 800. Gasta £ 350 com aluguel e £ 90 com taxas do bairro. Diante do alto custo de vida, faz milagre para fechar a conta. Não sabe ainda em quem votará na eleição –afinal, para ela, emprego não falta, embora tenha argumentos para se queixar do salário e do tipo de trabalho que faz.
A poucos metros de onde Sarah vende batatas, a romena Ranela Covaci, 19, anuncia revistas. Chegou há dois meses de Bucareste, não fala inglês e aposta na vida melhor em território britânico. “Nosso país é bom demais para eles [romenos] e se esquece da gente”, reclama a inglesa Lucy Palethorpe, 23, que cuida da barraca de frutas da família.
Lucy votará no Ukip, sigla de extrema direita cuja bandeira é o discurso contra o movimento livre de imigrantes na União Europeia.
Cameron fracassou na promessa de reduzir a chegada de europeus, sobretudo os do leste. Promete rediscutir o tema no bloco e um plebiscito em 2017 para decidir pela permanência ou não na UE.
Mais flexível, Miliband rechaça o discurso anti-imigração, mas não explica como reduzirá o conflito sobre o tema. A aposentada TishKavanagh, 63, vai votar nos trabalhistas por causa da estagnação do NHS, o sistema de saúde britânico, cuja histórica eficiência é ameaçada pela falta de verba. Cameron e Miliband prometem mais recursos.
DISPUTA
Pelas projeções, nenhum dos dois tradicionais partidos –Conservador e Trabalhista– atingirá as 326 cadeiras, de 650, para governar sozinho. Será o “hung-parliament” (“Parlamento Enforcado”).
Desde a Segunda Guerra, isso ocorreu só duas vezes, em 1974 e 2010. Desta vez, a fragmentação é muito maior. Para assumir o poder, conservadores e trabalhistas terão de negociar com partidos menores, sobretudo o LiberalDemocrata e o SNP (Partido Nacional da Escócia). O primeiro com os dois partidos, e os trabalhistas, somente com os escoceses.
O Liberal-Democrata formou a coalizão que elegeu Cameron em 2010. Nesta campanha, seu líder, Nick Clegg, se afastou do aliado após pesquisas indicarem que a legenda deve sofrer revés considerável.