Roberto Vaz – Do Conselho Editorial de ac24horas
Certo dia um jornalista experiente me disse que nós jornalistas temos dificuldade de escrever sobre pessoas de sucesso. E foi mais além: ainda mais se a pessoa em questão desperta a nossa atenção e admiração pelo que faz. Constatei isso esta semana, quando o editor-chefe de ac24horas, Marcos Venicios me apresentou o material apurado – e já escrito- para o caderno de GENTE – Economia&Negócios.
A surpresa não foi com relação ao entrevistado e sim a história de vida desse personagem. Dai indaguei: como pode ele ter tanta coisa legal pra contar e eu, que convivo rotineiramente com ele não saber disso?
Estava me referindo ao empresário Adalberto Moreto, o Beto do Café, como é mais conhecido. Este homem, que as vezes parece querer brigar quando tenta defender seu ponto de vista, não é tão valente quanto aparenta. E é, muito mais humano do que você, que não o conhece, possa imaginar. Tanto que mantém em seu quadro de funcionários, servidores da primeira equipe que formou quando sonhou em ser um empresário de sucesso.
Hoje, aos 50 anos de idade – completados no último dia 19 deste mês – e bem mais novo do que aparenta, Beto é um misto de menino grande com homem de grandes e prósperos negócios. Prova disso é que trabalha de segunda a sexta em ritmo acelerado e não abre mão de uma boa rodada de churrasco e cerveja com amigos às sextas feiras, mesmo sabendo que domingo, com chuva, é dia de fazer trilha de quadriculo pelos ramais da zona rural, junto com outro tanto de amigos que conserva ao longo do tempo. E só não joga mais bola – ou melhor, só não briga com a bola – porque os parafusos de platina que colocou no joelho direito não o permite tal façanha.
Mas o Beto é assim mesmo. Quando não tem nada pra fazer, durante nossas trilhas de quadriciclo, espanta a casa de cabas para os que veem atrás se ferrafem. Ou serem ferrados.
Contou-me Marcos, que foram duas horas de gravação e só não se prolongou mais porque o empresário tinha compromissos fora da empresa: “o cara é um campeão e ao contrário de muitos, valoriza suas amizades e nem se esconde quando o assunto é politica”, revela Marcos. Mas sobre isso eu já sabia. O que eu não sabia, é que Beto já está organizando o seu aniversário de 100 anos. “Acaba não mundão, que eu quero comemorar os meus 100 anos trabalhando, me divertindo e bebendo cerveja”, garantiu ao final da entrevista que você passa a ler agora. O texto abaixo é de Marcos Vinicios e as fotos de João Renato Jácome e do arquivo pessoal da família.
Uma história de Teimosia que deu certo
Fruto da mistura de italianos e espanhóis, e natural do Alto Paraná (PR), ele já viveu maritalmente 5 vezes (oficialmente com dois casamentos) e dessas uniões gerou os filhos Andrei, Nadson, Sara, Rafael e recentemente a pequena Eliza. Conhecido por ser “um boa praça”, mas também por ser direto e duro quando se fala em negócios, o personagem do caderno Gente – Economia&Negócios desta semana Já foi Office-Boy, bancário, marceneiro, eletricista, mecânico, taxista, caminhoneiro e que também tinha um sonho de ser jogador de futebol, se chama Adalberto José Moreto, 50 anos, mais conhecido nos quatro cantos do Acre como Beto do Café Contri.
Contar a história do Beto é relatar ao mesmo tempo a vida de seu pai, José Aparecido Moreto, – falecido em 2012 -, que saiu do sul rumo a Amazônia na época em que o “Moretinho” tinha apenas 11 anos. Do tempo em que as terras custavam o preço de bananas, Seu Moreto, o pai, se instalou em Boca do Acre (no Amazonas) com mulher, a Dona Irene, e ajudou a desenvolver a economia do município, criando um filho que tem o faro para o trabalho e os bons negócios.
Filho mais velho de três irmãos, Beto revela que suou e sofreu muito para conquistar tudo o que tem. Dono de um bom humor singular, ele revela ao ac24horas que apesar de ter vivido com várias ex-mulheres, mantém uma boa relação de respeito e carinho com todas. “Tem gente que me pergunta como eu administro tanta mulher… ô povo maldoso”, brinca o empresário ao soltar uma gostosa gargalhada no final da tirada de letra.
Hoje vive com a esposa Luciana, mãe da Eliza, de 2 anos, por quem diz que é apaixonado. E sobre o assunto Beto diz que encontrou na companheira uma amiga, enfermeira e parceira de todas as horas e revela que apesar de ter se relacionado tanto, na verdade ele só tem cinco mulheres em sua vida: Luciana, a Dona irene (Mãe), as filhas Eliza e Sara e sua netinha Aila.
O empresário que hoje é dono do frigorifico e fazenda Anna Sara e, é referência na criação e abate de ovinos, fala da sua saga para se tornar o dono do café mais consumido do Estado, o Café Contri, que completa este ano, 27 anos de existência.
A ENTREVISTA
ac24horas: vou começar a entrevista de forma inusitada. Me disseram que você é flamenguista doente, confere?
Beto: Eu só torço para dois times: o Flamengo e o Vasco, mas no clássico, eu torço para o Vasco… para o Vasco perder, é lógico. [Risos]
Que história é essa, que é muito conhecida entre seus amigos, que você tem cinco esposas? Beto: Rapaz…[risos] o que existe é que de fato eu me dou bem com as minhas ex-companheiras, que no total foram cinco. Dessas cinco mulheres, eu tive 5 filhos. O Andrei tá com 32 anos, é o meu filhos mais velho e gerente da Fazenda Annasara, o Nadson tá com 27, já é de uma segunda mãe e gerencia o frigorifico Annasara, a Sara (22 anos) e o Rafael (21 anos), são dois irmãos do meu primeiro casamento, com a Shirlene, que é até hoje é minha sócia no Café, e tem a Eliza, de dois anos, com a minha atual esposa Luciana. O pessoal brinca demais com essa situação, mas eu me dou bem com todas sim.
ac24horas: E essa brincadeira é boa ou ruim?
Beto: Te contar uma. Dias desses o Ministério do Trabalho fez uma fiscalização com a gente e eu não sei quem foi que colocou para eles essa situação. Eu já tava para perder as estribeiras com o fiscal e ele me disse: “mas seu Adalberto, o senhor é um bom administrador”. Eu disse: “Acredito que não, porque se eu fosse um bom administrador, não estaria nessa situação”. Ai o fiscal retrucou: “Mas eu não tô falando disso. Me falaram que o senhor administra cinco esposa”. [Beto cai na gargalhada e continua a prosa]. Rapaz, como é que o cara, fiscal do MT, lá de Brasília, sabe dessas coisas? Como uma coisa dessa vaza? No final eu acabei foi fazendo amizade com o fiscal e ficou tudo bem [risos]. Nessas rodadas de cachaça com os amigos eles sempre me dizem que eu devo dar uma palestra para eles por causa dessa história. Eles brincam que eu vou ter que explicar como se administrar cinco mulheres. [Risos]
ac24horas: Você administra o Café e os teus filhos administram os outros negócios?
Beto: Não, quer dizer, mais ou menos. No café eu tenho o Emerson que é o meu gerente-geral de todos os negócios. Ele trabalha no café e faz como um todo. Ele é um executivo meu de tudo. Se eu tiver atolado a noite andando de quadriciclo, que nem muitas vezes eu estou com o meu amigo Roberto Vaz, o Roberto liga para o Daniel e eu ligo para o Emerson . Ele é o meu braço direito. O Emerson é o meu executivo mesmo, não de formação, mas de carreira. Ele gerencia tudo, mas cada atividade tem uma pessoa especifica. Na Cordeiros da Amazônia é o Alex, no Frigorifico Annasara é o Nadson, na Fazenda Annasara é o Andrei. Aqui no Café tem o Emerson, mas também tem o Rogério e junto com toda essa tropa tem a minha esposa, que é a Luciana, que também dá cobertura para tudo, mas ela fica mais na parte de divulgação da empresa, no marketing. Já eu gosto de gozar da vida. Eu me amarro em viajar, conhecer lugares. Me divertir…
ac24horas: Mas você aprendeu a curtir a vida com o passar do tempo?
Beto: Aprendi com o tempo, com a idade, não tem jeito. A idade chega e a gente tem que aproveitar. Eu brinco sempre: Se for para ir no Quinari e for para dormir, eu vou, agora se for para ir e voltar correndo, eu não vou. Eu gosto de aproveitar os bons momentos.
ac24horas: Você já viajou muito, Beto? Tem algum lugar que você ainda não foi, mas tem muita vontade de conhecer?
Beto: Conheço a China, conheço a Itália, estive na Holanda, no Aeroporto na verdade. Até hoje eu me culpo por não ter ficado pelo menos um dia. Depois que eu conheci a Holanda pela literatura, eu me arrependi. Aqui na América Latina eu só não conheço a Argentina e o Uruguai, agora o resto eu já fui. Já viajei para os Estados Unidos… eu dei uma volta e não vou parar. Agora eu vou para Punta Cana, na Republica Dominicana e de um lugar mesmo que eu tenho curiosidade, é na origem da cerveja, na Holanda, na Alemanha. Antes de morrer eu vou. E se eu morrer e não for, eu vou baixar o espirito lá [Risos]
O INÍCIO DE TUDO
A história do filho se confunde com a do Pai
Se tem uma coisa que deixa o Beto saudosista é lembrar a saga da família pra chegar na Amazônia em busca de uma oportunidade.
ac24horas: Como você veio parar aqui no Acre?
Beto: Eu não vim. Meu pai me trouxe. Eu era uma criança, cheguei com 11 anos. Isso era em meados de 1977. Meu pai era motorista de transporte escolar, transportava alunos do Alto Paraná para a Universidade que ficava em Maringá. Isso era todo dia, levava e esperava para trazer a turma e numa época, um grupo de pecuaristas tinha o sonho de conhecer a Amazônia e convidaram meu pai para vir como motorista, na verdade, como co-piloto de uma Kombi, para ajudar no transporte. Chegando no Acre, eles não vieram para Rio Branco, mas sim para Boca do Acre. Eu sei que essa viagem demorou entre 7 ou 8 dias. Meu pai ficou encantado com o preços das terras naquela época, história que já foi contada inclusive pelo grande advogado Luiz Saraiva, que é nosso amigo desde aquela época. Esse grupo sobrevoou as terras que seriam compradas pelo preço de banana…depois o grupo foi para Cobija, e em seguida retornou para o Paraná. Chegando em casa, meu pai já tinha vendido um sitio que ele tinha. Não sabia o queria de fato e resolveu que retornaria para Boca do Acre, dessa vez, sozinho. Ele chegou em Boca para comprar uma casa, só que não tinha casa boa para comprar. Então ele comprou 40 mil hectares de terra, investiu tudo o que tinha.
ac24horas: E qual era a ideia do teu pai, o que ele pensava em fazer com tanta terra em Boca do Acre?
Beto: Então, quando meu pai veio comprar uma casa, não tinha casa boa e nem madeira. Ai veio a ideia na cabeça dele, pois ele já havia mexido com marcenaria no Paraná, numa fábrica de móveis, e madeira era o que mais tinha em Boca do Acre, eu falo nas questões das árvores e tal. Ai ele resolveu investir numa serraria. Com tanta mata e tanta madeira ele pensou que fosse ficar rico. Ai foi quando ele resolveu trazer a família. Minha mãe, eu e minhas irmãs Rosana e Rose. Na verdade, um caminhão trouxe duas famílias e alguns funcionários solteiros. Eu sei que do Paraná para Rio Branco gastamos cerca de 11 dias para chegar. Ai meu pai resolveu despachar a gente para Boca do Acre de avião enquanto ele e algumas outras pessoas que foram tentar a vida, iriam de caminhão por uma estrada que não existia. De Rio Branco a Boca do Acre esse grupo passou cerca de 90 dias para chegar ao seu destino. O caminhão estava carregado com todo o maquinário para iniciar a serraria. Por coincidência, nós encontramos outra Serraria que iria também ser instalada em Boca do Acre. Só que o dono dela iria levar o equipamento dele pelo rio, usando a balsa. O fato é que ele chegou bem antes do que o meu pai na cidade e iniciou a serraria dele e só depois de um tempo que meu pai começou a trabalhar de fato com madeira.
O menino que virou bancário
Na prosa que demorou cerca de duas horas, Beto conta que o sonho de sua mãe era que ele se tornasse um bancário, mas que o sonho dele era ser jogador de futebol.
ac24horas: Qual foi o teu primeiro emprego? Você sempre teve vontade de trabalhar?
Beto: Na minha época trabalhar novo era dignidade. Eu trabalhava por gostar de ter o meu dinheirinho. No Paraná, o meu primeiro emprego foi num escritório de contabilidade. Eu ganhava para entregar a documentação do escritório, era um Office-Boy da época pedalando numa bicicleta. Eu rodava a cidade todinha com uns 10 anos para fazer o meu trabalho. Quando retornava para o escritório, eu treinava caligrafia. O meu patrão me passava o alfabeto todinho para eu escrever. A ideia dele era me transformar num lançador nos chamados livros contábeis. Naquele tempo era tudo na mão, não tinha computador e a gente tinha que se virar mesmo. Até que chegou o dia do meu pai resolveu me levar embora para o Acre. Mas o meu grande sonho mesmo era ser jogador de futebol.
ac24horas: E a sua vinda para Boca do Acre, o que você pensava em fazer?
Beto: Quando cheguei em Boca do Acre em fiz de tudo. Aprendi a soldar por necessidade, mecânico por necessidade, fui eletricista por necessidade. Tudo o que você imaginar, eu fazia dentro da serraria do meu pai, mas a minha mãe não era satisfeita com isso. O sonho dela na época era que eu me tornasse bancário, carreira que todo mundo queria seguir naquele tempo. Era o melhor emprego que podia ter numa cidade pequena. Com muito custo eu passei num concurso para menor aprendiz no Banco do Brasil, eu tinha uns 16 anos. Trabalhei como menor até os 17 anos e 10 meses. Meu contrato havia vencido, mas dentro do banco eu era conhecido como um faz tudo. Na época, logo quando lançaram aquelas máquinas copiadoras, a Xerox, logo que ela chegou lá na agência, ela já deu pau. E daqui que um técnico viesse de Manaus para arrumar, você podia colocar semanas. Num certo dia o técnico veio, e eu muito curioso, vi ele arrumando, fiquei só de olho, ai ele arrumou e se foi. Dias depois a máquina deu problema novamente, e eu disse para o meu superior que eu arrumaria. Desmontei o equipamento, mexi, cutuquei e coloquei o bicho para funcionar. Só que não funcionou direito e ai o meu chefe ficou brabo, dizendo que eu havia quebrado a máquina de vez. Eu disse para ele que resolveria, desmontei, ajustei e pronto, deu certo. Arrumei a máquina e nunca mais ela deu problema. Passou o tempo do meu estágio, eu não passei para o concurso efetivo, graças ao meu bom Deus. Só para você ter uma ideia tenho amigos que estão lá até hoje, que seguiram na carreira, e não tem a metade do que tenho. Só que em compensação eles não tem a metade da dor de cabeça que eu tenho para administrar tudo isso.
ac24horas: E depois do BB em Boca do Acre, o que você foi fazer?
Beto: Eu já com 18 anos retornei para a serraria do meu pai. Naquela época o negócio já estava em decadência. O Ibama não deixava a gente trabalhar. Era muito complicado, a fiscalização era forte, que eu acho certo. Hoje, depois de muitos anos a gente vê que o trabalho do Ibama é digno, mas na época era exagerado demais para realidade da região. Isso inviabilizava muita coisa, inclusive a economia local. Só que ai, através de um amigo nosso, meu pai conseguiu um trabalho para mim no extinto Banco do Amazonas (BEA). E fui ser bancário lá, trabalhar como caixa e tal. Só que nessa época exista uma situação, o sonho meu estava prestes a ser realizado: ser jogador de futebol. No Banco do Brasil, eu disputava muitas partidas de futebol nos campeonatos da AABB e tal, era titular. Só que quando eu fui pro BEA, eu ficava no banco de reserva, eles já tinham um time formado e tal. E num campeonato que um senhor Elieser Salgado montou lá, as Olimpíadas de Boca do Acre, a regra para jogar no time era ser de fato funcionário da empresa, carteira assinada e tudo mais. O campeonato começou e num jogo o BEA tava perdendo e meus parentes e amigos começaram a gritar o meu apelido que era Moretinho. Ai resolveram me colocar. Nesse dia eu fiz três gols e não sai mais do time. Nessa partida nos se classificamos para a final .
A saudade da mãe fez Beto mudar para Rio Branco
Já adulto, com 18 anos, Beto tinha tudo o que alguém poderia ter em Boca do Acre: casa, emprego e muitas namoradas, mas existia uma situação que lhe incomodava, a saudade da mãe, que veio para Rio Branco com o pai Moreto tentar a vida, após a quebra da serraria.
ac24horas: E como foi essa vinda para a capital?
Beto: A serraria do meu pai estava em crise. Então ele resolveu se desfazer de tudo em Boca do Acre e veio para Rio Branco. Como eu tava trabalhando e tudo mais, resolvi ficar no interior mesmo. Eu era bancário, tinha uma Brasília, que não era amarela, e também tinha a minha casa. Eu cozinhava, passava e lavava. Comecei a arrumar as namoradas , mas faltava a mãe, né? Eu sentia saudade da minha mãe. Na época não existia telefone para ligar como se tem hoje, onde cada um tem o seu celular. E eu fiquei meio que carente, tava longe da família. Ai o meu pai me ligou e disse que havia arrumando um emprego para mim em Rio Branco e afirmou que se eu chegasse num dia, no outro já começava a trabalhar. Era um amigo nosso do Paraná que arrumou esse trabalho. Então eu pedi as contas do banco, o banco não me deu as contas. Ai foi no ano de 1984 que eu vim para a capital e foi do jeito que o meu pai falou. Cheguei num dia, no outro já comecei a trabalhar no Banco Finasa, onde fica hoje o Bradesco no centro da cidade.
ac24horas: E como foi essa fase de bancário na capital?
Eu cheguei no Finasa e percebi que não existia uma sala de troféus para o time de futebol e como naquela época existia e existe até hoje a Copa dos Bancários, eu incentivei a minha turma a entrar no jogo. Eu lembro que na época eu fiz um teste no Atlético Acreno, time do segundo distrito. Na época, o técnico disse que eu não tinha peso para jogar futebol. O treinador me disse se eu ganhasse corpo eu poderia jogar. Ai eu perguntei: e o salário, quantos vocês pagam? Ele me disse: Nada! Ai eu pensei, como vou sobreviver? E foi nesse dia que eu encerrei definitivamente o sonho de jogar futebol profissional. Hoje eu só jogo bola porque o campo é meu. Sabe aquela história que a bola é sua. Não é esse o meu pensamento, você tem que ser o dono do campo também para se garantir. Eu sei que nesse período, no futebol amador, eu joguei num time do Palheiral por muitos anos, time de bairros, copões amadores… aonde tinha futebol, eu tava lá.
ac24horas: desenvolve essa tua fase do Finasa. Como foi essa mudança? Durou muito tempo?
Beto: No Finasa, em seis meses eu virei sub-gerente só que eu ganhava salário de caixa. Infelizmente, o meu reconhecimento não veio no salário. Não vinha, o pessoal me enrolava, me prometia, mas dinheiro que era bom, nada. E isso tudo foi me chateando ai eu dei um prazo até o dia tal. Coincidentemente, eu já fazia um bico. Meu pai quando chegou de Boca do Acre havia comprado um taxi , um carro fenomenal, um fusquinha 1.300. Nas horas vagas a noite eu usava o carro para trabalhar e namorar. Quando não tava trabalhando, tava dando voltas com a namorada.
ac24horas: E como foi o Beto taxista?
Beto: Rapaz, tem um fato interessante. Minha primeira corrida de taxi foi quando eu morava ali no Tropical. Quando eu saio de casa, um cara dá a mão e diz que a esposa dele estava em trabalho de parto. Ai eu encostei na casa do cara. O fusquinha só tinha duas portas, a mulher foi na frente e o marido foi na parte de trás. A mulher gritava, chorando de dor e o cara disse para eu correr para a maternidade. Ai eu cá comigo, maternidade, maternidade, mas aonde fica a maternidade? Eu simplesmente não sabia. Ai o cara me deu um puta de um esporro e reclamou que diabo de taxista era esse que não sabia nem aonde era a maternidade. Do tropical até a maternidade, nós sabemos que é próximo, mas ai eu rodei, rodei, rodei…eu tava tentando fazer uma rota que eu não conhecia ainda e o cara gritava corre, corre se não a mulher ia ganhar o neném dentro do fusca. Ai eu acelerei o fusquinha e de repente eu passei num buraco e o cara gritou de novo: “Porra, tu vai matar a minha mulher”. Ai eu me desesperei, como é que eu ia chegar no lugar rápido sem acelerar [risos]. Eu fazia o que ele queria, e ele se aborrecia, tava complicada a situação. Chegamos na maternidade, estacionei e o cara saiu com a mulher prestes a ganhar o neném e não pagou a corrida. Ai eu falei, não vou sair daqui sem receber. Fiquei lá um tempão, esperando, ai de repente o cara aparece e me diz: “Porra, você ainda tá ai?!”. Eu disse: “Claro, eu não recebi” [gargalhadas]. Ai ele perguntou quanto deu, e u respondi pelo velocímetro dá tanto, ai ele disse que eu tava ficando louco, que era muito caro. Eu sei que depois de conversa, nós nos acertamos e ele acabou me pagando. Isso foi um caos na minha vida e ai eu decidi que isso era uma profissão que eu não quero nunca mais. Acho que fiquei traumatizado [Risos]. Mas mesmo assim, eu ainda fiquei um tempo trabalhando assim com o meu pai.
De bancário a caminhoneiro
ac24horas: Você não me disse ainda como foi a sua saída do banco…
Beto: Quando terminou o prazo para eu sair do Finasa, eu sai. E o meu pai tinha acabado de comprar um caminhão. A nossa família sempre foi de correr atrás, ninguém nunca ficou chorando pelos cantos. Para ter esse caminhão, meu pai vendeu algumas propriedades que ele tinha em Boca do Acre. Esse caminhão tinha motorista que acabou tombando o veiculo. Quase destruiu a máquina. Ai meu pai decidiu despedir o cara porque ela tava dirigindo bêbado e você sabe, sem lei seca… já viu. Ai tá, como eu tinha dado um prazo para sair do banco se não melhorassem o meu salário, num segunda-feira eu nem fui mais trabalhar. Abandonei o emprego mesmo e fui trabalhar com o meu no caminhão. Acho que até hoje eu tenho minha rescisão para receber, mas nunca fui atrás. Foi o meu último emprego de carteira assinada.
ac24horas: E essa fase de motorista de caminhão?
Beto: No primeiro dia no caminhão eu fui trabalhar de Senador Guiomard e Plácido de Castro, na linha de frente de Terraplanagem da antiga Mendes Junior. Sai de casa numa segunda-feira e só voltei para casa num sábado a tarde. Dormia, comia, tomava banho no caminhão . Eu lembro que trabalhei até o asfaltamento a Plácido de Castro. De plácido eu trabalhei naquela via que ligava a BR e depois eu trabalhei na estrada de Porto Velho, na BR-364. O nosso caminhão era pequeno, mas a gente era rápido para completar as demandas. A gente trabalhava no limite, comia dirigindo, era dando uma colherada e vendo a estrada. Eu lembro de um caso, de um governador, não me lembro nome, que resolveu fazer um ato para mostrar a primeira caçambada de barro para iniciar as obras da BR-364, de Rio Branco a Cruzeiro do Sul. Ai nosso caminhão chegou primeiro só que eles precisavam de um caminhão bem grande para sair na foto [Risos]. Ai eu fiquei de fora da festa…mas tirando isso, eu trabalhava mesmo, fui um dos primeiros a carregar brita para a ponte de Sena Madureira.
ac24horas: E o negócio cresceu?
Beto: Bem, no caminhão eu cansei de ser pequeno. Eu tinha a necessidade de um caminhão maior. E ai foi o nosso sonho sendo realizado e indo por água abaixo. Vendemos o pequeno , compramos duas F.1000 na época, que era um carro top, e fomos para o Paraná comprar o caminhão, no inicio do Plano Collor. Quando chegamos lá para comprar o caminhão, nós não conseguimos comprar porque não existia, foi logo naquela época que faltava mercadorias de todo jeito, a economia e a indústria tavam quebradas. Eu sei que nessa brincadeira, nós tivemos que vender uma das caminhonetes que a gente tinha meio no fiado porque a gente precisava de dinheiro para voltar para casa. A gente retornou para tentar comprar um caminhão grande que sabemos que tava a venda. Chegando aqui, não tinha nada. Já tinham vendido. E com o outro carro que a gente tinha, a gente resolveu comprar um mercado que ficava ali no Bosque, onde é hoje a Farmácia Mercúrio. Foi quando decidimos de fato sermos comerciantes. Montamos o Mercadinho Vai Lá e lá trabalhava eu, meu pai, minha mãe e mais uma funcionária.
Freguês da Polícia Federal
E foi de um negócio que deu errado com um caminhão que a família de Beto resolveu partir para outro ramo: o comércio. Nesse período, o velho Moreto e o Moretinho passaram por altos e baixos.
Beto conta que nesse período foi perseguido e praticamente saiu preso do comércio por fazer a coisa certa. Ele afirma que era comum ir lá na Superintendência da Policia Federal dar alguns esclarecimentos até o dia que um delegado, cansado de ver ele por lá, repassou um documento que ele não precisaria ser levado mais para a Delegacia.
ac24horas: E como foi esse negócio do Mercado?
Beto: Eu tinha a obrigação de abrir ele cedo para pegar o pão às 5 horas da manhã e o meu pai fechava ele às 10 horas da noite. Eu preferia de manhã porque tinha a tarde a noite para jogar bola, namorar e nesse negócio a gente passou uns dois anos mais ou menos. Ai foi aquela época do inicio do Plano Collor.
ac24horas: Beto, me disseram que você era figura ativa no noticiário, como foi isso? O que você fez?
Beto: Naquela época que saiam as tabelas, eu tinha um amigo que trabalhava na Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) e na hora que tinha os tabelamentos dos preços via Telex, ele me repassava a tabela original, ou seja, eu tinha o documento que era o certo. Eu chegava no meu mercado e tabelava os produtos e existia um produto que era mais vendável que era o Leite Integral Ninho, numa latinha, e tinha Leite Ninho Instantâneo, que era da lata maior. E um era congelado e o outro era tabelado. O que foi tabelado, saiu do mercado. Eu vendia tudo no preço congelado e eu comprava dos outros mercados com preço tabelado e vendia no meu congelado e nisso o consumidor achava que eu estava roubando. Foi numa época onde eu mais emiti nota fiscal para os consumidores. Os caras iam na Sunab, na Polícia Federal e toda vez que eu era intimado, eu chegava e apresenta as notas , as tabelas. Isso aconteceu tantas vezes, que um dia um delegado da PF me deu um documento dizendo que eu estava certo, que o produto tabelado era um e o que eu vendia era congelado. Fui até perseguido por uma jornalista na época . Teve uma vez que eu sai do meu comércio quase algemado. Quando eu chegava na delegacia, o delegado já ficava puto e mandava me soltar e foi nesse dia que ele me deu um documento, para que se ocorresse esse tipo de abordagem, eu apresentasse para a policia. Tudo isso rendeu um processo que eu tive que me defender na época, pois não condizia com a verdade, e olha que eu deveria até mover uma ação por calunia, mas eu resolvi deixar pra lá. Com esses tabelamentos, os mercados naquela época começaram a quebrar. Naquela época eu vendia muita cerveja com o ágio, que é um valor adicional cobrado em operações financeiras. Não existia mercadoria se não fosse com o tal de ágio. Meu pai, sempre atento, descobriu uma pessoa que vendia cerveja da Skol, aquelas caixinhas de lata, com 48 latinhas, ai a gente comprava e eu saia vendendo nos bares, na rua e tudo mais. O preço era tabelado a R$ 15, mas na época a gente vendia por 50 e todo mundo comprava. Nós pagamos 40, 45 e os donos das bebidas queria a cerveja, e o que vendia, então tinha que comprar. Foi nessa época que a gente começou a ganhar dinheiro.
O início do Café Contri
De uma compra de caminhão cheio de café, Beto foi colocado definitivamente no trilho do sucesso. Com um sócio, Beto montou o negócio que hoje emprega diretamente 33 funcionários e produz cerca de 1.500 quilos de café por hora. Mas para chegar a isso, ele teve que trabalhar muito, suar muito até que um dia tomou coragem e comprou a outra parte de seu sócio e resolveu transformar uma pequena torrefação num negócio líder de mercado.
ac24horas: E foi dai que a sua vida mudou e que nasceu a ideia do Café Contri?
Beto: Nessa época o mercado não começou a render o suficiente. O meu pai começou uma atividade paralela com uma fábrica de gelo, que era uma dificuldade na época, porque não existia gelo drink em Rio Branco. Ele iniciou esse negócio, sofreu para caramba com isso, pois ele queria fazer um gelo com água de coco para colocar no whisky, mas com pouco tempo se estragava, perdia qualidade, azedava. E foi nesse período que eu conheci um cara que mexia com café, o Marcos. Nessa época também nos criamos um espécie de cooperativa dos mercados para comprar tudo no atacado e dividir entre os associados. A gente comprava todos os produtos direto de fábrica, sem o atravessador. Quando foi para gente comprar uma carga de café, a marca que predominava no mercado acreano na época não nos vendeu o produto. Eles vendiam para o atacado e o atacado vendia para nós. Ai foi quando eu conheci o café do rapaz que morava em Rondônia. Esse cara chegou no meu mercado querendo vender café e quando ele me falou o preço, bem abaixo do mercado, eu cresci os olhos. Disse que tinha uma proposta para fazer se ele fizesse um preço x, com desconto, nós compraríamos o caminhão fechado. Ai o cara ficou impressionado e foi quando eu levei ele para a reunião da Cooperativa, nossa central de compras, e fechamos o negócios e compramos a carga dele toda. O cara ficou super empolgado e virou super meu amigo. Com isso, a gente foi crescendo a venda de café dele aqui em Rio Branco. Ai o mercado já não ia bem das pernas, por causa das dificuldades. Ai esse rapaz de Rondônia teve a ideia de montar uma torrefação de café, mas ai eu questionei: “Com qual dinheiro?”. Ele disse: “A gente dá um jeito”. Ai passou uns dias e nós compramos as 15 primeiras máquinas de moer café e foi o meu inicio nesse ramo, em junho de 1987.
ac24horas: Resolveram começar no ramo de café do nada, assim, vocês tinham conhecimento, material para trabalhar?
Beto: Mas ai a gente comprou a máquina, mas não tinha café e nem torrador. As primeiras máquinas eu consegui comprar meio a meio com esse meu sócio. E um belo dia, esse rapaz chega na caminhonete e diz que achou a solução dos nossos problemas. Ele me disse que um cara tava torrando café ali na Cohab do Bosque e acabou gerando um incêndio e queria se desfazer do torrador. Nós fomos ao local, tava o cheiro de queimado ainda, ai a gente fechou negócio e compramos o torrador. Mas esse negócio rendeu: esse torrador foi trocado por videocassete que era o top dos tops da época e mais um dinheiro. Mas eu não tinha nada pra dar também. Ai esse sócio me disse que ia comprar e instalar lá em frente da casa de seus pais aonde tinha um barraco velho e começamos a trabalhar. Ai passou um tempo, e nos fechamos um acordo, para que eu pudesse pagar ele pela aquisição do torrador. Acabei negociando o mercado. A hora que desse os 50% do valor, tava fechado. Ai foi passando um tempo e consegui pagá-lo atendendo a cesta básica para a família dele. Ai no final eu fiquei sócio meio a meio de todo o negócio do café.
ac24horas: Mas você só trabalhavam com café?
Beto: Nós dois éramos marreteiros, aonde tinha alguém querendo vender, a gente tava lá para comprar e aonde tinha gente querendo comprar, a gente tava lá para vender. Isso quer dizer que quem quer vender não coloca preço e ainda, o cara que quer comprar, quem coloca o preço é o outro. A ideia é sempre tentar comprar bem para vender melhor. Mas a indústria já funciona diferente, você produz o produto adicionando todo o teu custo para vender e obter um lucro pequeno. A indústria não permite você ter um lucro abusivo. Eu sempre falo que se o café ou qualquer outro produto fosse corrigido pela inflação ou índice de poupança , ou índice de correção de salário mínimo que todo mundo chora, o café estaria bem mais caro, mas muito mesmo. Eu venderia um quilo de café em torno de R$ 80, sendo que o normal é vender a R$ 12. O sonho do brasileiro no inicio do plano real era ter o salário mínimo de 100 dólares. O dólar hoje está exagerado, acima dos 3,20 e o salário mínimo tá dando quase 300 dólares. Então o brasileiro, quando ele tem um sonho, ele ultrapassa, mas ele sempre tem um sonho maior, nunca para. Os produtores de café tinham um sonho de vender a saca de café por 100 dólares e hoje vende muito mais do que isso. No passado a indústria era altamente de ganhos, mas hoje nós só repassamos os nossos custo, tem hora que fica tão apertado que não conseguimos.
ac24horas: E como era essa movimentação no trabalho de vocês?
Beto: Nós aproveitávamos as oportunidades nos municípios quando éramos marreteiros. Sabia que um lugar não tinha açúcar, nós comprávamos o açúcar e íamos lá comercializar na hora certa. Ai a gente sabia que no interior tinha muita farinha e Rio Branco não tinha, a gente corria para o interior, comprava, e fazia uma excelente venda na capital. Tudo isso acontecia porque eu tinha entrado, além do café, numa sociedade num caminhão. O lucro era meio a meio, mas esse meu sócio não trabalhava porque tinha sido ele o comprador do caminhão, então eu entrei com trabalho. Enquanto eu dirigia, botava a mão na massa de fato, ele ficava só administrando.
ac24horas: Enquanto isso, o café ia funcionando normalmente… Aliás, porque Café Contri?
Beto: Na verdade, a empresa que esse meu sócio representava de Rondônia, que aliás já não é meu sócio há muitos anos, se chamava Comtri ( Comércio Transportes Rodoviário Ichi ) que era empresa de um japonês muito conhecido aqui e que hoje tem negócios na Bolívia. Então nessa época eu já era conhecido como Beto do Comtri. Conversando com um amigo na época, eu falei que ia criar a marca Café Contri, sem o M e adicionaria o N e hoje é registrado, patenteado há mais de duas décadas. Até hoje por onde eu vou o pessoal me chama de Beto do Contri. E nessa época eu transportava as marretagens de dia e torrava café a noite. Era trabalhava demais, enquanto isso, o meu sócio tava lá, tranquilão, só administrando. Ele ganhava sem trabalhar e isso foi me cansando, me deixando chateado.
ac24horas: Então você resolveu romper com esse sócio?
Beto: Então, apesar da minha família ter saído de Boca do Acre há muitos anos, a gente ainda tinha uma terrinha por lá. Ai meu pai vendeu a última colônia que ele tinha e me deu dinheiro para eu comprar a parte do meu sócio, o Marcos. Foi quando eu cheguei para o cara e disse que compraria a parte dele. Ai o Marcos me disse que eu não tinha dinheiro, e eu falei que me virava para pagar. Eu fui e perguntei: quanto é a sua parte?”. Ele pegou a agenda dele, pegou a caneta e foi somar o que nós tínhamos para chegar a um valor. Colocou tudo na ponta da caneta e o valor já tava chegando no dinheiro que eu tinha pra comprar e eu morrendo de medo de ultrapassar e ai no final ele quase que dobrou o valor por causa da marca Café Contri que já era conhecida, e o valor bateu na trave do que eu tinha. Ai eu falei eu te dou tanto e ele olhou pra mim e disse que eu não tinha esse dinheiro. Tivemos uma pequena discussão até que ele topou que eu desse o dinheiro. Ele falando isso, meu pai chegou com o cheque e deu. Ai o Marcos pegou o cheque, olhava com vontade de rasgar. Ele me disse que ia pegar, porque não queria mais ficar no Acre e afirmou com todas as letras que eu ia me ferrar sozinho. Eu disse na lata: “Vou me ferrar, mas vou trabalhar no que é meu”. Ai o cara foi embora no caminhão e me deixou com tudo, mas sem nenhuma dívida. Eu sei ainda que o Marcos levou um funcionário que nós tínhamos…
ac24horas: E como foi iniciar agora sozinho?
Beto: Eu fiquei sozinho trabalhando com o café. O incrível de tudo isso que o funcionário que trabalhava com a gente tinha uma freguesia ao arredores da cidade muito grande. Ele comercializava bem o café no varejo. Esse funcionário desviava o nosso café e vendia no varejo, quando descobri, esse dinheiro passou a ser meu e deu pra gente começar de fato a ficar bem de situação. Foi com esse dinheiro que era surrupiado que eu comecei a me sustentar. Dava pra bancar boa parte da minha estrutura da época.
A consolidação do Café Contri no mercado acreano
Após desfazer a sociedade, Beto resolveu trabalhar só, mas, claro, sempre sob a orientação de seu pai, que o ajudava a vender o café pela cidade. Curioso, o empresário conseguiu adaptar uma máquina para embalar seu produto e vender em qualquer mercado, comércio ou mercearia. Esse foi o divisor de águas na vida empresarial de Beto, que teve o prazer de contratar o seu primeiro funcionário. Ele conta os detalhes dessa batalha abaixo.
ac24horas: imagino que trabalhando sozinho, você tinha o sonho de crescer, de expandir, mas como você conseguiu?
Beto: Eu tinha um sonho de embalar o negócio. Quando eu consegui criar a nossa primeira embalagem, eu fiz com a ajuda da minha mãe. A minha mãe vendia roupa em sacola, era sacoleira, e a indústria que fazia as embalagens só fazia se eu pagasse antecipado. Tinha que pagar para eles rodar a embalagem. Era uma questão de segurança deles. Era mais difícil fazer isso principalmente para um cara do Acre que eles não conheciam. Eu arrumei o dinheiro e repassei pra eles. Eu sei que demorou uns 90 dias para chegar a embalagem.
ac24horas: a embalagem chegou, e ai?
Beto: Quando ela chegou, eu adaptei uma máquina para embalar, pois nós só tínhamos as máquinas de moer café. Eu fui aperfeiçoando essa máquina e ela foi embalando o meu café. Eu ficava noite e dia nisso, embalando café, fazendo um controle de peso que não existia. Quando começamos a embalar, foi a melhor coisa que aconteceu, nesse momento nós poderíamos vender nosso produto em qualquer lugar, para qualquer mercearia, mercado e tudo mais. E foi nesse tempo que eu contratei meu primeiro funcionário. Esse cara trabalhou comigo 25 anos. Para você ver, hoje no café eu tenho 33 funcionários e somando com o negócio dos frigoríficos e as fazendas somam 75. Todo final de mês eu tenho que pagar 75 funcionários.
ac24horas: E naquela época, pra quem trabalhava só, como foi contratar o primeiro funcionário?
Beto: Foi motivo de orgulho. Na época que eu era casado com uma outra mulher, nós tínhamos amiga em comum e sempre nos reuníamos para conversar. Lembro que um dia eu cheguei pra ela disse que tinha contratado o meu primeiro funcionário. Um tempo depois, voltei a conversar com ela, e disse que tinha dobrado o número de trabalhadores, agora eu tinha dois. [Risos]. Eu sei que essa mulher fez uma festa com a minha piada, mas para mim era um sonho. Passar de um para dois é dobrar e graças a Deus a gente conseguiu crescer.
ac24horas: E nessa época, você precisou de ajuda de mais alguém para crescer, além de seu pai?
Beto: Olha, são tantas pessoas, mas em especial ao meu ex-sogro, o seu José Soares. Até hoje ele me consulta e me pede alguns conselhos, se faz certo ou desisti. Já tem uns tempos que nós não temos tanto contato, mas teve uma época que eu fui um bom investidor pra ele. Eu trabalhei muito tempo com o dinheiro dele. Na época das vacas magras, quando o Brasil vinha pagando juros exorbitantes e fazer empréstimo era loucura, ele me emprestou um dinheiro a juros de poupança mais 2%. Hoje a poupança não dá nem 1% e eu pagava esses juros de poupança e foi aonde eu transformei o Café Contri numa grande indústria. A nível de Brasil, hoje, eu não sou muita coisa, mas no ranking da ABIC ( Associação Brasileira da Indústria de Café), eu tô entre as 80 maiores torrefações do país e no Acre, graças a Deus e sem medo de errar, nós somos o maior. Essa ABIC afere a qualidade do Café e isso é a garantia que nós temos um dos melhores café do país.
ac24horas: Você planta café?
Beto: Não, nós incentivamos a plantação. Eu compro o café dos produtores.
ac24horas: E você tem uma ideia de quantas toneladas de café você movimentar por mês nesse teu negócio?
Beto: Eu tenho todos esses dados, mas eu não vou te passar [gargalhadas]. Se eu te passar isso, o meu concorrente vai ficar de orelha em pé, mas eu posso falar pra você que eu tenho uma produção de café de 1.500 quilos por hora. A minha última empacotadeira que eu comprei, embala 65 pacotes de café por minuto. Dá menos de 1 segundo cada pacotinho de 250 gramas. É lógico que eu não estou nem perto de chegar a 50% da capacidade de produção que nós temos. A questão não é nem a falta de café, falta é acreano [Risos]. A nossa população hoje, cerca de 700, 800 mil habitantes, não consome tanto café. E a nossa marca é trabalhada, vende muito bem aqui no Acre. Nosso foco é aqui. Eu atendo Boca do Acre e atendo também Extrema, ali em Rondônia pois o nosso centro de comercialização é pequeno.
ac24horas: E expandir, você nunca pensou nisso?
Beto: É muito complicado. Por exemplo, Rondônia, nosso Estado vizinho, é produtor de café. O preço lá é bem mais baixo do que o nosso. Eu trago café de RO. Então você imagina, que pra trazer o café de lá, eu pago transporte, industrializo aqui, e transporto de novo pra lá, ou seja, vai sair algo inviável, o preço vai lá em cima e não tem como disputar com os cafés locais de lá.
ac24horas: Mas você não pensa em entrar nesse mercado, tenta driblar, fazer alguma coisa diferente?
Beto: Nós estamos com uma proposta interessante no nosso sindicato, no qual eu sou presidente, o Sindicato das Indústrias de Alimentos do Acre, de levar nossos produtos para Manaus. Mas isso é um trabalho conjunto aonde nós dividiremos os custos. São várias empresas sindicalizadas no nosso seguimento e nós estamos estudando um jeito de viabilizar esse projeto. A ideia é levar café, biscoito, farinha e o que mais o Acre produzir. Aquelas empresas que tiverem o interesse de expandir nós estaremos dando condições, vamos dividir custos. Muita gente pergunta porque não expande? Ora, não é comodismo, tem uma hora que a gente pensa em até parar por causa desses problemas no país, encargos, impostos e uma infinidade de situações.
ac24horas: Já pensou em desistir, abrir mão de tudo, Beto?
Beto: Não. Desistir jamais, mas já penso parar de trabalhar.
ac24horas: E fazer o que da vida?
Beto: Pescar… andar de quadriciclo… curti a vida. Hoje eu já tenho condições de deixar os meus filhos trabalharem e, se eles cuidarem de mim pelo mesmo tempo que eu cuidei deles, eu acho que vai sobrar dias porque eu não vou aguentar. Hoje eu tô com 50 anos e minha meta de vida é 80. Depois disso, cada dia é uma vitória, mas eu passo dos 100 anos. Só de teimoso eu passo os 100 anos.
ac24horas: Você se considera um cara teimoso?
Beto: Não. Me acho objetivo, apesar das pessoas me acharem chato, terimoso. É uma finalidade, eu chego nela, pode vir de frente que eu passo por cima. Eu não desisto. Não existe o impossível para mim. Quando eu comecei no café lá no passado com esse sócio que eu tinha, ele não acreditou, mas eu sabia que eu acreditava.
ac24horas: Mas Beto, qual é a tua verdadeira ligação com o Café?
Beto: A minha mãe me criou debaixo de um pé de café lá no Paraná. Tanto a minha mãe, como o meu pai era filhos de cafeicultores. Eu tenho uma tia no Paraná que fala que cuidou de mim debaixo da saia do pé de café. A saia do café é o seguinte: Quando o pé fica carregada, os galhos caem e ficam igual uma saia. Eu nasci no meio do café. Ai você me pergunta se foi isso que me motivou a trabalhar com café? Eu digo que não. Eu montei por causa de uma pessoa que trabalhava com café. Quando esse meu sócio me falou em máquina de moer café eu me lembrei da época que sai do Paraná, a minha mãe me mandava comprar café moído na hora. E aquilo era cheiroso, gostoso e é também o nosso slogan: Café Contri, o meu, o seu, o nosso prazer diário. Então eu tenho prazer em tomar café. Eu tenho esse hábito de tomar café. Se eu não tomar café eu não acordo. Eu tenho que tomar café. Quando eu entro na empresa e começo a tomar café, e se o aroma tiver diferente, eu já sei, tem algo errado. Ai eu já vou lá no torrador. Eu faço a prova todo o dia com o café do dia anterior. Eu faço o meu próprio controle de qualidade. A milha neném de 2 anos já toma café, meu filho Rafael saiu do leite e começou a tomar café. Eu acredito que todos os meus filhos fizeram isso.
ac24horas: Como empresário, você exerce, centraliza o comando da tua empresa, claro, apesar de você delegas determinados assuntos?
Beto: Eu delego tudo para minha equipe, mas tenho todos os controles. Eu passei uma semana fora agora e não peguei os relatórios da semana passada. Todos os relatórios diários passa pela minha mão. Se eu ficar trinta dias fora, todos os relatórios estarão na minha mesa. Eu olho um a um. Nossa conta bancária, eu olho rigorosamente todos os dias. Eu tô lembrando que eu tenho que fazer uma transferência para um fornecedor de café em Londrina, no Paraná, eu ainda não fiz hoje, mas certamente, assim que vocês saírem, eu farei. Quando eu não tô aqui, já tem uma pessoa que faz. Por ter sido bancário, eu adotei a pratica de dar visto. Qualquer funcionário meu que faz qualquer serviço precisa dar o visto. Ele faz o controle, passou pela mão do fulano, assina e por ai vai. Quando eu acho o erro, eu sei qual foi o funcionário. Ai ele vem pra cá e nós vamos tentar corrigir a falha. Atualmente nós temos 4 mil clientes no Acre e para esse negócio dá certo, tem que ter controle, tem que ser rígido. Toda e qualquer mercearia comercializa o Café. Se não tiver o Café Contri, é de duas, uma: ou ele é nocego, não me pagou, ou ele abriu a mercearia a poucos dias. Se ele abrir, o meu vendedor passa lá na porta dele. Nós vendemos para quem tem CNPJ, se não tiver CNPJ, a gente vende para quem tem CPF, se não tiver CPF, mas se tiver um nome, nós vendemos, se ele não tiver um nome, mas tiver um apelido, eu vendo. Mas se não tiver o apelido e tiver o endereço fixo a gente vende também. Agora ele tem que preservar essa relação de confiança. Se ele não pagar, pode ser o mercado que for, nós não vendemos mais. A gente gosta de vender, mas melhor do que vender é receber. O receber é o mais gostoso. Recebendo, eu pago todo mundo.
ac24horas: E como é o Café Contri no mercado acreano?
Beto: Só o Café Contri tem quatro marcas de café. É o líder do mercado acreano. Tem o Café Sarah que é o meu maior concorrente, que é nosso, tem o café Feijó, que é só destinado ao município de Feijó, e também temos o Café Araújo, que é do Grupo Araújo Supermercados. E estamos querendo lançar em breve um outra linha de café.
ac24horas: Criar todas essas marcas é o segredo do sucesso do teu negócio, é uma estratégia?
Beto: A concorrência hoje olha muito para o Café Contri e esquece dos demais. Tem muitos deles que nem sabe se o Café Sarah é nosso. Então na hora que o concorrente vem, ele olha para o Café Contri. Eu já ouvi várias vezes o pessoal falando que ia quebrar o Café Contri. Quebra? Esquece do Sarah, do Feijó, do Araújo. O Contri, por ser líder de mercado, uma marca forte, ele paga um alto preço: sempre é o mais caro na prateleira. Infelizmente eu nunca vou conseguir o meu café abaixo de outra marca e isso em raras exceções quando uma rede de supermercado faz uma promoção bancada por nós, mas ele não consegue ficar mais barato. Caro ou barato, o Contri vende do mesmo jeito. Ele é vendável, não tem jeito.
ac24horas: E o Beto Patrão, como é?
Beto: Rapaz, eu não consigo agradar. O meu temperamento é complicado. Sou explosivo, eu não cobro, eu exijo. Eu não gosto de ficar falando para o funcionário fazer o serviço dele diário. Eu vejo um funcionário como eu era. Eu sou muito criticado porque eu tenho esse temperamento forte e a gente acaba pagando um alto preço de não ser um bom líder. Muitas coisas que passo para os meus gerentes, encarregados, resolver porque se eu for, eu acho que explodo. Acho não, tenho certeza, mas eu tô me controlando.
ac24horas: Se controlando como?
Beto: É por isso que eu quero curtir mais a vida. Se a gente delegar o serviço a cada chefe de setor, facilita muito o trabalho. No passado eu cuidava de tudo, hoje eu tenho um setor de empacotamento, eu tenho o chefe de torrefação, tenho o de entrega, tenho um de produção. Eu me reúno uma vez por mês e cobro deles para tentar tirar esse peso de ser chato, mas eu sou bastante rígido mesmo, brigo por pouca coisa e isso ai talvez não me faça um bom patrão, mas de uma coisa é certa: nunca deixei de pagar um funcionário no máximo no final de cada mês. Eu cumpro as minhas obrigações rigorosamente em dias. Eu tenho dignidade com os meus funcionários. Os meus funcionários são a razão do sucesso do meu negócio. Eu não cheguei aqui sozinho. Comecei só com a ajuda da família, mas hoje quem me mantém são os funcionários. Se meu funcionário não estiver satisfeito, não comigo, mas falo da empresa, ai eu tô ferrado. Comigo eles não precisam se preocupar, eles não dependem de mim, dependem do trabalho deles, dependem da empresa. Se a empresa está bem, os funcionários também estão. Eu não tenho inimizade com funcionários, tomo cerveja com eles, fazemos churrasco juntos, pesco, jogo bola, mas quando é pra cobrar eu cobro e muito. A minha família é a Contri e eu tô sempre que possível com eles.
ac24horas: Mas assim, você é acessível com os seus subordinados?
Beto: Muito. Todo funcionário meu tem a liberdade de chegar até aqui [escritório dele]. Eu ando com a camisa mais bonita, eu ando com o carro melhor, mas de vez em quando eu olho e lembro que eu tenho que fazer um estacionamento coberto para os funcionários. Muitos deles tem carro, tem moto. Eu lembro lá no passado que os meus funcionários eram poucos e vinham trabalha de bicicleta, muito vinham de ônibus, mas parece que as coisas melhoraram e agora quase todos têm a sua condução. E aqui a gente ajuda aquele funcionário que se esforça, que já tem um tempo com a gente, ajudamos a financiar a compra de uma moto, de uma maneira que caiba no bolso. Hoje nós temos essa facilidade de financiar e eu fico muito feliz por isso.
A Fazenda , o pai que morreu e a maior emoção da vida
Beto revela ao ac24horas o motivo de ter comprado a Fazenda Annasara. Segundo ele, o objetivo era que seu pai José Moreto assumisse as rédeas do negócios, que tivesse uma velhice mais tranquila, mas infelizmente a saúde dele foi ficando comprometida.
Beto se comove ao falar do pai. Para ele, é o único assunto que o faz perder o chão. Apegado ao pai desde menino, Beto viu a sua maior influencia em vida partir, mas antes ele teve a oportunidade de dizer que seu Moreto seria avô novamente com o nascimento da pequena Eliza, nome em homenagem a mãe de seu Moreto, Vó do Beto.
ac24horas: Falamos muito de café, mas me conta sobre as fazendas os frigoríficos, como foi isso, Beto?
Beto: A fazenda era um sonho…eu queria que o meu pai tivesse uma vida mais tranquila e foi comprada para que ele fosse o administrador da fazenda. Era a vontade dele ficar na fazenda, ele gostava demais, mas coincidentemente, depois que eu comprei a fazenda a saúde dele piorou cada dia. O fato é que a fazenda virou uma empresa, não é uma fazenda de final de semana para lazer, eu tenho tudo isso, mas lá de fato é profissional mesmo. Hoje nós somos o maior produtor de milho do Amazonas, já que ela fica localizada no lado do Amazonas, nós tem gados de elite, nelore, produção de touro, temos criação de peixe, a ovinocultura também é forte. Na semana santa agora nós fornecemos peixe para o Ceasa de Rio Branco, sou parceiro e acionista da Peixes da Amazônia…
ac24horas: Eu percebo que sua história de vida é centrada demais no seu pai…ele já se foi, mas ele foi o cara, né?
Beto: [Beto fica pensantivo e fala aos poucos] Lá no passado, quando eu trabalhava sozinho no café, o meu pai já tinha a indústria de gelo dele e eu lembro que ele foi o primeiro vendedor meu e eu não pagava nada pra ele. Ele colocava o café numa D-20 para vender. Ele era um grande incentivador, bom comerciante, nunca voltou com café de volta. Isso me deixava feliz. Ele sabia o quanto era difícil eu fazer tudo aquilo, o quanto era desgastante… acho que ele pensava que se voltasse com café, ele iria me desanimar, me deixaria triste O fato é que ele sempre dava um jeito de vender tudo. Era incrível. Eu pensava assim: meu pai via eu ter dificuldade de vender, e ele ia lá e vendia. Nunca me decepcionou… sempre me ensinou. Tudo o que eu tenho, das ignorâncias, das teimosias, veio do meu pai. E se eu falar que eu tenho tranquilidade numa hora serena, ai já veio da minha mãe. Minha mãe é um amor, apesar de está com a saúde bem comprometida por causa do Alzheimer. Eu tô me dedicando o máximo que eu posso [graças a minha esposa Luciana que é mais do que uma enfermeira, é mais do que uma filha para a minha mãe, ela é 10]. Meu pai quando faleceu, ele voltou umas três ou quatro vezes e a minha esposa olhava ele. Ela se arrepiava ao falar que ele tava perto da gente, sorrindo e tudo mais. Diversas vezes ela falava isso. Eu ficava revoltado porque eu não conseguia vê-lo. Ai antes dele morrer, eu consegui mais uma vez falar que ele ia ser avô e que o nome da neta dele seria Eliza, em homenagem a minha avó, a mãe dele. A enfermeira que estava junto comigo lá na UTI, acompanhando, depois de algum tempo, me falou que no dia que eu falei o nome da minha filha para ele, eu não tinha percebido, mas todas as máquinas que estavam ligadas a ele dispararam. O batimento cardíaco dele foi nas alturas. Eu achei que ele ia morrer naquela hora, mas ele tava tão emocionado que ainda conseguiu derramar uma lágrima. Nesse dia eu senti que ele tinha ido, mas tinha ido satisfeito. Quando eu soube dessa história, eu tenho certeza que essa foi a sensação mais forte que senti na minha vida, a maior emoção.
ac24horas: Como foi os últimos dias de seu pai, como você o via?
Beto: Meu pai lutou muito pra ficar vivo. Chegou uma hora que ele não aguentava mais cadeira de roda e o incrível é que ele sempre inventava, sempre adaptando. Para ele se locomover na cadeira de rodas dele, foi feita várias adaptações. Para subir as escadas, ele adaptava elevadores. No banheiro ele adaptava a parte do conforto dele. Ele queria ser ele, não queria depender de ninguém para nada, ele queria ser independente. Ele não se acomodou nem na morte. No dia que ele faleceu, eu lembro como se fosse hoje, foi num sábado e foi enterrado num domingo e no dia do sepultamento eu falei [A voz fica embargada] Até para morrer, morrei num dia que não tem trabalho. [Beto coloca as mão no rosto e fica pensativo e as lágrimas começam a escorrer aos olhos]. Ele gostava tanto de trabalhar… quando eu tinha um jogo de futebol ele sempre falava que eu tinha que trabalhar e se desse tempo, eu jogaria bola. Sempre foi assim… e no dia que não trabalha, ele morreu… nem nisso ele deu um dia extra de descanso para ninguém. Mas é lógico que isso é gozação, aquele era o dia que Deus decidiu leva-lo. Foi um grande homem… se alguém falar que meu pai deve para alguém é mentira! Se ele enganou alguém é mentira! Foi uma pessoa com a dignidade nas alturas mesmo. Um grande caráter… tinha seus defeitos como qualquer ser humano, mas ele sempre se destacava. Até hoje tem pessoas que me encontram na rua e perguntam cadê o meu pai; eu digo que o meu pai tá esperando a gente. Ai a pessoa insisti, perguntando aonde ele tá e eu respondo que eu vou encontrar ele, mas vou demorar; ai a pessoa cai na real e descobre que ele morreu. Mas assim, não é um assunto que me incomoda não, me emociona, é diferente. Meu pai participou da minha num todo. Eu tenho fotos do meu pai montando a minha primeira torrefação. Meu pai também como eu gostava de dirigir caminhão… ele, muitas vezes, também era meu motorista. Ele era tudo… a medida que ele foi vivendo, ele foi reduzindo as suas responsabilidades, mas não tinha tempo ruim para ele. Companheiro, amigo dos funcionários.
ac24horas: Você se emociona demais quando fala dele, diz que vai encontra-lo, e o Beto no lado espiritual, você acredita em algo?
Beto: Sou católico não praticante. Eu acredito em Deus, acredito em Nossa Senhora Aparecida, me apego a Deus em todos os meus momentos. Eu não me apego a Deus só na hora da necessidade, mas também nos bons momentos, na hora da conquista, de um sonho. Sou católico, mas não sou fanático. Eu sou a ocasião… eu sempre brinco com os meu vendedores que eles tem que ser o que o cliente é. Eu sou aquilo que o nosso bate-papo, o nosso relacionamento é. Você é vascaíno, eu sou flamenguista, mas se fosse para te conquistar eu virava vascaíno. Se o meu cliente fosse, eu virava…depois com o tempo eu ia tirar sarro da vida por ele ser vascaíno [gargalhadas].
ac24horas: E a Peixes da Amazônia, é um bom negócio?
Beto: No futuro você pode ter toda a certeza. Esse futuro tá quase que amanhã. Já passamos por uma grande fase com foi a construção e agora estamos efetivando o trabalho com todo aquele empreendimento funcionando, gerando emprego e renda. Hoje tudo que se produz, se vende. E a Peixes da Amazônia vai bombar e eu não tô falando em vender no Acre, eu tô falando de vender fora. Com todas as letras, vai ser lucrativa.
E o Frigorifico Annassara?
Beto: Então, a fazenda é um negócio. Lá nos aumentamos a produção de ovinos e lá resolvemos construir o Frigorifico. O nome Annasara não é que eu tenha uma Anna e outra Sara não. As inicias de Anna são de Andrei e Nadson e o Sara é de Sara e Rafael, meus filhos. Era quatro na época e eu resolvi homenageá-los. Na produção de Ovinos a gente tinha muito problema na comercialização, por questões de produtos clandestinos, chegava no mercado não conseguia vender, e a gente começou a fazer o abate numa cozinha, mas não era certificado. Ai resolvi que a gente tinha que montar um frigorifico. Nós chegamos a ter 3 mil cabeças de carneiros nossos. Hoje a gente tem muito mais do que isso com a parceria que a gente tem com o governo do Estado. Em relação a Ovinos, se alguém falar em carneiro, tem que falar comigo e na questão do café também [Risos].Na época já foi o Binho e depois o Tião agora que vem nos ajudando. Temos um abatedouro pequeno, mas abatemos 100 animais por dia. Hoje abate o que a gente consegue comprar. Se tivéssemos mais carneiro para comprar, nós conseguiríamos vender mais. Então é uma negócio promissor. O nosso sonho é ampliar o abate para 500 animais dias para comercializar no sul do país através de uma parceria com o governo do Estado. O meu forte não é fazenda, o meu forte é indústria, então o que eu puder fazer para incentivas os produtores, eu farei. O milho que eu produzo na fazenda, eu uso para ração. Eu tenho uma fábrica de ração lá na Annasara. Lá a ração serve para engordar os carneiros, os bois, não necessariamente com peixe, que precisa de uma tecnologia mais avançada. Então a fazenda acaba virando uma indústria. Tudo se aproveita, eu não gosto de jogar nada fora. A olha do meu café vira adubo na minha fazenda. Eu não perco nada.
ac24horas: E o Beto família, cinco mulheres, cinco filhos…como é?
Beto:[Gargalhadas] Rapaz, eu só tenho uma esposa que é a Luciana [Risos]. Mas na verdade eu tenho outras quatro mulheres, a Dona irene (Mãe), a Eliza, Sara e Aila, que é a minha netinha. Pense numa morena linda. Mas hoje eu sou mais caseiro do que antes. Vivo a minha vida, tento me aproximar dos meus filhos sempre.
ac24horas: Mas e ai, você pensa em pendurar as chuteiras, parar de trabalhar, curtir mais a família, os netos…
Beto: A proposta é que nos 50 eu diminuísse mais a carga de trabalho, mas eu tô fazendo isso aos poucos. Eu quero parar os 55, parar de ter responsabilidade. Parar de olhar relatório, parar de conferir os outros e ficar mais no bom vivant. Quero ficar mais tranquilo, viajar, curtir a vida, muita pescaria e família pra mim é tudo, né?
ac24horas: Você se considera uma pessoa bem humorada, tirado a parte do trabalho?
Beto: Me considero. Eu sou aquela cara que solta piada direto. Essas piadas me trazer muito mais amizades do que problemas. Eu faço amizade fácil. Claro que tem pessoas que não gostam de mim, mas sem me conhecer…depois que me conhecem, acabou, se tornam meus amigos. Aqui no Acre, só tem duas pessoas que eu não gosto mesmo, mas não vou dizer o nome, viu? [Risos]. Teve gente que chegou para mim e falou que me considerava um dos caras mais chatos, mas depois que me conheceu, o conceito mudou. Uma vez um peãozão, um homem grandão, pegou um microfone no evento e declarou que me achava uma pessoa ridícula, mas depois que virou meu amigo, se tornou uma pessoa mais feliz. Isso não tem preço. E o pessoal também ficou brincando que aquele homem queria namorar comigo [Risos]
ac24horas: Você tem um melhor amigo?
Beto: Tenho vários. Não vou nem citar nome porque é difícil. Mas o meu grande parceiro mesmo é o meu primo Emerson, ele é o meu braço direito. Ai depois vem um bocado. Eu sou uma pessoa que não gosto de viajar só, gosto de viajar com uma turma de companheiros. Eu nunca viajei só. As vezes que eu fico só a gente fica relembrando o passado, lembranças que não agradam a gente. Eu gosto de lembrar do meu pai na hora das festas, ele gostava demais. Gosto de lembrar de amigos meus que faleceram na hora da alegria mesmo. Eu gosto do meu arredor ficar cheio de gente.
ac24horas: Você reconhece quando erra?
Beto: Ah, agora você falou uma coisa séria. Eu errado, eu peço perdão. Eu não tenho problema nenhuma para fazer isso, aprendi com o meu pai. Eu sou bastante espontâneo, falo tudo o que penso, se eu falar demais, depois eu dou um jeito de me corrigir. Besta é aquele que vai me falar alguma coisa e eu não vou responder ou que acha que eu não posso falar.
Empresário para crescer tem que ser governo
ac24horas: E o Beto na política tem muitos amigos?
Beto: Ora, empresário é governo. Hoje é o Tião Viana , o Binho já foi, o Jorge Viana também e para trás eu te juro que eu não lembro quem foi, mas esses tirando a Frente Popular, os outros nunca me deram a oportunidade. Do Jorge Viana em diante, todos esses governadores abriram as portas para o Beto. Hoje eu sou Tião Viana, é uma pessoa que acreditou em mim, me ajudou muito e continua me ajudando, mas na politica a gente não pode ter um partido. Se o Tião Viana se candidatar a outra coisa, eu vou votar nele, mas caso outro seguimento, outro partido assuma o governo, eu tenho que ser governo. Se o Marcio Bittar tivesse ganhado as eleições eu teria que me aproximar dele, isso seria bom para os meus negócios, principalmente eu sendo um líder de classe. Eu não posso ser contra se a minha classe que precisa do governo. A gente tem que ter esse relacionamento diplomático. Se a gente não tiver isso, eu não consigo ser um bom líder. Eu me considero um bom empresário por ter começado do zero, subi um morro que tinha uma encosta para eu me apegar. Mas hoje eu tô lá em cima do morro e já faz alguns anos. Quando você chega no topo, você não se apega a mais ninguém. Tudo é aberto, tudo tá te empurrando… quando você tá crescendo, você tem uma certa proteção… eu me considero um bom empresário porque eu consegui vencer os meus desafios e realizar os meus sonhos e, isso não tem preço. Eu posso cair, posso. A economia do nosso país está conturbada, mas eu acredito que eu tenho uma estrutura e uma gama de pessoas que podem me ajudar. Eu não sou nada sem os meus amigos e parceiros.
Texto de Marcos Venicios
Fotos de João Renato
Arquivo pessoal
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