Uma pequena bomba foi desarmada durante a semana que passou. Uma bomba com efeitos desestruturantes na economia acreana. Tudo passaria despercebido ou sem que fosse dada a devida dimensão. Mas o segmento da pecuária é um ator muito relevante para se incomodar sem ser percebido por aqui.
O Ministério da Agricultura tem uma missão, tem uma tarefa que se comprometeu a fazer até 2026. E esse compromisso foi estabelecido com a Organização Mundial de Saúde Animal, a grande vigia da questão sanitária em todo o mundo. Que tarefa é esta? Tornar o Brasil “Livre de Aftosa Sem Vacinação”, um status que só Acre, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná têm.
O famoso Plano Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa é a grande referência. Além disso, a cartilha prevista no Plano Estratégico 2017/2026 fortalecia a divisão do país com os blocos de defesa sanitária. Até aí, tudo normal. Tudo dentro de uma certa previsibilidade. A “bomba” foi sentida quando os pecuaristas foram surpreendidos com a movimentação do Mapa para a formação do que se passou a chamar pejorativamente de “Blocão”.
O que é o “Blocão”? Bom… para entender o Blocão, é preciso saber, antes, que o país foi dividido em cinco grandes blocos. São divisões que guardam relação mais com o perfil das questões de natureza sanitária do que com proximidade geográfica.
Com as incertezas geradas pela chegada de Donald Trump e as possibilidades que a postura protecionista do novo presidente norteamericano criam no comércio internacional, o Mapa parece ter se sentido pressionado a agilizar o dever de casa. Apressou as coisas. Qual foi a movimentação executada? Transformou o bloco V (RS, SC e PR) em três blocos independentes. E o restante do país, incluindo do Distrito Federal? Eis aí, o tal do “Blocão”.
Imagine o leitor a seguinte situação: uma modesta fazenda, no interior, digamos… do Rio de Janeiro, ou de Alagoas (estados que não investiram e nem se aperrearam com pecuária, nem um terço do que o que se fez por aqui nos últimos 40, 50 anos) digamos que seja registrado um foco de aftosa. O que aconteceria, automaticamente, com o comércio exportador dos Estados que integram o tal bloco? Isso mesmo, leitor! Seria bloqueado. Dá para imaginar o tamanho do prejuízo?
A reação articulada da classe dos pecuaristas foi importante. Não há aqui, fundamentos ideológicos ou bandeiras partidárias. O que está em jogo são decisões de ordem administrativa e, supostamente, técnicas, conflitando com interesses econômicos de uma cadeia produtiva que dispensa apresentação. A pecuária já superou o debate em que precisava se autoafirmar. Os empresários e produtores do segmento estão em um nível de debate que precisam focar em agregar valor, somar tecnologia, construir ambiente de investimento. E isso tem sido feito.
As modestas, mas qualificadas 5,9 milhões de cabeças do plantel acreano são resultados de uma história de bons e maus momentos. Com acertos, erros, avanços e recuos. Obviamente, não se pode dizer que esse é o cenário de todos os produtores de carne da região. Nem todos têm capital necessário para se investir com a qualidade, a regularidade e a escala que o comércio internacional exige. Isso é normal, infelizmente. Como é normal em outras cadeias produtivas, na pecuária também há concentração de capital. Mas não reconhecer os avanços que o setor trouxe à cena econômica local não seria honesto e nem justo. E colocar isso em xeque por uma decisão apressada do Mapa não seria racional. O “Blocão” traria impacto negativo grande.
A reação eficaz contou com a moderação equilibrada do diretor de Saúde Animal do Mapa, Marcelo Almeida, que ouviu os argumentos da Faeac, do Fundepec, dos representantes dos frigoríficos, do Idaf, do Idaron (Instituto de Defesa Agropastoril de Rondônia) durante dois dias em Porto Velho. Para ser justo, é preciso reconhecer o trabalho de bastidor do presidente do Idaf, Francisco Thum; do senador Alan Rick (União Brasil/AC) e do presidente da Apex, Jorge Viana. Foi uma articulação estratégica para que Acre e Rondônia mantivessem unidade na defesa da manutenção do status de Área Livre de Aftosa Sem Vacinação.
O episódio exige maturidade. Não se está aqui querendo diminuir a relevância do Mapa. E muito menos criticá-lo de modo desrespeitoso. Nada disso. Na cadeia produtiva dos diversos tipos de carne, todo ator é dono de uma parte importante do drama de produzir, inclusive o governo.
Depois de tanta luta, de tanto desgaste, de tanto investimento, no momento que o Acre recebe a certificação de Área Livre de Aftosa e começam as primeiras “paqueras” para vender aos mercados que mais demandam, não se pode nivelar todos os estados pelo mesmo requebro. Aqui, o molejo é maior e está no salão com roupa mais bonita há mais tempo.