Os dados referentes ao ano de 2024 da Pesquisa da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS), foi publicada no último dia 25/9. Realizada anualmente pelo IBGE a PEVES é a principal fonte de informação estatística sobre a produção oriunda do extrativismo vegetal e das atividades de silvicultura em todo o Brasil. No caso do Acre, essa pesquisa desempenha um papel central para compreender a trajetória e a relevância econômica das cadeias extrativistas na Amazônia.
A tabela a seguir evidencia a evolução recente do valor real da produção dos principais produtos da extração vegetal no Acre, entre 2020 e 2024, com valores corrigidos pelo IPCA a preços de dezembro de 2024.
Entre 2020 e 2024, o extrativismo acreano ganhou novo fôlego, movimentando R$ 115,8 milhões em 2024, alta de 51% frente a 2020. O destaque ficou para a castanha-do-brasil, que mais que dobrou de valor (+156,7%), consolidando-se como o carro-chefe da produção. A borracha nativa surpreendeu ainda mais, com salto de 193,2% e retomada histórica desse importante produto extrativistas.
Em contrapartida, a madeira em tora recuou 14,9% e os demais produtos perderam 10,5%, sinalizando perda de espaço no conjunto da produção. O quadro revela uma virada: a força da floresta acreana está cada vez mais ligada a cadeias sustentáveis e de maior valor agregado, como castanha e borracha, em vez da exploração madeireira tradicional.
Borracha do Acre ganha novo fôlego com política inovadora
A trajetória recente da borracha no Acre marca uma virada simbólica na economia extrativista da região, principalmente depois da fábrica de preservativos (NATEX) fechar às portas. Após décadas de declínio e perda de relevância, o produto voltou a ganhar espaço a partir do final da década de 2010, resultado de novos arranjos comerciais e do fortalecimento das cooperativas locais. Nesse cenário, destaca-se a atuação da empresa francesa VEJA, que, em parceria com o complexo Cooperacre, implantou um modelo inovador de valorização da borracha nativa: a bonificação dos 4 zelos. Essa política vai além do simples pagamento pelo quilo produzido, reconhecendo e premiando no preço final da borracha pago ao produtor, práticas que preservam a floresta, asseguram a saúde do trabalhador, garantem a qualidade do produto e fortalecem a vida comunitária. Vide artigo publicado pela coluna no dia 19/07/2023, onde destaco a participação da empresa: https://ac24horas.com/2023/07/20/seringueiros-do-acre-participam-com-mais-de-30-de-um-dos-tenis-mais-cobicados-do-mundo/
Ao articular sustentabilidade, inclusão social e acesso a mercados internacionais exigentes, a parceria entre a VEJA e a Cooperacre transformou-se em um divisor de águas para o extrativismo da borracha no Acre, elevando tanto a renda dos seringueiros quanto o valor simbólico da floresta em pé. É nesse contexto que passaremos a examinar, de forma mais detalhada, a evolução desse processo e seus impactos econômicos e sociais para as comunidades extrativistas acreanas.
Nos primeiros anos (1999–2005), a produção ainda se mantinha em patamares relativamente elevados, variando entre 1.400 e 2.700 toneladas anuais. O valor da produção também era significativo, chegando a R$ 12 milhões em 2000. Contudo, a partir de 2006 inicia-se uma tendência de queda mais acentuada: a produção desce para menos de 1.000 toneladas em 2008 e alcança apenas 107 toneladas em 2016. O valor da produção acompanha esse movimento, reduzindo-se drasticamente de quase R$ 10 milhões em meados da década de 2000 para menos de R$ 1 milhão em 2016. Trata-se de um período marcado por desestruturação da cadeia produtiva tradicional da borracha.
Inflexão e retomada (2018 em diante)
O gráfico a seguir mostra de forma clara a trajetória recente da produção de borracha no Acre (2014–2024) e permite compreender como fatores de mercado e de política de incentivo, como a bonificação dos 4 zelos adotada pela empresa VEJA, contribuíram para reverter a crise do setor.
A partir de 2018, observa-se uma inversão de tendência. Apesar dos baixos volumes iniciais (190 toneladas em 2018), há recuperação gradual da produção, que atinge 769 toneladas em 2024 — maior nível desde 2011. Paralelamente, o valor da produção cresce de R$ 1,3 milhão em 2018 para expressivos R$ 14,9 milhões em 2024. Esse salto é explicado não apenas pela recuperação da quantidade produzida, mas principalmente pela valorização da borracha: o preço médio pago ao produtor sobe de R$ 6,9 mil/tonelada em 2019 para R$ 19,4 mil/tonelada em 2024.
Os dados de 2024, demonstram que o protagonismo da retomada da borracha no Acre esteve diretamente ligado à atuação das cooperativas de base, que estruturam a rede de produção em diferentes regiões. Na região onde atua a Cooperxapuri, respondeu por 32,5% de todo o valor produzido no estado, confirmando sua liderança histórica no coração da Reserva Extrativista Chico Mendes. Na região de Brasiléia, Epitaciolândia e Assis Brasil, a Coopaeb foi responsável por 18,3% da produção, enquanto nos municípios de Capixaba e Senador Guiomard, região de influência da Coopasf alcançou 23,5% do total estadual.
Esses números revelam a força do chamado “novo cooperativismo agroextrativista”, que alia organização social, ganhos de escala e acesso a mercados diferenciados. Vale ressaltar que todas essas cooperativas são singulares da Cooperacre, a central que concentra a comercialização e articula a inserção da borracha acreana em cadeias nacionais e internacionais de valor. A entrada em novos mercados e ao reconhecimento da borracha nativa como produto estratégico vinculado à sustentabilidade e à bioeconomia amazônica.
Em síntese, a trajetória recente da borracha acreana ilustra como o extrativismo pode se reinventar quando aliado a políticas inovadoras, ao cooperativismo e à inserção em mercados que valorizam a sustentabilidade. A parceria entre a VEJA e a Cooperacre, ancorada no modelo dos 4 zelos, mostrou que é possível transformar uma cadeia produtiva em crise em um motor de geração de renda, inclusão social e preservação ambiental. Ao lado da castanha-do-brasil, a borracha volta a ocupar espaço de destaque no cenário extrativista do Acre, apontando para um caminho em que a bioeconomia amazônica se consolida não apenas como alternativa viável, mas como estratégia central para o futuro do desenvolvimento regional.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas